GEOFF EMERICK, ENGENHEIRO DE SOM DOS BEATLES, CRITICA A MÚSICA POP ATUAL (2018)

 

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'Poderia ter sido um desastre', diz engenheiro de som dos Beatles
Foto: Divulgação

MÚSICA
ENGENHEIRO DE SOM RELEMBRA INOVAÇÃO DOS BEATLES: 'PODERIA TER SIDO UM DESASTRE'

Geoffrey Emerick trabalhou com a banda em 'Revolver', 'Sgt. Pepper's' e 'Abbey Road', alguns dos principais álbuns do 'Fab Four'

por Jamille Bullé / http://www.destakjornal.com.br/diversao---arte/musica/detalhe/engenheiro-de-som-relembra-inovacao-dos-beatles-poderia-ser-um-desastre?ref=SEC_ultimos_ultima-hora
 
9 abr. / 2018 - Estar presente nas gravações dos Beatles foi – e ainda é – um sonho presente no imaginário de pessoas no mundo inteiro. Com apenas 19 anos, Geoffrey Emerick conseguiu o que muitos sempre desejaram. O inglês se tornou engenheiro de som do "Fab Four" nas gravações do disco Revolver, em 1966. Ao lado da banda, Emerick gravou mais dois álbuns: a obra-prima Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band e Abbey Road – premiado em ambos com o Grammy de Melhor Engenharia de Gravação –, marcando seu nome no trabalho que revolucionou a música mundial.

"Aquilo simplesmente aconteceu. Poderia ser um desastre. Como todos aqueles loops, que nunca foram feitos, aqueles sons estranhos no meio da música. Não sei exatamente se eles me queriam para o cargo, mas algumas reuniões nos bastidores com George Martin e outros produtores da EMI definiram que queriam alguém mais jovem, porque os engenheiros deles tinham mais de 40 ou 50. Quando Martin perguntou se eu queria trabalhar com eles, fiquei em um dilema: 'sim' ou 'não'? Eles eram os Beatles, eu não podia fazer aquilo. Mas eu acabei dizendo 'sim', porque não tinha nada a perder", lembrou.

A primeira missão de Emerick como engenheiro de som da banda não foi nada fácil. Com seus loops e diversos efeitos sonoros, como sons orquestrais e barulhos de aves, Emerick ajudou a tornar "Tomorrow Never Knows" a criação que convida o público a "desligar a mente, relaxar e flutuar rio abaixo" .

"Eles queriam mudar o som do que vinham fazendo antes. Por estar trabalhando com discos americanos para o mercado europeu, eu tinha minhas ideias para tentar conseguir esses sons. John Lennon queria sons diferentes, Ringo queria efeitos novos na bateria, o baixo de Paul estava bem mais evidente. Poderia ter sido um desastre, sério. Eu não sabia direito o que estava fazendo, porque estava criando algo novo", contou.

Foi após gravar Revolver que a banda percebeu que não poderiam reproduzir determinadas faixas em apresentações. Valorizando a produção criativa dentro do estúdio, os Beatles decidiram não entrar mais em turnê. O resultado foi nada menos que o célebre e cinquentenário Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, considerado até hoje o melhor e mais influente álbum da história da música mundial.

"Atingimos um novo nível ali, porque criamos algo que nunca foi feito antes. Éramos muito jovens. Eles tentaram introduzir algo diferente. Seria difícil fazer isso com engenheiros de 40 ou 50 anos, não funcionaria. Não sabíamos o quanto seria grande, mas sabíamos que seria especial. O que costumava acontecer quando terminávamos uma faixa era chamarmos integrantes de outras bandas que gravavam nos estúdios para ouvirem a música. Eles ficavam ali de boca aberta, porque nunca tinham ouvido nada como aquilo", revelou.

A inovação que até hoje é notória fez Emerick escolher Revolver e Sgt. Pepper's como álbuns favoritos. Para ele, os álbuns "mudaram para sempre a maneira como a música é gravada", por isso existe "algo que os conecta". Já a canção preferida do engenheiro é a icônica "A Day in the Life", com o piano, a orquestra, a triste melancolia na voz de John Lennon e o oásis de alegria com Paul McCartney no meio da canção. "Colocamos uma orquestra e mixamos. Os Rolling Stones e outras bandas estavam por perto quando gravamos e ficaram de queixo caído ao escutarem. Nunca tinham ouvido nada como aquilo", relatou.

