WAHANARARAI: 'O futuro do Brasil está nas mãos dos brasileiros. Por que todo mundo desistiu tão rápido?' (2022)

Conheci Dom Phillips em 2009. Um casal de amigos estava na Chapada dos Veadeiros e fez amizade com um britânico encantado pelo país. Dom era respeitado por seu conhecimento sobre a cena eletrônica, tendo recém-lançado o prestigiado livro Superstar DJs Here We Go!. Naquela época, em que o Brasil estava em ascensão internacional, veio ao país editar e publicar a versão tupiniquim da Mixmag, maior revista sobre o gênero em todo o mundo. Ele precisava de um jornalista em Brasília, eles falaram de mim e aí se fez a conexão.
Pouco tempo depois, José Roberto Arruda foi pego enfiando dinheiro nas calças, e estudantes invadiram a Câmara Legislativa pedindo sua cabeça. Foi quando me ligou: 'Michel, poderia fazer uma matéria para a revista sobre esse movimento? Se for tudo bem, passe a noite por lá, entreviste o pessoal, faça fotos, mas com segurança, ok?', disse com seu sotaque britânico e um carisma palpável desde a primeira sílaba embolada.
Foi uma das reportagens mais divertidas que fiz na vida, e ele gostou bastante. Nasceu aí uma parceria que durou várias edições da Mixmag, inclusive uma capa sobre coletivos musicais. A publicação não durou muito porque as revistas não têm mais vez. O jornalismo clássico definha em tempos de Metaverso, em que tudo é efêmero e robotizado.
Mas uma amizade surgiu daí. Fizemos outros trabalhos e parcerias. Quando ele escrevia para o Financial Times, me encomendava pesquisas de amostragem; no Washington Post, me pedia fontes para seus textos na era do impeachment; quando fui ao Rio, onde ele morava, escrever sobre turismo, pedi contato de fotógrafo etc. Até mesmo me pediu para buscar suas credenciais para cobrir a posse de Bolsonaro. O tipo de favor que jornalistas fazem uns pelos outros. Mas, com o Dom, esses pedidos nunca eram secos, nada de 'como vai, preciso disso!'. Sempre admirei como ele era afetuoso. Deveria conhecer mil pessoas, mas sabia o nome dos meus filhos e perguntava por eles com genuíno interesse.
Todavia, o mais marcante foi observar, nesses 12 anos, a transformação do Brasil sob o prisma do olhar dele, um estrangeiro que veio para cá quando o país esteve em seu ápice geopolítico, Olimpíadas e Copa do Mundo no horizonte, capas de revista mundo afora com o mote 'the new Brazil'; e como, de repente, a maré recuou para revelar o país que sempre foi: movediço e traiçoeiro como a areia da praia.
Nos últimos dias, estive no WhatsApp e Messenger revendo o histórico de conversas que tivemos. Me marcou uma em que revelo minha total descrença pelo Brasil e ele mostra visão diferente, dizendo que corrupção existe em todo lugar, e as pessoas que vão tomar o país não enxergam as qualidades que ele ainda vê. 'O jeito é parar com o fatalismo e fazer algo para melhorar o país', escreveu. 'É democracia. Tem imprensa livre. O futuro do Brasil está nas mãos dos brasileiros. Por que todo mundo desistiu tão rápido?'
Dominic Phillips era um jornalista genuíno. Dos que sabem quando e onde a história está sendo feita e são atraídos por esse campo magnético, por essa sucção divina que nunca revela a gravidade do que lhes espera. Humanos que, acima de tudo, são contadores de histórias, que, infelizmente, são feitas de terror e ruptura. Não cabe a eles – testemunhas pagas e apaixonadas – pensar duas vezes quando é preciso estar lá, fazer o clique.
Esse senso de dever levou ao seu fim trágico. Se existisse um mínimo de justiça neste mundo, o caminho deveria ser justamente o oposto. Mas quem sabe a dimensão de sua tragédia tenha uma força ainda maior para concretizar o trabalho a que ele dedicou seus últimos dias. Afinal, até quando permaneceremos anestesiados enquanto de pé, como meros observadores passivos da história, e ao deitar no travesseiro, sentindo medo enorme de cair? 'O futuro do Brasil está nas mãos dos brasileiros. Por que todo mundo desistiu tão rápido?'
Michel Aleixo
Dedico este texto a meus amigos jornalistas.
#DomPhillips