HUMAUHACA: CARACTERÍSTICAS PRÓPRIAS DE RESISTÊNCIA

Humauhaca: características próprias de resistência
 

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Foto: Rubens B. Campo
Willie Verdaguer, Emílio Carrera, Márcio Werneck, Chico de Medorin e John-John: última formação?

Introdução

O Humahuaca, grupo paulistano-argentino de Folk-Blues-Jazz Rock. Foi formado em 1974, depois da dissolução dos Secos e Molhados, quando acompanhava João Ricardo. Formação: vocais Billy Bond e Américo Iça (ambos até 1976), Daniel Mencini (até 1976 é substituído por John Flavin, também conhecido como John-John), guitarra, Emílio Carrera (ex-Grupo Sete) teclados, Willie Verdaguer (ex-Beat Boys, Secos e Molhados) contrabaixo, Dudu Portes (ex-Grupo Sete) (depois Chico de Medori) bateria e Márcio Werneck (Flauta, sax e percussão).

“Humahuaca para nós representa uma tomada de consciência daquilo que nós somos: latinos. É essa a nossa preocupação”.

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   Ilustre Desconhecido
   (Fleury Tavares*)

   Humahuaca é o nome de uma cidade localizada ao norte da Argentina, conhecida tradicionalmente em todo país por sua pobreza. Seus habitantes andam de lulinha, poncho, sombrero, essas coisas.       Batalham, mas nunca acontece nada. Acordam. Trabalham. Voltam para casa. Comem. Dormem. Sua esperança para o futuro é igual à de hoje, idêntica à de ontem, e mais nada. Existe então um paralelo entre a música brasileira do Nordeste e o carnavalito, música regional Argentina: ambas características de regiões muito pobres, com diversos pontos de contato. Assim como o nordestino tem toda aquela transa de sofrimento, de fome, mas ele é forte, enfrenta, vai lá e mete bronca. O Humahuaca partiu dessa idéia.
   — Nossa relação é com a música, porque o músico no Brasil é isso, batalha, batalha, e não acontece nada – afirmam seus membros. Estuda feito um burro, luta para comprar instrumentos e equipamentos, o equipamento custa o triplo do que deveria custar e no fim ele continua na mesma. Aí, justamente, é que está a sua garra.
   O surgimento do Humahuaca, segundo Willie Verdaguer – argentino, baixista – tem uma longa história.
   — Há aproximadamente um ano e meio senti um desespero enorme de fazer alguma coisa, estava meio parado, profissional demais, só ganhando dinheiro acompanhando meio mundo. Fiz desde Beat Boys com Caetano Veloso e Gil, até Secos e Molhados. Aí, de repente, parou o Secos e Molhados. Eu fiquei como profissional, ganhando uma graninha aqui, outra lá, acompanhando qualquer um. Percebi naquele momento os caras todos batalhando alguma coisa, aí resolvi entrar numa de vez e comecei, por exemplo, eu ia na casa do pianista, curtia com ele e mostrava minhas coisas, depois ia na casa do guitarrista, do baterista, etc. Daí comecei a juntar os músicos, um caía fora, outro entrava e assim por diante.
O grupo, na realidade, já existia há uma no e meio, porém sem nome, sem tocar, apenas procurando as pessoas certas e ensaiando muito. Agora, após seis meses, ficou definida sua formação, com Willie Verdaguer (baixo e vocal), John Flavin (guitarra), Dudu Portes (bateria e percussão), Emílio Carrera (teclados) e Márcio Werneck (sax, flauta, clarineta e percussão).
Willie assegura:
— Já tocamos de tudo, bossa-nova, rock, etc... misturando todas as influências adquiridas como música, não de uma forma proposital, mas sim espontaneamente. O trabalho não é fácil, pois necessita de um amadurecimento.
Tinha que demorar, não poderíamos transar tudo rápido, pegar cinco caras e boom, fazer um show.
Até agora, perfizeram um total de cinco apresentações todas em São Paulo, com excelentes resultados. Sobre o concerto-monstro no estádio da Portuguesa, Dudu Portes, baterista, conta:
— Fomos, um dos últimos grupos a se apresentar, por volta das 4 da manhã. Tava tudo pifado, uma verdadeira maratona. Não há ninguém que agüente uma coisa dessas. Todo mundo foi embora de sono.
Depois da Portuguesa, Humahuaca apresentou-se num teatro em São Bernardo. Essa mostra foi muito boa, porque descobriram que sua música funciona melhor em teatro. Apresentaram-se também no programa América Latina (Fundação Getúlio Vargas) e no Teatro Municipal de Campinas.
— Queremos encaminhar a coisa mais para o lado do recital. Sabe, o som da gente é uma coisa meio erudita, cheia de detalhes. Assimilamos tudo e interpretamos da nossa maneira. Nosso trabalho abre um dado em cima do folclore argentino, numa fusão com o folclore brasileiro. Tango, inclusive, que na verdade não é tango no sentido literal da palavra, mas sim determinadas características nas frases musicais (argumenta Dudu a respeito da linha musical seguida pelo conjunto).
Para os integrantes do Humahuaca, existem inúmeros problemas de infra-estrutura no Brasil. O principal deles é a falta de interesse e visão comercial por parte de empresários, gravadoras e produtores dispostos a investir num grupo. Há uma ânsia de faturamento rápido.
Estas pessoas ainda não perceberam que, com um mínimo de divulgação em meios de comunicação, como o rádio e a tevê, faturariam muito mais, pois além de possuírem uma força incrível, é a partir destes meios que o público é informado. Não há empresários interessados, que tenham fé numa coisa e invistam, porque o músico brasileiro não possui condições financeiras de sozinho levar para frente uma coisa grande (afirma, John Flavin, guitarrista do grupo).
O Humahuaca, então, encontra-se agora na expectativa de arrumar um empresário profissional, disposto a trabalhar junto com o grupo, mostrando esquemas de shows, divulgação, uma pessoa a fim de investir. Querem ter pelo menos a possibilidade de mostrar seu trabalho para o público, este mesmo público que já demonstrou interesse em conhecê-lo nos diversos shows apresentados. Para isso seria necessário um mínimo esquema comercial. E enquanto esperam esta chance de alguma coisa acontecer, trabalham no estúdio de gravação da Clac Produções, sem São Paulo, fazendo jingles. Ensaiam quando sobra um tempinho, gravam também um tape para um especial com Elis Regina e também o primeiro disco deles, que deverá ficar pronto até o final do ano.
John faz questão de frisar que o trabalho do Humahuaca não se trata de nenhuma proposta, nada preparado, tudo é natural, fluído:
— Humahuaca para nós representa uma tomada de consciência daquilo que nós somos. Essa preocupação com a música latina ,acho que é uma conseqüência doa madurecimento musical. Toda esta rapaziada que toca por aí está começando a botar os pés no chão. Agora, se o público não consome, é porque ele não conhece.

*Jornal de Música n. 24 Rio de Janeiro, 7 out. / 1976. O Humauhaca ainda resisitiu um ano tocando e aguardando a chance de um disco na WEA, não se entregaram ao esquemão.