Chacal em tempos de crise

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Chacal em tempos de crise

27 set. / 2015 - Chacal estava num hotel na Avenida Paulista, em São Paulo, quando se deu conta da sua semelhança com o Seu Madruga, do "Chaves": dois sujeitos magrelos, com o mesmo chapeuzinho engraçado metido na cabeça. Diante do espelho, quem era aquela imagem, no final das contas? O tal personagem humorístico? Um dos grandes nomes da poesia brasileira, ícone da Geração Mimeógrafo? Ou Ricardo de Carvalho Duarte, carioca da Gávea, da Praça Dumont? Em dúvida, caçou respostas de desconhecidos no meio da rua. Da tua tristeza você não faz um belo poema, como já aconselhava o grande Rilke? Da crise de identidade, Chacal fez seu novo livro, Seu Madruga e Eu.


Em entrevista ao Diário, o poeta fala sobre a crise que o levou a escrever a nova obra, reconhece um erro estratégico em seu penúltimo livro (Murundum) e avalia sua trajetória, que começou marginal nos anos setenta e hoje chegou a cânone literário. Para ver e ouvir mais de Chacal/Ricardo/Seu Madruga, só indo ao Sesc, nesta segunda-feira (28), às 20 horas, para acompanhar a mesa-redonda dele com a poeta paranaense Bárbara Lia. A entrada, ideal para esse tempo de crise, é grátis. Confira abaixo a entrevista com o autor.

O DIÁRIO Estamos em plena crise econômica, tempo ideal para escrever poemas?

CHACAL (risos) Escrever poemas é sempre bom. Em qualquer situação. Todos os momentos que saem do normal, do cotidiano, são interessantes para a poesia e rendem mais assuntos. O tempo de crise só não é bom pra vender livros .

Seu Madruga e Eu (2015, Novos Escribas) é seu novo livro de poesia. Como foi o processo de escrita da obra?
Eu estava em São Paulo, num hotel na Paulista, pra lançar o Murundum. E percebi que, de chapeuzinho, estava igualzinho ao Seu Madruga. Comecei a me perguntar: será que eu sou o Seu Madruga, do "Chaves"? Cheguei a perguntar a desconhecidos, no meio da rua, se eu era mesmo o Seu Madruga. E fui desenvolvendo essa ideia. Coloquei uns poemas no Facebook, as pessoas gostaram e desenvolvi esse personagem. O livro aborda o problema de identidade, algo muito comum hoje em dia. Gostei de escrever porque é pequeno. Tem dez, doze poemas, e não dependo de editoras: publico por minha conta. Posso levar várias edições pra viagem, pra trocar, distribuir ou vender a R$ 5.

Um livro ideal para tempos de crise...
(risos) Exatamente!

Murundum (2012, Companhia das Letras), seu penúltimo livro de poesia, foi tão lido quanto merecia?
Não foi. Acho que merecia uma leitura maior. A obra ficou mal colocada nas livrarias. Eu queria, inicialmente, um livro para alunos do segundo grau, porque estava preocupado com formação de público pra poesia. E o livro entrou na coleção infantojuvenil da Companhia das Letras. E me dei conta que não sou um autor juvenil: foi um erro meu. Não sei fazer livro pra adolescentes. Murundum é poesia para todos, para o público adulto.

Você já admitiu que Preço da Passagem (1972) e Quampérius (1977) foram influenciados por Memórias Sentimentais de João Miramar (1924) e Serafim Ponte Grande (1933). Oswald de Andrade recebeu muitas críticas de Antonio Candido (engajamento político), Wilson Martins (praticamente criticando a obra inteira) e Andrade Muricy (excesso de palavrões) - para ficar apenas em três críticos. Na sua opinião, a crítica foi justa com Oswald de Andrade?
Olha, não li nem a crítica do Candido pra dar uma opinião clara sobre o assunto. Quanto ao engajamento do Oswald, li Marco Zero uma única vez, e não foi uma grande experiência. Realmente. Do Oswald, gosto da poesia, do corte cinematográfico, do humor. Oswald era irreverente. Ele aproximava a fala da poesia, unia a baixa cultura à alta cultura, influenciando, nesse sentido, o Tropicalismo. O Wilson Martins era do cânone, pertencia ao meio acadêmico. É natural que ele quisesse preservar valores acadêmicos, como a boa escritura, a gramática correta. O conflito do Wilson com Oswald era inevitável.


No início da carreira, você era considerado um poeta marginal. Hoje, porém, já pertence ao cânone literário estabelecido pelo meio acadêmico. Você reconhece essa canonização?
(risos) Reconheço. E não sei onde eu errei! Um sintoma claro dessa canonização é que volta e meia sou publicado em antologias que vão pras escolas. Estou no meio escolar, no meio acadêmico. Nunca fui marginal por opção. Como não havia espaço nas editoras, distribuíamos os poemas de mão em mão, tirados no mimeógrafo. Nós fugimos do caminho tradicional: o livro saía do produtor direto ao consumidor. O escritor deve entrar por todas as brechas: antologias, livrinhos de R$ 5, edições da Companhia das Letras, tudo vale. É pra isso que escrevo: quero ser lido.

E quanto aos poemas?
Quanto ao poema, não quebrei com nada. Não tem uma grande queda como teve o concretismo, o parnasiano ou modernismo. Era uma poesia pop, que falava da contracultura. Na verdade, era uma volta à tradição discursiva da poesia quebrada pelo modernismo.

Você não costuma fugir das discussões políticas. Apoiaria um impeachment à Dilma Rousseff?
De jeito nenhum. Isso é democracia: ela foi eleita e merece estar lá até o fim. Na próxima eleição, quem quiser, que mude de voto. A democracia é a única coisa que pode nos separar da barbárie. Não escolhemos anarquia nem monarquia. Escolhemos democracia.

chacal

PAPO FIRME
CHACAL E BARBARA LIA
Quando: segunda-feira
Horário: 20h
Onde: Sesc
Endereço: Avenida Professor Lauro Eduardo Werneck, 531
Entrada franca
Mediação: Alexandre Gaioto, jornalista e Mestre em Estudos Literários (UEM)