Zeferino Alves Neto: Brasília: amor & desamor

 

Foto:  Paulo Tovar no Conic - devo  e não nego o crédito do fotógrafo...

 




“Espero que Brasília seja uma cidade de homens felizes: homens que sintam a vida em toda sua plenitude, em toda sua fragilidade; homens que compreendam o valor das coisas simples e puras dum gesto, uma palavra de afeto e solidariedade.” (Oscar Niemayer)


Cheguei por lá a primeira vez em agosto de 1971, depois de seis meses em Manaus, sarando dum susto decorrente da reação irada a um texto meu escrito no jornal A Luta, em dezembro de 1970. Saí daqui com o coração pequeno por uma decepção amorosa, uma dentre as tantas que colecionei ao longo da vida. Era a segunda vez que saia pelo mundo aí de fora das fronteiras desse planetinha Piauí, que repele e atrai a gente pra si ao longo da vida. Cheguei num fim de tarde e fui pra casa de uns parentes em Taguatinga. Dia seguinte procurei o endereço de uns amigos daqui no Plano Piloto. Da casa de amigos pra casa de parentes fiquei algum tempo vivendo de bicos até que passei num concurso pro Banco do Brasil. Enquanto o banco não me chamava passei uns tempos na casa de uma irmã que hoje mora em Brasília, mas na época morando na bela cidade de Ribeirão Preto, São Paulo. Tentei ser nomeado pra Brasília, procurei gente importante, conterrâneos ex-diretores do banco, mas nada, terminei indo trabalhar em São Paulo, capital.

Só fui voltar a Brasília dez anos depois, casado, uma mulher e dois filhos pequenos. Fiquei um ano na Asa Sul e nove menos um que passei em Teresina, na simpática cidade satélite de Sobradinho, talvez os melhores anos de minha vida familiar, nasceram mais dois filhos, a vida doméstica mais ou menos tranqüila, até que um dia voltei a morar no Plano Piloto, mais precisamente na Asa Norte. Ali passei os dez piores anos de minha vida em Brasília. Nesse tempo vivi os mais atribulados anos de minha vida toda, principalmente depois que saí do Banco do Brasil num PDV meio desastroso.

Em 2002/3 me separei e saí de casa, de junto da família. Se a saída do banco significou a queda num mundo real que a redoma de um emprego chato mas seguro protegia, sair de casa significou pra mim um mergulho num poço que parecia não ter fim. Tudo o que construí e acumulei em 50 anos de vida, perdi em dez anos: emprego, casa, família, carro, mulher. Seria trágico se eu não fosse mais forte do que imaginava, mas ainda hoje estou procurando às duras penas o rumo de casa. E achando que acho antes de morrer, nem que seja depois de morrer... Achar o rumo de casa pra mim, significa me encontrar ou reencontrar a pessoa ingênua, inocente, pura e besta que eu sempre fui apesar de tudo o que aprendi e li e vivi esses anos todo, o garoto Pinuca que ainda pulsa dentro de mim... Procuro essa criatura nos becos e vielas e beiras de rios e baixas e açudes desta cidade que pra mim ainda é aquela calçada do centro em que eu pulava andando descalço, não pisando nas riscas que a marcavam e ainda hoje estão lá, meio apagadas mas como as memórias que eu tenho delas, muito vivas dentro de minha alma...

Ver Brasília hoje na televisão significa pra mim relembrar tudo o que vivi ali em 26 anos, pouco mais que a metade da idade dela e pouco menos da metade da minha, sob a mira de um assaltante ou de um policial, padecendo dores de amores e decepções, amargando tristezas e solidões atrozes, privações e humilhações de todo tipo... Meus filhos lá ainda vivem mas não sei se têm boas ou más lembranças de mim. Hoje são adultos mas lembro bem deles, quatro crianças com quem eu saia na noite tranqüila da então pacata cidade satélite de Sobradinho, pra deixar a mãe aliviada da lida diária com eles, andando por parquinhos e quadras a procura de espaço maior que os parcos metros quadrados de um apartamento de dois quartos. Olhava pra eles e pensava na enorme responsabilidade de ter que cuidar deles, do futuro deles. Não sei se me sai bem desse encargo, mas tentei fazer o que podia...

Hoje, Brasília é a lembrança desses anos lá vividos e dessas crianças hoje adultas que lá vivem em companhia da mãe, mas, confesso. é um lugar pra onde eu não quero mais voltar... Se isso diz alguma coisa do meu sentimento por aquela cidade, está dito...

Depois que escrevo o texto acima procuro fotos para ilustrar uma postagem em meu blog; não acho. Vou ao site de um amigo e me deparo com a notícia da morte de um dos poucos amigos que lá deixei, o músico e poeta Paulo Tovar, em setembro do ano passado. No blog de um outro conhecido, encontro uma foto do Paulo Tovar em ótima forma, quando ainda não padecia dum câncer que o levou desta vida pra outra. Paulinho, onde vc. estiver lembre-se de seu amigo Zan e sua obsessão pela sua música que eu não lembro direito o nome mas que falava algo como “noite alta, madrugada...” Vou garimpar a letra dessa música por aí e um dia posto-a aqui no blog. Paulo Tovar foi casado com uma piauiense de Teresina, e com ela teve filhos, conhecia Teresina e talvez Campo Maior.

ZAN é   acróstico de Zeferino Alves Neto, emérito colaborador do próprio bol$o e homem bom de bola e de palavra que nunca bateu na trave: http://blogdozancm.blogspot.com/2010/04/eu-e-brasilia-um-caso-de-amor-e-desamor.html