É POSSÍVEL RECONHECER UM WARHOL AUTÊNTICO? (2009)

É possível reconhecer um Warhol autêntico?
 Richard Dorment - The New York Review of Books - O Estadao

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Cow - Prática de reprodução em fotos levou à discussão sobra a técnica no valor de um trabalho
 

Especialistas colocam em xeque conceito de autoria nas criações do mestre pop 

 

28 nov. / 2009 - O artista plástico Andy Warhol levantou diversas questões a respeito da arte. De que modo ela difere das outras mercadorias? Que valor se atribui à originalidade, à invenção, à raridade e unicidade da obra? Para responder a elas, abordou gêneros artísticos há muito esquecidos, como pinturas de episódios históricos (em suas séries sobre desastres) ou a natureza morta (em suas latas de sopa e caixas de Brillo). Embora Warhol não seja unanimemente considerado um artista conceitual, seu crítico mais preciso, Arthur C. Danto, o define como "o que há de mais próximo a um gênio filosófico que a história da arte jamais produziu".

Lugar central em sua produção tem a técnica do silk-screen, que permitiu a Warhol produzir imagens em série - isto é, escolher um motivo e depois reproduzi-lo repetidamente em diferentes combinações. No livro Pop - O Gênio de Andy Warhol (Harper, 528 págs.), fascinante estudo sobre a ascensão de Warhol de artista comercial a pintor e realizador cinematográfico mais famoso dos EUA nos anos 60, um dos lançamentos recentes sobre o artista, os autores Tony Scherman e David Dalton afirmam que sua passagem da pintura manual ao trabalho de reprodução de fotos em silk-screen, ou serigrafia, é o divisor de águas de sua realização artística: "O virtuosismo manual deixava de ser o mais importante. O fato de Warhol saber desenhar não influía mais em sua arte; a técnica usada na realização de uma obra de arte cessava de ser um critério de sua qualidade."

Durante toda a década de 60, era o próprio Warhol que escolhia, misturava e aplicava as tintas à maior parte de suas obras em silk-screen. Mas ele também delegava frequentemente o trabalho manual a seus assistentes Gerard Malanga e Billy Name. Com o tempo, o artista se convenceu de que uma pintura podia ser um Andy Warhol original quer ele a tivesse tocado com suas mãos, quer não.

Em sua visão conceitual de fazer arte, Warhol herdou o legado de Marcel Duchamp, um artista que ele conheceu, admirou, pintou e filmou. Mas, ao contrário de Duchamp, a sua arte era extremamente pública. Ela constituía um cruzamento entre a arte propriamente dita, a cultura popular, o comércio e a vida cotidiana. Ele fixava tudo o que passava diante do seu olhar de basilisco com sua mistura impassível de glamour e de humor, depois o devolvia ao mundo em reflexões narcisistas de sua própria personalidade. É isso que o torna uma das figuras mais complexas e esquivas da história da arte. Como Danto explica em seu recente e brilhante estudo intitulado simplesmente Andy Warhol (Yale University Press, 162 págs.), a pergunta que o artista faz não é "O que é arte?", e sim "Qual é a diferença entre duas coisas, exatamente iguais, uma das quais é arte e a outra não é?"

E essa é a questão fundamental da ação pública do produtor cinematográfico Joe Simon-Whelan contra a Andy Warhol Foundation for the Visual Arts, Inc., e a Andy Warhol Art Authentication Board, Inc. A ação refere-se a uma série de dez autorretratos idênticos em silk-screen datados de 1965 (Autorretrato em Vermelho), um dos quais é de propriedade do autor da ação, todos eles declarados pelo conselho de autenticação como não sendo de autoria de Warhol. A questão é discutida em detalhes em I Sold Andy Warhol (Too Soon), o livro de memórias de Richard Polsky sobre o mercado de arte antes da crise econômica lançado pela Other Press (268 págs.).