A dupla Lennon/McCartney é vista como uma das maiores parcerias da história da música. Geoff acredita que a diferença entre personalidade forte e agressiva de John com o lado "romântico" de Paul tornou possível uma obra tão expressiva. Além disso, Emerick destacou o alto nível de exigência dos músicos, principalmente no caso do perfeccionista Paul McCartney.

"Paul era meu favorito, porque era um músico para valer. Tínhamos um ótimo relacionamento, porque ele sabia que eu estava tentando ir para frente com as gravações, assim como ele tentava ir para frente com a música. Ringo fez seu trabalho de maneira fantástica, George Harrison se tornou um guitarrista incrível e um ótimo compositor. John era John. Ele aceitaria 95% na hora de gravar uma faixa, mas Paul queria 100%", disse.

O fim da banda mais aclamada de todos os tempos foi bastante conturbado e repleto de insatisfações. Geoffrey Emerick relembrou o clima ruim entre o grupo nas gravações de Abbey Road, último álbum feito pela banda, em 1969 – as sessões de "Let it Be" já tinham acontecido, apesar do lançamento somente ano seguinte. Antes de o grupo se separar, no entanto, a alegria juvenil dos Beatles teve um último suspiro em "The End".

"Lembro que eles fizeram um solo com três guitarras, John, Paul e George. Foi em uma tomada só. Naquele momento, os sorrisos voltaram aos seus rostos, voltaram a ser aquelas crianças que víamos nove anos antes, sem toda aquela agressividade. Foi tão divertido fazer aquilo, aquele clima antigo voltou por um momento", recordou Emerick, que voltou a trabalhar com o beatle Paul McCartney em 1973, quando venceu seu terceiro Grammy de Melhor Engenharia de Gravação em Band on the Run.

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Geoff Emerick, engenheiro de estúdio dos Beatles Foto: Leo Martins / Agência O Globo

GEOFF EMERICK, ENGENHEIRO DE SOM DOS BEATLES, CRITICA A MÚSICA POP ATUAL
Responsável por clássicos como Revolver e Sgt. Pepper’s participou de palestra no Rio 2C
 
POR LUCCAS OLIVEIRA - O GLOBO

6 abr. / 2018 - RIO — O sistema de som da Grande Sala da Cidade das Artes, na Barra, toca “The End”, faixa que encerra Abbey Road, 11º álbum dos Beatles. Geoff Emerick, 72 anos, fecha os olhos, sente a melodia e, com os pés, acompanha o bumbo acelerado de Ringo Starr. Foi ele que, em 1969, como engenheiro de estúdio, gravou aquela bateria — reza a lenda que o disco quase se chamou Everest por conta da marca de cigarros favorita de Emerick, mas John, Paul, Ringo e George acabaram se negando a fazer a sessão de fotos no Himalaia.

Uma das principais atrações do Rio2C, evento de indústria criativa realizado esta semana, no Rio, o inglês foi tratado como estrela até mesmo por seus pares: o americano Ed Cherney (de trabalhos com Rolling Stones, Eric Clapton, Bob Dylan e Iggy Pop) e o brasileiro radicado nos EUA Moogie Canazio (Tom Jobim, Gilberto Gil, Caetano Veloso), assim como o mediador Zé Ricardo, exaltaram diversas vezes a importância do trabalho de Emerick durante a mesa que compartilharam no evento, quarta-feira, sobre técnicas de gravação.

— Se não fosse por Geoff, nós não seríamos nada. Ele é um pioneiro, e estamos todos apoiados no ombro dele, até hoje — derreteu-se Cherney.

Com um humor típico inglês e certa timidez, Emerick tentava evitar a bajulação. Sempre que possível, o autor da biografia Here, there and everywhere — Minha vida gravando os Beatles (2006) contava algum caso sobre o Fab Four, seja sobre a liderança de Paul McCartney no estúdio ou a importância do fechado Ringo Starr (“quando Ringo levantava e botava seu casaco, todo mundo respeitava e entendia que a sessão do dia estava finalizada”).

