1991: Nirvana ao vivo no grande Paramount por André Barcinski

Nirvana
por André Barcinski


Livro Barulho - Uma viagem pelo underground do Rock Americano - Editora: Pauliceia
Fonte: http://douglasdickel.blogspot.com/

Trinta e um de outubro de 1991, dia de Halloween. Tinha Morrisey em Palo Alto. Tinha Stray Cats com Dread Zeppelin em Nova York. O Smashing Pumpkins tocava em Chicago. Mas o show mais importante, o mais comentado, era o de Seattle. Nirvana e Mudhoney, as duas maiores bandas da cidade, tocando juntas no grande Paramount. Cinco mil ingressos começaram a ser vendidos às dez da manhã. Às três da tarde já tinham esgotado.

Não era pra menos: o Nirvana fazia o primeiro show em casa depois do estouro de "Nevermind" - seu segundo LP. De uma hora pra outra, tinha virado uma superbanda.

Tudo aconteceu rápido demais com os caras: no meio de agosto, quando pedi a entrevista, a divulgadora se apressou em me tranquilizar: "Não precisa marcar a entrevista agora. Depois do show a gente pega o Chris e sai pra tomar umas cervejas." O Chris em questão era o Novoselic, baixista do Nirvana. Naqueles dias, tudo era fácil. A banda tinha uma pequena fama local, sustentada pelo excelente LP de estréia, "Bleach" (1989), e mais nada. Era só questão de marcar a hora e o local da entrevista. Os caras estavam livres e disponíveis. Nem esquentei mais com o Nirvana. Cheguei nos Estados Unidos no dia 24 de setembro, dia do lançamento de "Nervermind". O LP começou a vender como água. A cada dia que passava o Nirvana ficava 35 mil discos mais famosos.

Um mês depois, dia do show de Seattle, eles tinham se tornado pop stars, prestes a tirar Michael Jackson do topo da parada da Billboard.

As evidências de que o Nirvana se tornaria um fenômeno eram óbvias. Em um show do Damned [banda punk inglesa], em Los Angeles, Smells like a teen spirit rolava a cada vinte minutos nos alto-falantes, para esquentar o público. Numa entrevista com o Red Hot Chili Peppers, o vocalista Anthony Kiedis repetia a todo instante que gostaria de fazer um show com o Nirvana (esse show acabou rolando, na noite de reveillon, em São Francisco). Joey Ramone foi outro que ficou obcecado por "Nevermind". CJ, baixista dos Ramones, garantiu que só estava ouvindo "Steady Diet Of Nothing", novo do Fugazi, e "Nevermind". Na MTV, entrevista com o Metallica. A repórter pergunta: "O que é que vocês estão ouvindo no momento?" Kirk Hammett nem pensa: "Nirvana!"

A vida é dura... Minha entrevista, antes exclusiva, teria que ser disputada a tapa com pelo menos outros vinte repórteres. O que era pra ser um show tranqüilo acabou se tornando o maior acontecimento do ano em Seattle. Cinco mil pessoas dentro, outras tantas do lado de fora. A banda estava filmando o show, para fazer seu primeiro homevideo. O clima era de histeria coletiva.

No espaço reservado aos fotógrafos, um curralzinho que separava o palco de uma horda de fãs, a coisa ficava preta. O show estava atrasado; o tempo, quente. Fãs jogavam tudo no palco: tênis, camisetas e bottons.

Os seguranças, solícitos, davam água para os fãs espremidos contra a grade de proteção. De repente, uma portinha no chão se abre e, no meio dos fotógrafos, sai um cara loiro, de suéter. Era Kurt Cobain, assustado com a lotação do teatro. Poucos fãs o reconheceram. Coisa de quem atingiu um sucesso instantâneo, de quem ainda é menos conhecido do que sua música. Coisa de quem ainda não foi mastigado pela mídia.

Um fã grita: "Kurt, você é louco pra cacete". Kurt não responde. Bem atrás do fã, alguns alucinados brincavam de arremessar um amigo uns três metros para o alto e depois escorá-lo com as mãos, como se fosse um stage dive sem palco. Estava claro quem eram os loucos.