Baseado numa fotografia tirada numa dessas máquinas automáticas, o retrato mostra cabeça e ombros de Warhol de frente, uma pose muito parecida com duas outras obras importantes do período. Warhol apresenta-se como uma pessoa insolente e impassível, na atitude de desafio do malandro ou do gângster. Como costumava fazer quando trabalhava com silk-screen, Warhol começou transferindo a foto para chapas de acetato. Com esse acetato, fez duas série de autorretratos. A primeira, do início de 1964, consiste em 11 autorretratos impressos em linho, sobre fundos de cores diferentes. O conselho de autenticação as considera autênticas. No ano seguinte, foi impressa uma segunda série do mesmo acetato, em algodão, todas sobre o mesmo fundo vermelho. O conselho nega a autenticidade dessa segunda série porque Warhol não estava presente quando foram impressas.

Warhol deu os acetatos ao diretor Richard Ekstract em troca pelo uso do dispendioso equipamento de vídeo Norelco que este lhe emprestara para fazer seus primeiros trabalhos no formato. Por sugestão de Paul Morrissey, seu empresário, Warhol pediu à Erkstact que enviasse os acetatos para uma empresa de impressão em silk-screen. Segundo Morrissey, Warhol conversou pelo telefone com o dono da empresa dando-lhe instruções detalhadas e específicas sobre as cores que queria que ele usasse. Morrissey afirma porém que nenhum deles esteve presente durante o processo de impressão em silk-screen.

A segunda série está impressa em tela de algodão. Sua superfície é ligeiramente mais lisa, o que faz com que as imagens pareçam produzidas por uma máquina, em comparação com as da primeira série. O efeito agradou a Warhol. Os dez autorretratos da segunda série foram exibidos numa festa dada por Ekstract em 1965. Acabada a festa, Warhol ofereceu os autorretratos a Ekstract como pagamento. Este ficou com um, deu dois ao estampador e os restantes de presente a algumas pessoas.

Até o momento, talvez se possa afirmar que, posteriormente, qualquer que tenha sido a técnica de trabalho de Warhol, a segunda série de autorretratos não é autêntica porque ele não estava presente quando foram impressos. Mas esse argumento é prejudicado por um fato importante: uma imagem da série, hoje pertencente ao colecionador Anthony d’Offay, de Londres, é assinada e datada por Warhol, que a dedicou de seu próprio punho a seu sócio, o marchand de arte Bruno Bischofberger, de Zurique ("Para Bruno B. Andy Warhol 1969"). Desde a Renascença, a assinatura é a forma usada por artistas como Mantegna e Ticiano para reconhecerem a autenticidade de sua obra.

 

Falso e verdadeiro
Talvez seja esta a primeira vez na história em que uma pintura assinada, datada, com dedicatória, aprovada pessoalmente por um artista para ser estampada na capa de sua primeira monografia importante, que incluía um catalogue raisonné de sua produção, é retirada de sua obra por pessoas que não foram nomeadas por ele - em 2004, a Fundação Warhol publicou seu próprio catálogo raisonné, feito em parceria com a empresa Thomas Ammann AG, de Zurique, e nele não há qualquer citação ao autorretrato. De repente, uma pintura que existia em 1970 desaparece, zombando do rigor acadêmico.

A coisa mais importante que se pode dizer a respeito de uma obra de arte é que ela é real, que o artista ao qual é atribuída a realizou. Enquanto não se tem certeza da autenticidade da obra de arte, é impossível afirmar algo significativo a seu respeito. A separação entre o real e o falso é o ponto sobre o qual se baseia a compreensão de uma obra.

A própria natureza do processo de impressão em serigrafia fez com que Warhol fosse um artista particularmente fácil de falsificar, porque praticamente não existe nenhuma diferença entre um trabalho em silk-screen feito por Andy Warhol com suas próprias mãos e outro que um assistente pode ter feito depois do expediente. Portanto, a tarefa de um conselho de autenticação das obras de Warhol não é nada fácil.

Contudo, uma decisão como a relativa ao "Autorretrato de Bruno B" suscita dúvidas não apenas quanto à competência desse conselho, mas também quanto à sua integridade. Pois, dona de obras de arte no valor de aproximadamente US$ 500 milhões, a Fundação Andy Warhol financia atividades filantrópicas com a venda das obras que possui. Isso permitiu que se levantasse a acusação de que é do interesse financeiro da fundação controlar o mercado de obras do autor. A ação movida por Simon-Whelan alega que o conselho nega sistematicamente a autenticidade das obras de Warhol a fim de limitar o número das que se encontram no mercado e, portanto, elevar o valor das que ela possui.