LITERÁRIAS GAÚCHAS: FAUSTO WOLFF E LUIS FERNANDO VERÍSSIMO (2020)

Memórias

FAUSTO WOLFF: SAUDADES DO VELHO LOBO

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8 DE JULHO / 2020 - Gaúcho de Santo Ângelo e carioca por opção, o jornalista e escritor Fausto Wolff era o pseudônimo de Faustin von Wolffenbüttel. O seu amigo e sempre preciso Millôr Fernandes o definiu assim: “Fausto Wolff, em toda parte, procurou e conviveu com os da sua estirpe – escritores, cineastas, poetas e grã-finas. E com os da sua laia – bêbados, putas e brigões”.

Lembro de seu discurso no lançamento da revista BUNDAS, em bar na zona oeste de São Paulo, em 1999. Com as bochechas vermelhas após várias doses de uísque, Wolff discursou com sua voz grave sobre a luta por uma imprensa livre e a escrita como resistência política e cultural. Após a fala, saiu cambaleante em busca do primeiro táxi. A revista BUNDAS durou pouco, mas o discurso ficou para sempre na memória.

Wolff começou sua carreira aos 14 ANOS de idade como repórter policial do jornal DIÁRIO DE PORTO ALEGRE. Aos 18, mudou-se para o Rio de Janeiro onde construiu sua carreira jornalística de mais de CINCO DÉCADAS. Como jornalista, Wolff trabalhou no PASQUIM e foi colaborador de publicações como JORNAL DO BRASIL, TRIBUNA DA IMPRENSA, DIÁRIO DA NOITE, entre outras. Autor de mais de duas dezenas de livros, Wolff escreveu um pouco de tudo: romances, infanto-juvenis, contos, crônicas, poemas, além de ter trabalhado como tradutor.

Fausto Wolff morreu em 5 DE SETEMBRO DE 2008, aos 68 ANOS. Nasceu em 8 DE JULHO DE 1940.

Fausto verteu do inglês para o português um livro que combina com seu espírito: DETONANDO A NOTÍCIA: COMO A MÍDIA CORRÓI A DEMOCRACIA AMERICANA, do jornalista norte-americano James Fallows. O livro questiona o funcionamento da mídia e dá uma aula sobre os mecanismos da indústria jornalística. Na introdução, lemos: “quanto mais importante se torna uma estrela jornalística mais ela é forçada a abrir mão da essência do verdadeiro jornalismo, que se resume na busca da informação a serviço do interesse público”.

O PANFLETÁRIO E O STEINHEGER

Em matéria publicada na extinta revista APLAUSO realizada pela jornalista Marta Batalha em 2000, Wolff assumia o título de panfletário com orgulho. Considerado como uma ofensa por alguns, Wolff dizia: “alguém tem de ser panfletário neste país, desde que o discurso esteja psicologicamente bem inserido na construção dos personagens. Shakespeare, Molière, Stendhal, Dostoievski e até Proust e Kafka foram panfletários. Eu escrevo com paixão e com compaixão.” Para Wolff, as convicções eram inegociáveis: “a boa literatura sempre foi uma literatura contra o status quo no sentido de mudá-lo, acho que o mundo é mutável, sim.”

O cartunista Jaguar, amigo de Wolff, conta causo que ilustra bem o espírito beberrão de Wolff: “num boteco em Curitiba, depois de incontáveis rodadas de cerveja e steinheger, deixou um enorme polaco desmaiado em coma alcoólico. Enquanto seus desolados torcedores o arrastavam para fora, Fausto pegou a grana das apostas. – Agora vamos beber socialmente – disse.”

Wolff foi grande amigo do fundador da Banda de Ipanema, Albino Pinheiro, e participou como entrevistado e entrevistador do documentário, do diretor Paulo César Saraceni, sobre a banda. Durante anos, a banda foi uma espécie de braço bem-humorado da resistência à ditadura militar.