— Naquela época, nós não sabíamos que estávamos mudando a História da música, mas, sim, que criávamos algo especial. Principalmente em Revolver, em que revolucionamos as técnicas de gravação da época (como no uso de loops e efeitos de microfone na psicodélica “Tomorrow never knows”), mas também em Sgt. Pepper’s. Lembro como se fosse ontem da sensação que tivemos quando terminamos de gravar “A day in the life”, com aquela orquestra linda, todos os instrumentos soando perfeitamente. Ninguém acreditava naquilo — relembrou, em papo com o GLOBO, o inglês que assumiu a função de engenheiro-chefe da banda exatamente em Revolver (1966).

Depois da separação dos Beatles, em 1970, Emerick seguiu trabalhando na carreira solo de McCartney, e acumulou projetos de Elvis Costello, Art Garfunkel, Jeff Beck, America, The Zombies, entre outros.

Hoje, morando em Los Angeles, dá palestras e cursos em universidades americanas e toca um ou outro projeto em estúdios — como a homenagem aos 40 anos de Sgt. Pepper’s, em 2007, em que artistas contemporâneos (Oasis e Killers, entre outros) regravaram faixas do álbum com o equipamento original. Emerick é, aliás, um grande crítico dos novos métodos de gravação digitais, de plug-ins, de programas como o pro tools. Ele chegou a chamar as músicas que resultam de tais técnicas de “som de alienígena”.

— Veja bem, eu nasci na época do analógico, cresci assim. Foi o amor pela música que me fez, aos 7 anos, decidir que queria estar envolvido, de alguma forma, em fazer música. Nunca teve a ver com as tecnicalidades do processo. Eu só queria criar. Os artistas ensaiavam antes de entrar no estúdio, sabiam que as fitas e rolos custavam dinheiro. E os pequenos erros que entravam na versão final mostravam que era algo orgânico que foi criado. Quando o digital virou algo grande, eu pude detectar as diferenças no som, sinto que algo está faltando. Os cérebros passaram a decodificar números. A música deixou a ser orgânica e passou a ser processada — afirmou.

Emerick criticou, ainda, os novos profissionais de estúdio. Segundo ele, “muitos técnicos hoje estão mais preocupados em olhar para telas e não ouvem a música em que estão trabalhando”:

 ‘Hoje, a música deixou de ser orgânica e passou a ser processada’

- GEOFF EMERICK

— O trabalho, muitas vezes, se resume a cores numa tela. Levamos muito tempo para conseguir gravar e ouvir música da melhor maneira, e isso tem sido deixado de lado. Aí as bandas ficam preguiçosas. Por exemplo, se uma banda vai começar a gravar uma guitarra e ela acaba não soando tão bem quanto foi planejado. Em vez de sentar, repensar a música ou aquele riff, usar a criatividade, eles usam plug-ins que simulam como aquela guitarra deveria soar. Não estão criando nada, estão apenas apertando botões.

Acostumado a ver grupos como os Beatles, Rolling Stones, Pink Floyd, Led Zeppelin ou mesmo artistas como Bob Dylan, Eric Clapton e Michael Jackson dominando as paradas de sucesso pelo mundo, o inglês associa diretamente as mudanças na indústria e nas técnicas de gravação a uma pobreza técnica da música pop atual, que vem tornando-se cada vez mais eletrônica.

— Você pode dizer que as crianças de hoje em dia, na era do MP3 e, principalmente, do streaming, nunca ouviram músicas em boa qualidade, e muitas não ouviram músicas de boa qualidade. Ainda existem alguns grandes compositores por aí, claro, mas com a situação atual das gravadoras, eles não ganham a exposição que deveriam. Perde-se, cada vez mais, a importância da canção. Hoje, você liga o rádio pop e toda as músicas têm a mesma melodia, porque foram criadas através dos mesmos programas, dos mesmos plug-ins. Isso é ruim para todo mundo — lamenta.

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