'PET SOUNDS': APENAS UM DELÍRIO DE UM VELHO DO RESTELO (2011)

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Pet Sounds: Apenas um delírio de um Velho do Restelo

 "Pet Sounds" ou um dos "Pais Fundadores" daquilo que ouvimos hoje.

Olá Amigas e Amigos! Como devem ter reparado, tenho andado arredado da escrita aqui no Fórum e sem enumerar mais razões para tal sucedido, transcrevo exactamente a resposta que dei hoje a um User acerca da minha ausência: "Não sei. Acho que o rio em que se banhavam as minhas Musas Inspiradoras secou" .

Eu sei que a evocação de Musas , de Ninfas ou de Tágides como auxiliares de inspiração tresanda a mofo e o mesmo se aplica aos meus gostos musicais marcadamente Retro e sei também que a máxima "já não se faz música como antigamente" aqui neste fórum está mais do que batida, mas este meu regresso á escrita assume mais uma forma de desabafo pessoal do que de uma dissertação acerca de um artista ou de uma obra qualquer em particular.

A verdade é que há dias, ao assistir ao concerto dos MGMT na Queima do Porto, assumi finalmente a gravidade e a dimensão do meu retrocesso musical. Ali estava uma banda bastante actual, inserida no movimento Indie , com o notável condão de reunir o consenso de Jovens e Maduros, graças á sua perícia em oferecer, simultaneamente, rebuçados POP instantâneos e outras guloseimas de mais demorada digestão e eu, ali no meio de um grupo de malta que gritava insistentemente pela "Kids" , absorvia o som, o que se passava em palco e inconscientemente, tentava encontrar paralelos com a música do passado.

O que é certo e o que afinal era até já por demais evidente é que não me foi difícil encontrar esses paralelos. Sem querer soar bastante presunçoso, não acredito que naquele momento, fossem muitas as pessoas a entreterem-se com este tipo de cogitações. Muito menos aquela cambada que abalou mal a "Kids" foi tocada. Ali foram desfilando vários pontos de ligação a tempos já há muito idos: Os loucos e psicadélicos anos 60, uns cheirinhos da cena Londrina de onde saíram os Floyd do Syd Barrett , uma pitadinha do Folk dos Byrds e até algo da Tropicália e da Bossa Nova de Terras de Vera Cruz, mas sobretudo, os MGMT devem e muito às melodias e às matizes de um nome mítico em particular: Os Beach Boys .

Os detractores costumam dizer que certas mentiras, por serem ditas vezes sem conta, acabam por ser tomadas como verdades indiscutíveis, mas eu prefiro a máxima de que quando queremos mesmo muito defender a nossa causa, somos capazes de arranjar argumentos de maneira a esfregá-los na cara dos nossos adversários. Mas sem querer começar uma luta, após alguma ponderação, cheguei á conclusão de que tal como existem as Cores Primárias, existe um punhado de discos editados em meados da década de 60, a partir dos quais descendem todas as vertentes da Pop e do Rock que se foram metamorfoseando até chegarem àquilo que ouvimos actualmente.

Um desses discos seminais será certamente o "Pet Sounds" dos Beach Boys , editado em 1966. Tudo o que se conhece acerca desta obra que hoje é do domínio da Cultura Popular será realidade e mito em partes iguais. Reza a lenda que após ter ouvido e ficado fascinado com o álbum "Rubber Soul" dos Beatles , Brian Wilson , o artesão e "cientista" dos Beach Boys , comprometeu-se a uma tarefa hercúlea: criar o melhor disco Rock de todos os tempos . Não sei se cumpriu todos os objectivos, mas pelo menos, sabemos hoje que essa obra tem um lugar cativo em qualquer lista que se preze.

As melodias vocais solarengas, intrincadas e apelativas estavam lá, não fosse este também o disco de "Wouldn´t it Be Nice", "Sloop John B" e "God Only Knows" , mas não foram elas as únicas a colocarem-no nos anais da História. Os Beatles haviam-se retirado dos palcos para se dedicarem unicamente á composição, com os resultados que se conhecem e os Beach Boys fizeram o mesmo, pelo menos em parte. Á imagem dos indivíduos tocados pela genialidade e por isso inadaptados às Convenções Sociais consideradas "normais", Brian Wilson decidira dedicar-se apenas á composição, "enclausurando-se" no estúdio e deixando a exposição mediática e os banhos de multidão para o resto dos seus companheiros de banda.

O grande feito de "Pet Sounds" foi sobretudo a sua complexidade e a sua experimentação. De fora ficaram os assuntos corriqueiros de sol, carros e miúdas e às melodias vocais ainda mais intrincadas foram acrescentados tapetes sonoros onde, para além de uma extensa panóplia de instrumentos, cabiam também todos os adereços possíveis, desde sinos, garrafas, campainhas e até sons produzidos por animais. Os primeiros a serem surpreendidos por estes estranhos sons foram mesmo os seus companheiros, quando regressaram de uma Tour pela Ásia, para as sessões de gravação.

Inicialmente, essas sessões foram bastante tensas, uma vez que para os restantes Beach Boys , era demasiado evidente que Brian era agora consumidor de substâncias como o LSD e por outro lado, o que ele pretendia significava uma ruptura com todo o trabalho que haviam feito nos dez discos anteriores e que afinal de contas, lhes haviam garantido toda a fama e estatuto dos quais gozavam. Mais estupefactos ficaram quando o imprevisível Brian decidiu deixar o futuro Hit "Good Vibrations" fora do alinhamento, devido a este necessitar de alguns "melhoramentos". Mas a tenacidade e o entusiasmo de Brian acabou por vencer e curiosamente, o álbum foi lançado a 16 de Maio de 1966, precisamente há 45 anos . Um notável fenómeno de longevidade.

