Nuances do corpo social brasileiro

 

O Ascensorista

 

Vista BSB Colorado-Flamingo 
SQNada - Fotogafia: Sandro Alves



 

 

O pessoal fala que é público, que é do povo; que Brasília é nossa e coisa e tal, mas é tudo mentira. Se Brasília fosse minha eu vendia tudo e ia embora. Não é minha coisa nenhuma. O prédio é público mas não te deixam entrar. As ruas são públicas mas eu não tenho carro pra andar nelas. Eu tenho é que andar à pé, na grama. Eu tenho é que atravessar correndo a rua. Se eu não fizer isso, os carros me atropelam. 

Eu tenho é que enfrentar a lama e a poeira. Na rua, nem banheiro tem. A gente tem de aliviar é atrás dos pontos-de-ônibus, nas árvores. Esse negócio de público é conversa fiada. Tudo tem dono, até o governo. 

Brasília é só o meu ganha-pão. Não é minha coisa nenhuma, eu moro é bem longe dela. Duas horas de ônibus, a distância. Todo dia, eu tenho que viajar duas horas de coletivo, dormindo e batendo a cabeça no vidro. Nossa cidade, uma pinóia.

 

O Acadêmico

Dentro da tessitura de nuances do corpo social brasleiro, uma questão rapidamente se coloca. É ele eugênico? Ou sumamente heterogêneo?

 

O Empresário Moderno

 

Minha firma, digo, empresa, vem crescendo muito. Devagarzinho, fui conquistando a freguesia, digo, a clientela. Já comprei computador, digo, um microcomputador, para acelerar, digo, agilizar, a comunicação.

 

 O Convertido

O homem, o pastor, ele fala bonito. Eu não entendo tudo mas é bonito. Ele fala com força, fica vermelho, deve ser importante que nem os políticos. Ele fala do paraíso, com todo mundo rico, tomando coca-cola na beira da piscina, já pensou? Ele pede donativo, tem muitos; tem o semanal, o mensal, tem os especiais. Eu dou. Já pensou ficar rico que nem o sujeito que ganha na loteria? O pastor promete. Eu volto pra casa só pensando na piscina. Churrasqueira, um carrão desses importados, jpá pensou?

 

O Bêbado

 

Por que eu bebo? Pra tudo ficar cor-de-rosa. Tudo fica lindo, as pesoas tornam-se interessantes, as mulheres ficam maravilhosas, o dia fica agradável, tudo sorri. Quando eu bebo tudo fica bem. Tudo se alegra, não há misérias. Então, é isso. Eu bebo pra consertar o mundo.
Charles Vieira, é escritor e revisor do livro, "LAPSO" ainda inédito...