Poeminhos de Silas Correa Leite

  


Oração do Século XXX
(Silas Correa Leite*)
 
“Ó Grande Satélite Orbital Pós-Núcleo Solar
Que reinas acima do hangar central da Torre da Via Láctea Número Um
Além do porto da árvore terminal do berçário das estrelas
No entorno do ninhal das águas vivas que voam no espaço infinital
Nós te agradecemos pelo sangue carbonário e pelo oxigênio hidrogenado Mega-Tritom
E por toda ração sideral que nos dás.
Também te agradecemos pelos inimigos que como uma cota existencial precisamos caçar
Para repormos estoques de peças de reativamentos muito além do vale dos improdutivos iluminados sem eixo.
És muito bom para nós – sobreviventes do antes
Estamos todos felizes nessa cela chamada Nave Terra
Não nos deixeis cair em tentação de querermos escapar para as tribos clandestinas do infernal sem oráculos
E dai-nos a energia nutricional de continuarmos resistindo  muito além das instalações das galáxias inferiores
E também te agradecemos pela seleção binária que nos foi dando opções de sermos salvos para servirmos de hospedeiros
E de teres nos dado um número-chave de referência para edição vital
E um chips vivencial talhado na camada superior de nosso novo cone neural
Te desejamos longa vida porque sempre respiraremos pelos teus aparelhos de camadas aéreas turbinadas
Enquanto durar o fogo de tua alimentação numinosa entre engenhos sempre aurorais sempre te louvaremos
E também por isso te louvaremos como Ser-Guia
E ainda te invocaremos em rituais de canibalismo para que assim também se preciso nos livre de nós mesmos
Principalmente de ocasionalmente ainda perecermos por prosopopéias iletrais e pecados humanóides
Válvulas de desgastes herdadas de nossos decaídos e perigosos ancestrais vitimizados na última evacuação”
 
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A Identidade da Dor
 
Hiroshima ainda está lá
Como um espelho
Uma bomba não mata uma cidade
Uma identidade-povo
Uma idéia-espaço
 
Nagasaki ainda está lá
E reflete Hiroshima
Não pela radiação mas
Pelo que ambas foram e serão
 
Restos de Hiroshima
Ainda são Hiroshima
Como escombros de Nagasaki
Têm uma identidade silencial
 
Ninguém mata Hiroshima ou Nagasaki
Ninguém mata a vida
Ou uma identidade histórica e espacial de vida
 
A bomba não mata a dor
Do que restou da guerra
E essa dor que doerá infinitalmente
Será Hiroshima
Será Nagasaki
Porque a paz confere a dor
Perpetrada na lágrima
Como um desenho arquitetural na saudade
Que a luz lê em sangue
Nas flores de cerejeiras
Como haicais, no átomo
 
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B  A  B  E  L
 
 
Escutaram vozes
De seres inexistentes
E com grafias cuneiformes, rupestres, quase insignificantes
Registraram espectros no betume da pedra cavernosa
Escutavam vozes
E descobriram o fogo
Como medo de no breu se misturarem aos espíritos fantasmas
Escutaram vozes
E inventaram a roda
E nela caminharam para o progresso do nomadismo
E para as trocas, guerras e somas de conhecimentos e canteiros
Escutaram vozes
E descobriram o papiro, o vidro, a poesia, o angélico
Como pontos de fuga para e oxigenação humana da alma
Escutaram vozes
Pìntores, poetas, músicos, sacerdotizas, loucos, videntes, pensadores
O iluminismo da bat-caverna ao moderno e pós-moderno nodal
Escutaram vozes
E descobriram terras, planetas, DNA, pirâmides na lua de ganimedes
E o mundo telúrico globalizou-se para o além de si
Escutaram vozes
E o bicho-homem viajou no espaço como um verme cósmico
Em busca de sua eternidade espiritual
Além da infinitude do húmus primevo na via-láctea
E houve a evacuação, desde Babel a Hiroshima
 
O verbo fez-se carne, a carne fez-se espírito
E as naus levaram a vida para outras vidas
Como a morte de passageira clandestina no percurso infinital.
 
O medo da morte é a arte, a criação, a sensibilidade.
 
A Morte é a VOZ.
 