Como seria de esperar, se a recepção do público foi modesta, "Pet Sounds" foi alvo de admiração e de inveja de músicos e produtores. O "Guru" e pai da "Wall of Sound" , Phil Spector , foi um dos que ficou siderado pela mestria de Brian Wilson na manipulação do estúdio e se tivermos em conta que ele teve apenas 8 pistas á sua disposição, deixemos á nossa imaginação o que teria resultado daquele ímpeto criativo se ele tivesse disponível toda a tecnologia de hoje. Os músicos também não lhe ficaram indiferentes, sobretudo os Beatles , os eternos "rivais" do outro lado do Atlântico e também dos Stones , cujo Manager tentou incluir sem grande sucesso no movimento psicadélico da altura (ainda não sabia que a sua paisagem de eleição era mesmo o Delta do Mississípi). A "lenda" desta história está intimamente ligada aos Fab Four .

A suposta "Guerra Criativa" que opôs Beach Boys/Beatles encheu páginas de revistas e jornais e fez a delícia dos Jornalistas, que quase unanimemente preferem a versão romanceada de que o Brian Wilson terá "enlouquecido" ao constatar que a sua Masterpiece fora ultrapassada pelos Beatles com o seu igualmente histórico "Sgt Peppers & The Lonely Hearts Club Band" e que em última análise, o terá votado á alienação e á desistência de obras inacabadas como o caso do hoje célebre "Smile" .

Mas parece-me bem mais plausível que tenham sido as drogas a moldarem a "loucura" de Wilson e é bastante notória a influência de "Pet Sounds" naquele que é o mais emblemático trabalho dos Fab Four . Os próprios, além de nunca a terem desmentido, sublinharam sempre essa mesma influência e hoje, passados 45 anos, estamos aqui a falar desse disco e se isso não bastasse, bandas actuais e aclamadas como os MGMT e os Fleet Foxes são apenas dois dos exemplos mais evidentes de que o legado dos Beach Boys continua vivo e recomenda-se, ainda que uma grande parte dos fãs dessas bandas não se apercebam desse importante facto.

Mas afinal, o que tem de importante discos como "Pet Sounds" , "Sgt.Pepper..." , "Velvet Underground & Nico" ou "The Piper at the Gates of Down" , apenas citando alguns? Bem, para explicar isto, vou recorrer a uma sinuosa e arriscada ginástica, que receio não vá resultar em grande coisa.

Os grandes compositores Clássicos foram génios quase transcendentais, cujas obras eram de uma majestade tal, que não me admira que fossem consideradas como verdadeiros "Portais para o Paraíso". Os ouvintes ficavam esmagados perante tamanha complexidade e poder, mas no entanto, aquelas composições destinavam-se apenas a recitais exclusivos a um reduzido número de "eleitos". Foi longo o caminho até que a música se tornasse em algo "portátil" e acessível a todos e consequentemente, esta, como Arte, acabou por dar cada vez mais espaço á sua vertente entretenimento .

Sensivelmente a partir de metade da década de 60, em ambos lados do Atlântico, o que bandas como os Beatles , os Beach Boys , os Pink Floyd , os Velvet Underground ou os Moody Blues fizeram, embalados pela revolução cultural da altura e inegavelmente, entorpecidos pelos "expansores de mente", foi nada mais, nada menos do que introduzir novos ingredientes e uma maior complexidade, devolvendo, neste caso ao Universo Pop/Rock , o estatuto da música como uma Arte. Uma Arte para absorver, para reflectir, para pensar, para degustar e não apenas para dançar ou para libertar emoções. Estes discos são-nos constantemente vendidos como os "pais fundadores" do que ouvimos hoje em dia e eu aceito-os, tal e qual um Velho do Restelo, que se senta maldizendo e rogando pragas àqueles destemidos que partem rumo às águas virgens e desconhecidas, quem sabe se direitinhos á bocarra do Adamastor...

Mas como disse no início, este é apenas o desabafo de um inveterado ouvinte de coisas antigas e, Escravo desse malvado encantamento, quando ouve algo de novo, procura imediata e inconscientemente descobrir as influências ancestrais ali escondidas. É sem dúvida uma terrível maldição, ouvir o eco dos Beach Boys nos MGMT ou do Paul Simon nos Vampire Weekend , mas não liguem, são apenas coisas minhas. Ultimamente ando um pouco, vá... Indie e não se zanguem comigo, pois apesar das minhas vicissitudes de Velho do Restelo, concordo que hoje ainda se faz música como antigamente: Tipos como o Jack White até continuam a gravar em analógico!!!!

Beijinhos e Abraços!

P.S: Graças a uma feliz coincidência, no mesmo dia em que fui "picado" por um amigo a escrever no Fórum e após ter decidido o sentido a dar á minha prosa, saiu a agradável notícia do possível regresso dos Beach Boys a propósito do Cinquentenário da sua carreira. Mas que boa notícia. Wouldn´t it be Nice? Oh yeah, you can bet on it!!

Artigo escrito por porcoespinho