O Nirvana entra no palco. Kurt diz: "Essa é uma música de uma banda que a gente ama". Começa Molly's Lips, dos escoceses do The Vaselines. Seriam as únicas palavras que ele dirigiria ao público durante todo o show.

A banda emenda Negative Creep, hit do "Bleach". O público urra. O barulho que três caras conseguem fazer em cima de um palco é impressionante. Chris Novoselic do lado direito, tocando baixo como se estivesse numa corrida de obstáculos, pulando por todos os lados do palco. No centro, David Grohl, espancando seu kit. Na direita, o canhoto Kurt Cobain, olhar de psicopata, balançando a cabeça.

O show do Nirvana é uma experiência impressionante. Tudo em silêncio... Kurt balbucia "one, two, three, four", e a máquina de esporro começa a funcionar. São três minutos ininterruptos de pancadaria. Breed, uma dos melhores do "Nevermind", vem como fósforo em gasolina e incendeia o lugar. O público, espremido, tenta subir no palco; os seguranças agem. O esporte do dia é o stage dive das costas dos amigos. Valia a pena estar sóbrio só para ver o espetáculo. Na guitarra de Kurt, um adesivo diz: "Vandalismo - tão bonito quanto uma pedra na cara de um guarda". Ele age como um delinquente. Parece um daqueles moleques que passou toda a infância apanhando dos fodões da turma e que agora resolveu descontar no mundo. Raras vezes a vingança veio numa embalagem tão especial. O Nirvana é a melhor coisa que surgiu no rock no início dos anos 90.

O show continua, um hit atrás do outro. São 70 minutos, divididos em 17 espasmos de barulho. Mesmo baladas, como Polly, soam, só pra usar uma expressão batida, "viscerais".

Começam os acordes de Smells like a teen spirit. Sempre ouvi amigos mais velhos falando da emoção que foi ouvir os Sex Pistols tocando Bodies em 1977, ou o Black Sabbath matando com Paranoid, lá pelos idos de 1973. Nunca tinha visto uma banda no auge, tocando um pretendente a clássico. Agora sim. Só de saber que a banda está acontecendo ali, na sua frente, é um prazer. É bom saber que não é nenhum desses shows nostálgicos que aportam no Brasil, com dez anos de atraso. O Nirvana é carne fresca, e Seattle é um grande açougue.

O show vai chegando ao fim, num crescendo de barulho e suor. Chris quase tropeça num tênis de cano alto, arremessado por um doente mental. Em Territorial Pissings, começa o ritual: Kurt pega a sua Fender e enfia num ventilador na beira do palco. A microfonia é insuportável. Ele enfia o braço da guitarra nas hélices do ventilador, apóia a guitarra no chão e se equilibra com a barriga na ponta, como se estivesse no meio de um salto com vara. Do outro lado do palco, Chris e David continuam o massacre. O ventilador é pouco para Kurt. Um Marshall na beira do palco vira saco de pancada. A Fender leva a pior. Um roadie entrega outra guitarra novinha para ele. Não demorou nem dois minutos, e a pobrezinha já engrossa a lista de bebês mortos no palco. Sem tocar um acorde, Kurt martela a infeliz no chão. Ainda agonizante, ela é recolhida por Chris. O meliante joga a guitarra para o alto. Uns cinco metros. Quando ela cai, ele emenda um bate-pronto, usando seu baixo como taco de beisebol. Show-demência. Chris jogando beisebol com uma Fender, David chutando todo seu kit, Kurt agradecendo timidamente. Não teve bis. O equipamento estava todo destruído. A banda sai co palco. Quem chegasse ao Paramount naquela hora poderia pensar que havia acontecido algum acidente de carro: de um lado, tudo destruído; do outro, cinco mil pessoas embasbacadas, olhando. Nenhum grito de "fucking great", nada. Transe total. O público ainda não havia digerido a porrada. O show do Nirvana é agradável como um motim em prisão: tem sempre algum perigo escondido, esperando por você.

Caos juvenil, anarquia destruidora, estupro sonoro.

