Novamente a biografia de Noel Rosa é vetada por seus herdeiros

Biografia de Noel Rosa é vetada por seus herdeiros

Diário Catarinense

Noel

Livro: nos socavões da UnB ou através das mãos de um livreiro como Ivan "Presença"

15 fev. / 2010 - “Não tenho herdeiros, não possuo um só vintém/ Eu vivi devendo a todos, mas não paguei ninguém.” Em 1932, cinco anos antes de sua morte, Noel Rosa compôs o antológico samba Fita Amarela, relatando seus desejos para o dia de sua derradeira despedida. Agora, em 2010, ano em que vai se comemorar seu centenário (no dia 11 de dezembro), Noel jamais poderia imaginar que justamente seus herdeiros seriam os pivôs de um entrave que há quase duas décadas priva o público de ter acesso à vida e à obra do Poeta da Vila.

Em 2008, passados 70 anos da morte de Noel, seu cancioneiro entrou em domínio público. Porém, toda tentativa de esmiuçar a vida do compositor (não só dele, como de qualquer pessoa, de acordo com a constituição brasileira), de maneira não autorizada por seus herdeiros legítimos, inevitavelmente naufraga sem amparo jurídico por representar violação ao direito à privacidade.

Nessa celeuma esbarra o trabalho mais completo já feito sobre vida e obra do compositor de Vila Isabel, Noel Rosa – Uma Biografia, de João Máximo e Carlos Didier. Lançado em 1990, pela Editora UnB, o livro ficou disponível em catálogo até 1994, vendendo cerca de 15 mil exemplares. No período seguinte – até hoje –, houve várias tentativas para reeditar a biografia, com editoras como José Olympio, Ed. 34, Cosac Naify e, por último a Ediouro, mas nenhuma vingou.

Depois da morte de Noel, no dia 4 de maio de 1937, todo seu material ficou sob a tutela de sua esposa Lindaura, que faleceu em agosto de 2001. Assim que a viúva morreu, duas sobrinhas do Poeta da Vila, Irami Medeiros Rosa de Melo e Maria Alice Joseph (filhas do irmão de Noel, Hélio Rosa) apareceram para reivindicar a herança do tio. Afirmando que Noel nunca fora casado com Lindaura, e que elas eram as verdadeiras herdeiras, ambas moveram um processo contra os autores da biografia e a UnB, alegando invasão de privacidade da família Medeiros Rosa.

– A gente estava dentro da lei, mas tem essa coisa, que surgiu com a Constituição de 88, de que não se pode tocar na vida privada. É fácil fazer biografias cor-de-rosa. Nosso livro não é sensacionalista, apenas aborda pontos nevrálgicos da vida do Noel, como o suicídio da avó e o acidente no queixo, fundamental para compreender o estigma do gênio. É como a biografia do Roberto Carlos. No fim das contas, vão vetando o acesso dos brasileiros às informações. Vivemos na escuridão, na era do controle. Sem contar que temos fotos e a certidão do casamento de Noel com Lindaura – diz Carlos Didier.

– Lindaura foi uma lavadeira. O livro esmiuça nossa vida privada, botou minha família na lama. Isso é inveja, não conheço os autores, mas os comentários deles não me atingem. Sem o livro, eles devem estar bem tristinhos. Confio incondicionalmente no meu genro, que cuida de tudo isso, não vou mais me envolver, já estou com uma certa idade. Mas não tenho pressa, nunca precisei de direito autoral para sobreviver. É tudo uma questão de sentar e negociar – responde por telefone Irami, sobrinha de Noel.

Por causa do embargo, a biografia que representa o mergulho mais profundo e vertical sobre a figura de Noel Rosa tornou-se artigo de colecionadores ou endinheirados. Para se ter uma ideia, em janeiro, o site www.estantevirtual.com.br apontava sebos que vendiam o livro a R$ 400. Hoje, paga-se R$ 290 por um exemplar.

Para piorar o cenário, os autores João Máximo e Carlos Didier afastaram-se totalmente e não se falam desde 1997.

– Posso garantir que este livro nunca mais será relançado. Eu entendo que não bastaria apenas mais uma reimpressão. Teríamos de reparar erros que existem e dar uma enxugada na extensão do livro. Eu cheguei a procurar o Didier por várias vezes, mas ele não atendeu. Hoje não seria mais possível trabalharmos com a mesma harmonia de antigamente – esclarece João Máximo.

Porém, pode haver ainda esperança em relação a um relançamento da biografia. Segundo Didier, há pouco tempo ele recorreu a Paulo Roberto Pires, da Editora Agir, para que ele intermediasse uma reaproximação com Máximo.

– É claro que eu quero que este livro saia novamente. Meu problema com o João não foi superado, mas Noel Rosa é superior a isso – explica Carlos Didier.

LUCAS NOBILE | AE