Autodidata e dono de uma cultura enciclopédica, a literatura de Wolff tem o signo da revolta, indignação e de um humor cáustico como em seu livro o ABC DO FAUSTO WOLFF – tudo o que você sempre quis perguntar sobre sexo, humor e política e nunca teve coragem para saber, de 1988. No livro, cada verbete é explicado como um verdadeiro dicionário clandestino. Vamos ao tema da impotência: “…a verdade mesmo é que, cedo ou tarde, todo mundo dá a sua broxada, principalmente, depois de derrubar duas garrafas de uísque ou fumar uma chaminé da chamada erva maldita ou cheirar aquele pozinho que custa 10 DÓLARES a grama…”

Entre seus livros de contos, em O HOMEM E SEU ALGOZ (1997) e O NOME DE DEUS (1999), Wolff mostra o domínio da narrativa em histórias curtas. Nos romances, Wolff escreveu dois catataus, àqueles que conseguem parar em pé sozinhos. O primeiro foi À mão esquerda, de 1996. No livro, Wolff narra a saga de 300 anos da família von Traurigzeit em misto de autobiografia, ficção, memória e história. O romance confunde-se com a história da família de Fausto, pobre no Brasil, mas de origem aristocrática na Alemanha.

Em trecho de À MÃO ESQUERDA, Wolff resume nossa PRIMEIRA DÉCADA PÓS-DITADURA MILITAR: “O primeiro presidente civil, depois de VINTE E UM ANOS de ditadura militar, seria eleito pelo Congresso e assassinado lentamente num hospital. Não por ser perigoso ao sistema, pois não se conhece uma boa ação que tenha cometido em sua longa vida política, mas por pretender um pouco de autonomia. Seu substituto, um poeta quilômetros abaixo da linha da mediocridade, roubaria em CINCO ANOS o equivalente ao orçamento de várias nações sul-americanas. O povo a essa altura já estaria tão alienado pela televisão e pela fome, que elegeria em seguida, pelo voto direto, um jovem psicopata, produto de laboratório como a criatura do doutor Frankenstein, que acabaria sofrendo impeachment por querer roubar mais que os seus criadores. O ano de 1995 encontraria à testa da Nação um sociólogo, filho de general, homem de esquerda que porém mudaria de ideia para governar com a direita para a direita, ou seja, para 5% da população. E isso com a conivência de uma imprensa burguesa, pós-moderna, neoliberal, combatida apenas pelas vozes isoladas de alguns velhos amigos meus.”

O segundo catatau, como diria Leminski, veio 9 ANOS DEPOIS, em 2005, com a publicação da Milésima segunda noite. Nele, Wolff escreve em 1001 TRECHOS SOBRE TUDO E MAIS UM POUCO. 11 de setembro, mulheres, política, religião etc. Wolff transmuta-se em Xerazade às avessas narrando nossas mazelas ao tomar um tremendo porre em boteco da Lapa.

EXÍLIO, BRIZOLA E A CANDIDATURA A DEPUTADO

Devido à censura e perseguição da ditadura militar, em 1968, Wolff exilou-se na Europa e trabalhou como professor de literatura brasileira nas universidades de Copenhague (Dinamarca) e Nápoles (Itália). No retorno ao Brasil, o jornalista apoiou a vitoriosa campanha de Leonel Brizola ao governo do Rio em 1992. No ano seguinte, Wolff tentou, sem sucesso, uma vaga na Assembleia Constituinte, concorrendo a deputado federal pelo PDT do Rio.

Mais tarde, o escritor chegou a dizer na entrevista já citada à revista APLAUSO que considerava Brizola arrogante e que o político não retribuiu o amor e carinho que os cariocas lhe deram. Mesmo assim, ressaltou as qualidades do fundador do PDT: “é um dos homens mais íntegros desse país. Foi o único a fazer uma política correta, que é a dos CIEPS… Brizola tentou tirar o povo da ignorância, e fazer isso é fazer com que o povo deixe de votar em seus algozes. A cultura é uma arma de defesa pessoal.”

Nesse período, Wolff comandou mais de 60 estagiários na produção de um dos mais completos retratos sociológicos da cidade do Rio de Janeiro. A partir de depoimentos de operários, policiais, camelôs e tantos outros personagens que compõem a fauna urbana, ele organizou o livro RIO DE JANEIRO: UM RETRATO – a cidade contada por seus habitantes. O livro pode ser encontrado no site Estante Virtual.

“Eu, por via das dúvidas, sempre estive à esquerda da esquerda”, afirmava Wolff. Sobre o PT, disse em 2007: “no PT eu já acho difícil achar alguém realmente de esquerda porque se houvesse um de esquerda realmente no PT já teria feito uma revolução lá dentro e não estaria admitindo essa pouca vergonha que aconteceu com esse partido”.

No conto A namorada do livro O NOME DE DEUS (1999), Wolff questionou o nosso balaio ideológico e conclamava a molecada à indignação (com certeza, ficaria animado em ver o povo nas ruas como se viu no último mês de JUNHO): “como poderia imaginar que a maior parte da esquerda iria para a direita, que a imprensa, uma vez livre, se auto-amordaçaria e se tornaria sócia do poder? Que a juventude seria alienada e a cultura morta?”