Finalmente entendi o que um amigo meu falou sobre um show do Ministry, que ele havia visto em Boston... "Foi a coisa mais violenta que já vi." Eu não entendia, ou não acreditava. Agora sim deu pra pegar o espírito da coisa. A violência em questão não é aquela coisa escrota a que nós estamos acostumados, com imbecis armados de machadinhas querendo matar alguém. Ninguém saiu machucado do show do Nirvana, mas purificado. O Nirvana solta os bichos que existem em você.

O camarim ficava nos fundos do palco, mas entrar lá estava mais difícil do que mineiro de Governador Valadares conseguir visto nos Estados Unidos. Uma barreira de seguranças impedia a entrada de outra barreira, de repórteres, gente da gravadora, e os habituais bicões.

Uma portinha do lado podia ser a solução. "Estou procurando o chefão, o Brian." A jogada do "Brian" sempre cola. O negão não conhece, acha o nome pomposo, pensa "deve ser alguém importante" e libera a entrada.

No camarim, uma zona. Kurt, Chris e David estão lá, cercados por dezenas. É a equipe de filmagem, comemorando uma noite bem sucedida. Chego perto de Chris... Oi, sou do Brasil, marquei uma entrevista com a Jenny... Ela te avisou, né? "Entrevista? Brasil? Não me lembro." Àquela altura, ele não se lembraria nem da data do próprio aniversário. "O que você achou do show?" "Fucking great". Parecia que eu estava conversando com algum adversário do Mike Tyson, depois da luta. Chris era um caso perdido.

Kurt, nem adiantava tentar. Sentado num canto, cercado por uma multidão, falando baixo e completamente torto. Nocaute técnico.

Talvez David conseguisse falar alguma coisa... Vocês esperavam que Nevermind fizesse tanto sucesso? "Não, ninguém esperava." Foi a frase mais articulada que eu ouvi em toda a noite. Comecei a ficar desesperado: a banda ia folgar no dia seguinte, uma sexta, e no sábado iam para a Europa, numa excursão. Minha entrevista tinha dançado.

De qualquer maneira, ia ser tarefa ingrata entrevistar a banda, sóbrios ou não. O legal do Nirvana é que eles ainda não têm uma história. Ela está sendo contada agora. Daqui há [sic] uns dez ou vinte anos, a gente vai poder falar daquela "loucura do final de 1991". Alguém já disse: "Se você fala sobre os 70, é porque não esteve lá". Para 1991, idem. É melhor aproveitar enquanto é tempo.

paramount    barulho

Nirvana: trailer e detalhes de DVD/Blu-ray "Paramount"
Por Francisco Silva Júnior | Em 30/09/11
http://whiplash.net

No último dia 27, o NIRVANA lançou as edições comemorativas de 20 anos do lançamento de "Nevermind".

Além das versões "Deluxe" e "Super Deluxe", que já foram detalhadas em notícias anteriores, a banda também lançou em separado, em DVD e Blu-ray, o show "Live at the Paramount" (capa ao lado), presente na edição "Super Deluxe" (em formato DVD). Este show, realizado no Halloween de 1991, é a única filmagem de um show do NIRVANA em película. Também estão incluídos no DVD e no Blu-ray os quatro videoclipes de "Nevermind".

Confira abaixo o trailer das edições comemorativas de "Nevermind" e do vídeo "Live at the Paramount".


Tracklist do DVD/Blu-Ray "Live at the Paramount"

01. Jesus Doesn't Want Me For A Sunbeam
02. Aneurysm
03. Drain You
04. School
05. Floyd The Barber
06. Smells Like Teen Spirit
07. About A Girl
08. Polly
09. Breed
10. Sliver
11. Love Buzz
12. Lithium
13. Been A Son
14. Negative Creep
15. On A Plain
16. Blew
17. Rape Me
18. Territorial Pissings
19. Endless, Nameless

Videoclipes

01. Smells Like Teen Spirit
02. Come As You Are
03. Lithium
04. In Bloom

 http://www.youtube.com/user/NirvanaVEVO

 Nevermind e Nirvana não cheiram a mofo