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Jazz Improviso
 
 
Os melhores livros ainda não foram escritos
Os melhores dramas jamais foram filmados
Os melhores santos são todos malditos
Os melhores jogos ainda não são jogados
Os melhores instrumentos ainda não foram soados
Os melhores poetas não foram devidamente drenados
Ai de ti poeta em seu estágio de proscrito
A melhor luz ainda não raiou no infinito
Todos os livros são olhos furados
Todos os filmes são falsos editados
Todos os santos são pecadores cruzados
Todos os jogos foram valores violados
Que livro ainda será escrito um dia
Que filme incompreensível será censurado
Que santidade na podridão humana haveria
Se tudo é jogo de cena num campo minado
Livros filmes dramas músicas jogos santos – Vaidades
Ainda não se abriram as páginas das celestidades
Somos todos falsos santos fílmicos cênicos alienados letrais
Todos os pobres homens finitos carpindo seus malditos ais!
 
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CAÇADOS
 
Estamos sendo caçados
A bala perdida atrás do cidadão
O seqüestro-relâmpago
O câncer, a poluição
O diabetes
A hipertensão
Os juros bancários
O desemprego e o neoliberal neoescravismo da terceirização
 
O estado mínimo
É cínico
 
Estamos sendo caçados
Pelo leão do imposto de renda
Pela fome, pela inflação
Pelos cinco poderes amorais
Pela insensibilidade
Pela televisão
Pela justiça incapaz
Pelos políticos corruptos e ladrões de antros neoliberais
 
Somos o alvo, somos a caça
Do medo, do crédito, de todo mal
A miséria é um revólver quente
A ganância, a estupidez, o consumo imoral
A mentira e a hipocrisia nutrem a sociedade
A boca de fumo e a impunidade
O lucro impune do contrabando informal
As falsas ONGs de amigos do alheio
E o câncer inumano de um capitalismo sórdido e chacal
 
Morra
Ou
Corra
 
Você é uma caça em potencial
Da Nova Ordem Econômica Mundial
 
Cada um de nós é um enorme alvo se movendo
Com sua insensibilidade; e os próprios danos
Deveríamos usar um alarme no pescoço dizendo
 
-Não atirem em nós – Somos Seres Humanos!
 
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Ensinança
 
Não ensine ninguém a ser como você/Já pensou o perigo?
Ensine o aluno a ser ele mesmo/Que isso dói menos
Ensine o aluno a se procurar/Dê os sinais...
Seja o referencial; procure-o/Nele – sendo ele
Então ele tendo essa ajuda-você/Pode se achar no Ele
Ensine o aluno a ser o que Ele/`Precisa ser: um não-você
Já pensou que LIBERDADE?
 

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Voltar Para Casa
 
“É hora de voltar para casa/E eu já não sei o que é casa/É hora mas eu não sei o que isso quer dizer/Apenas sinto; e o sentir é o instinto de um velho cavalo selvagem/É hora de voltar para casa/O que quer que seja que Casa significa/Talvez signifique terra-casa; a minha morte/E eu sinto o cheiro da raiz me chamando para adubá-la/É hora de voltar para casa/(Sou bananeira que já deu goiaba)/A casa é um todo no inacessível chão/A poeira da estrela no universo será um ponto de luz na distância/Da imensidão(...)/É hora de voltar para casa/Tudo é lar: até o átomo o é/E dentro do nada eu comporei a viagem na alma de todos os caminhos/Pois sei que eu mesmo estou com esse pé na luz/A luz da volta/ Para a lágrima inicial de mim/Licor de Ausência”
 
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Houve Um Tempo
 
 
Houve um tempo em que eu precisei chorar
E não sabia chorar
E quando aprendi a chorar
Não tinha ninguém ao meu lado
Então eu escrevi poemas, esses poemas foram o meu pranto
Por isso eu sobrevivi ao longo inverno das amoreiras secas.
Houve um tempo em que eu pensei em me matar
Mas não tive coragem
Como no entanto eu tinha de me matar de alguma maneira
Eu escrevi poemas como rios de lágrimas entre salinas
E esses poemas como lágrimas de algum céu dentro de mim
Lavaram minha alma, minhas mãos e meus olhos
E então eu sobrevivi como um esquilo além da estação de caças
E vi as primeiras amoreiras vermelhas no pincel do último horizonte

*Silas Correa Leite é escritor, professor e jornalista.
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Site: www.itarare.com.br/silas,htm
Blogue: www.portas-lapsos.zip.net