Que o inconformismo de Wolff nos encha de otimismo na luta contra a mediocridade. Um brinde a Fausto Wolff e sua memória!

VERISSIMO PERGUNTA: VEM AÍ MAIS BARBÁRIE?

Por Moisés Mendes / https://www.extraclasse.org.br/cultura/2020/07/luis-fernando-verissimo-mais-barbarie/?fbclid=IwAR0RazucT-fEuaxFUlHshGynoJTZfm6dGyER6CDQF7oPMcvBRamp3hOcD6Y

 8 DE JULHO DE 2020 - O mundo que teremos depois da pandemia é uma incógnita para o maior cronista brasileiro. Luis Fernando Verissimo diz fazer tudo o que os protocolos determinam para se proteger do coronavírus, enquanto se dedica a arrumar os livros em casa. Perto de completar 84 ANOS (NO DIA 26 DE SETEMBRO), o escritor está comemorando 50 ANOS DE CRÔNICAS com uma novidade. O livro que marca a data é apenas virtual, por enquanto. É o e-book VERISSIMO ANTOLÓGICO – MEIO SÉCULO DE CRÔNICAS, OU COISA PARECIDA, da Objetiva, com 316 textos. A versão impressa ainda está em estudos, por causa das indefinições provocadas pela pandemia. Nessa entrevista, o cronista conversou com o Extra Classe por e-mail. Admitiu que ainda teme um golpe e confessou que, se tiver que fugir, vai para a Nova Zelândia.

Extra Classe – A ameaça de golpe foi embora?

LUIS FERNANDO VERISSIMO – O Planalto está cheio de militares. Na hora do cafezinho, que outro assunto eles podem ter? Acho que a ameaça continua.

EC – Deu pra imaginar o que poderia vir depois de um golpe? Seria como em 64?

VERISSIMO – O golpe de 64 foi um pouco como a Revolução Francesa. Começou com o Castelo Branco dizendo que a intervenção seria por pouco tempo e todos seriam bonzinhos, e logo veio o Terror. Mas como os atuais generais já ocuparam o poder sem dar um tiro, desta vez talvez seja diferente.

EC – O que pode chegar antes, a vacina ou a queda de Bolsonaro?

VERISSIMO – O ideal seria uma vacina de ação dupla, contra a volta do coronavírus e contra a reincidência de bolsonaros.

EC – Anunciam vacinas que podem custar até R$ 100. Poderemos ter a guerra da vacina?

VERISSIMO – O perigo é os americanos comprarem tudo, o que tornaria a questão acadêmica.

EC – E o que vem depois de Bolsonaro?

VERISSIMO – Depois do Bolsonaro o dilúvio, praga de gafanhotos ou, quem sabe, uma boa surpresa, como o despertar de uma esquerda viável.

EC – Uma guerra civil ainda é uma ameaça? Foi uma hipótese levantada numa crônica.

VERISSIMO – A guerra civil brasileira começou há anos, só não saiu ainda no Diário Oficial.

EC – Há um debate em torno do que seria uma dúvida acadêmica, se esse governo é ou não fascista. Essas definições ainda importam?

VERISSIMO – Há filofascistas, protofascistas, fascistas que negam que são fascistas e são os piores, e fascistoides, que ainda podem ser recuperados, pela hipnose ou tratamento com águas.

EC – Uma hipótese a ser sempre considerada nessas circunstâncias: o golpe acontece e descobrimos que a única saída é fugir. Mas fugir pra onde?

Verissimo – Nova Zelândia. Tenho me informado sobre o país, prevendo o pior, e sei que para imigrar você precisa provar que tem uma fonte de renda fixa e que tolera cordeiro cozido até no café da manhã, mas em compensação os militares não se metem em política.

EC – Qual é o personagem mais engraçado desse governo?

VERISSIMO – Mandaram embora o Weintraub, grande talento cômico, justamente quando ele planejava invadir o Supremo arrebanhando porcos vestindo togas, por puro preconceito. Depois o Olavo reclama e não sabem por quê.

EC – E o mais sem graça?

VERISSIMO – O Bolsonaro.

EC – Dos nomes que se apresentam como saída pós-Bolsonaro, quem te entusiasma?

VERISSIMO – Tem gente boa no horizonte. O problema é que o horizonte fica longe. É melhor esperar o pessoal chegar mais perto para ver quem entusiasma.

