Dialética da Exclusão ou A Coluna Prestes no Piauí

Dialética da Exclusão ou A Coluna Prestes no Piauí
Menezes y Morais*

O poeta, professor e pesquisador Chico Castro examinou cuidadosamente as incursões da Coluna Prestes no Piauí. O cerco a Teresina durou nove dias (23/12/1925 a 1/1/26).

A Coluna Prestes entrou em Teresina por acaso, no encalço de tropas legalistas que fugiram de São Luis (MA). Depois passou pelos munícipios de Altos, Alto Longá, Campo Maior, Castelo, Piripiri, Pedro II, Valença, Oeiras, Picos, Pio IX, Simões, Jaícós e Uruçui, com entrada triunfal.

As incursões da Coluna Prestes em solo piauiense foram revistas por Chico Castro, que recolheu depoimentos de alguns sobreviventes e visitou municípios onde a Coluna se fez presente. O resultado é o livro A Coluna Prestes no Piauí, uma pesquisa histórica de fôlego, que tem o mérito de retirar fatos históricos dos porões do esquecimento e desmascarar algumas mentiras.

A Coluna Prestes era formada por remanescentes militares da segunda rebelião tenentista, que objetivava derrubar o governo Artur Bernardes, em nome da solução dos problemas sociais que afetavam a semifeudal República Velha (1889-1930).

O Estado de miséria (em todos os sentidos) gera a revolta, a revolta é o motor da revolução. Foi assim, por exemplo, na França monarquista e feudal de 1789.

O Brasil, da Colônia à Velha República, era um Estado sem educação, sem higiene e sem infra-estrutura. Os revoltosos da Coluna Prestes não aceitavam a miséria que as elites impunham às massas, nem a república dos bachareis, contra a qual também se insurgiram os poetas modernistas de 1922.

Ontem como hoje, o Brasil se embaralha numa espécie de cipoal jurídico, onde o excesso de leis reflete a carência da aplicação e na lentidão da justiça, que gera o sentimento de injustiça.

O protecionismo lusitano atrasou muito a economia brasileira. O capitalismo brasileiro ensaia os primeiros passos de modernização na década de 1850, quando o tráfico negreiros começa a decair e surgem instituições bancárias e as sociedades anônimas no Brasil.

A Coluna Prestes lutou contra dialética da exclusão, que tem raízes históricas: o Estado monarquico, por exemplo, era direto e objetivo: votava quem tinha uma quantidade razoável de dinheiro. E dinheiro é poder, não esqueçam. Os vícios do Estado não são eternos, mas crônicos. Os vícios do Estado são os vícios do homem.

Os tenentes conspiraram e se rebelaram (Forte de Copacabana, 1922) e foram violentamente reprimidos, mas se reorganizaram em 1924. Em 1925 já estavam em duas Colunas, que se unificou. Depois os revoltosos saíram a pé e a cavalo pelo país, com apoio e adesão de setores da sociedade civil, utilizando a tática da "guerra em movimento", sempre acossados pelas tropas legalistas.

A rebelião dos tenentes ganhou apoio do povo. E uma certa simpatia velada junto aos altos escalões das Forças Armadas, quem duvidar, que leia o livro do Chico Castro.

Não se tratava de um movimento das Forças Armadas (impuseram uma ditadura no Brasil em 1964-85), mas encontrou eco dentro dos quartéis, obrigando o presidente Artur Bernardes a governar sob estado de sítio durante seu mandato, de 1922 a 1926.

Em 1927, depois de percorrer 25 mil quilômetros (a Grande Marcha, 1934, na China, liderada por Mao Tsé-Tung foi de apenas 10 mil kms) a Coluna Prestes se dissolve e seus protagonistas, que ficaram ao lado de Luiz Carlos Prestes até o fim, pedem asilo político ao governo da Bolívia.

O livro de Chico Castro é riquíssimo em pesquisa. Existem mini-histórias pararelas nas notas de rodapé que o engrandecem sobremodo e dão outra dimensão à pesquisa histórica, para situar o leitor na gênese do estado de pobreza e de miséria sociais que levou os tenentes à revolta contra as mazelas da República Velha e a consequente criação da Coluna Prestes (1924-27).

O governo Artur Bernardes fez de um tudo para jogar os revoltosos contra a opinião pública. O discurso político quer desqualificar o inimigo. Especialmente o discurso dos donos do poder com relação aos oposicionistas. Com a Coluna Prestes não foi diferente.

Lembrai-vos dos capitalistas do século XX, diziam que os comunistas comem criançinhas.

A mentira como arma política visa transformar-se em "verdade", especialmente nos tempos de guerra. Os nazistas foram doutores nesse tipo de infâmia, nessa banda podre da contra-informação. Jesus Cristo dizia, "a verdade liberta". Lênin, "a verdade é revolucionária".

O fato é que a história não é feita de mentiras.

A Coluna Prestes no Piauí é um livro cheio de mini-histórias piauienses paralelas comparadas, como grilagem de terra, fraudes documentais, abrangendo também a educação e a política. De qual livro paralelo falaremos?

Chico Castro recorreu até às fontes literárias. A boa literatura, aliás, é fonte de consulta, de pesquisa histórica. Karl Marx elogia os romances de Honoré de Balzac, Friedrich Engels louva a obra de Dante Alighieri.

Devo dizer ainda: A Coluna Prestes no Piauí tem algumas bobagens semânticas: os termos "poetisa" e "imortal". Poesia não tem sexo. Em todas as línguas do mundo poeta é adjetivo comum de dois gêneros, só existem os termos poeta e poesia.

No Brasil, um acadêmico machista que não tinha nada importante para fazer (década de 1750, salvo engano) entendeu que a Poesia é importante demais para ser feita por mulheres e cunhou o termo "poetisa", contra o qual insurgiu-se a poeta Cecília Meireles no século XX e sua colega Adélia Prado, no século XXI, diz ser "uma palavra danada de feia".

Quanto ao "imortal da academia", nenhuma academia faz o homem ou mulher imortais, o que torna um escritor "imortal" é a sua obra, quando esta resiste às implacáveis intempéries do tempo.

Voltando ao livro do Chico Castro, o Exército brasileiro era o braço armado do Estado monarquico, um aparelho do latifundio e dos escravocratas. Os tenentes romperam com esse paradigma.

A Coluna Prestes foi um dos movimentos militares mais importantes da história do Brasil no século XX. Hoje, século XXI, com o Estado democrático de direito, é coisa do passado. O povo é o verdadeiro protagonista da história, mesmo que os políticos profissionais ricos falem e ajam no seu santo nome, movidos pelo capital.

Mas os falsos políticos têm os dias contados. Povo educado é povo culto, povo culto é povo livre, povo livre é povo civilizado, povo civilizado é povo desenvolvido, tem cidadania e, um belo dia no futuro, se libertará também dos políticos de araque, não lhes confiando mais o voto.

 

   Serviço:
   A Coluna Prestes no Piauí, Chico Castro, Edições do Senado Federal, Brasília ( DF) 2008.

              
              Foto: Delmaria Ferreira

*Jornalista, professor, escritor e historiador piauiense. Contato: This email address is being protected from spambots. You need JavaScript enabled to view it.