EC – Sempre diziam que alguém como Bolsonaro nunca seria eleito e que o Internacional nunca seria rebaixado. O que falta acontecer?

VERISSIMO – Pois é. Também disseram que o Titanic não naufragava, o Terceiro Reich duraria mil anos e o Gabiru nunca faria nada que prestasse.

EC – Há quatro anos, escreveste que faltava o cadáver, o primeiro morto na guerra aberta pela direita.

VERISSIMO – Se eu disse isso, retiro. Um cadáver já é demais, ainda mais nestes tempos de peste e intolerância.

EC – O que é bom e o que é ruim na quarentena?

VERISSIMO – O bom é o pretexto para arrumar os livros, o ruim é a impressão de que estaremos fazendo isto pelo resto da vida.

EC – Tem muita gente desafiando a clausura. Qual foi a arte que fizeste na quarentena?

VERISSIMO – Sou cardíaco, diabético e velho, quase um garoto propaganda para a necessidade de quarentenas. Sigo rigorosamente todas as instruções para driblar o corona.

EC – O mundo ficará pior ou melhor depois da pandemia?

VERISSIMO – Ficará certamente diferente, só não sei como. Vai unir a humanidade, consciente, pela primeira vez em gerações, da sua fragilidade e da necessidade de uma repaginação moral da espécie, ou vem aí mais barbárie? Não tenho a mínima ideia.

EC – Alguns estão prevendo que todos trabalharão em casa, com exceção dos entregadores de pizza. Isso é bom?

VERISSIMO – Tenho a impressão que o primeiro impulso da turma depois do cativeiro forçado será cada um correr para um lado e só se reencontrarem quando der saudade, ou nunca mais.

EC – As pessoas ainda se aglomeram na orla do Guaíba ou nas praias da Europa. Isso é só negacionismo ou tem mais alguma coisa?

VERISSIMO – Se não for um ímpeto de suicídio coletivo, é falta de informação. É impossível saber das mortes pelo vírus, que diminuem, mas nos Estados Unidos e no Brasil ainda estão em nível de massacre, e achar que só vai acontecer com o vizinho.

EC – Escreveste esses dias que estamos proibidos até de ver o sorriso das pessoas. O que veremos quando tirarem as máscaras?

VERISSIMO – As máscaras são miniburkas, que realçam os mistérios e as promessa dos olhos sem o resto do rosto para atrapalhar. Talvez vire moda quando tudo isto passar. Por enquanto sua função é impedir a propagação de perdigotos, claro.

EC – Há uma exibição nas redes sociais de novos talentos pessoais, de gente que aprendeu a cozinhar ou a tricotar. Qual foi a tua habilidade descoberta na quarentena?

VERISSIMO – Tenho exercitado muito o dedão para trocar o canal da televisão. Não sei se vale como contribuição à sociedade.

EC – E a sensação de viver sem futebol?

VERISSIMO – O lado bom da proibição do futebol é que o Inter não perdeu nenhum jogo até agora, este ano.

EC – Está saindo o Verissimo Antológico, em e-book, pela Objetiva, com MEIO SÉCULO de crônicas. Qual é a sensação de ver tantos textos de tanto tempo reunidos?

VERISSIMO – Muitas crônicas eu já tinha esquecido, outras eu gostaria que ficassem esquecidas. Mas a seleção não fui eu que fiz. Sou inocente.

EC – Quais ficariam esquecidas?

VERISSIMO – Muitas, muitas.

EC – Por que os teus personagens ficaram de fora da antologia?

VERISSIMO – Foi uma decisão editorial. Não dei nenhum palpite.

EC – O que tu achas que nunca escreveste, o tema que nunca foi abordado?

VERISSIMO – Certos assuntos a gente evita, até por uma questão de escrúpulo pessoal. Mas aí entra a velha questão: o humor deve ou não ter limites? Uma discussão que vai longe.

EC – E aquele personagem que quase foi criado.

VERISSIMO – Eu sou do tempo em que a gente escrevia o que queria, na esperança sempre renovada que o próprio jornal não deixaria sair. Mas às vezes se distraiam e deixavam passar. Uma vez censuraram um texto meu sobre o Darwin. A teoria da evolução era proibida, junto com o Brizola e o dom Helder Câmara.

EC – Afinal, aconteceu finalmente a tua adesão à bengala?

VERISSIMO – Sei não, mas acho que a bengala será uma espécie de rendição.