Dilma, Serra e Aécio esgrimem convergências


Dilma, Serra e Aécio esgrimem convergências
Cristiano Romero, de Brasília (Valor Econômico)
09/03/2009

 


Há mais pontos em comum do que divergências entre os três principais pré-candidatos à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no que diz respeito aos itens fundamentais da agenda econômica. A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, do PT, e os governadores de São Paulo, José Serra, e de Minas Gerais, Aécio Neves, ambos do PSDB, compartilham visões parecidas sobre como gerir o Estado. Os três defendem a responsabilidade fiscal, principalmente o controle rigoroso dos gastos com o funcionalismo, e o aumento dos investimentos públicos em infraestrutura. Os três são também críticos da política monetária conduzida pelo Banco Central (BC), mas apenas Serra expõe de forma pública e contundente seu descontentamento.
Com base em conversas com amigos, assessores, colegas e interlocutores de Dilma, Serra e Aécio, e na observação de suas ações nos cargos que ocupam, o Valor apurou o que vai na cabeça desses três personagens, os principais contendores, neste momento, da disputa presidencial de 2010. Além das convergências no campo das ideias, foi possível levantar diferenças quanto aos métodos e também às estratégias dos três. Ficou claro que, agora, a 19 meses da eleição, nenhum deles quer marcar posição em relação a temas polêmicos, como privatização ou reforma da Previdência.
A razão para a prudência é trivial. Na avaliação dos três pré-candidatos, o tema da privatização, por exemplo, foi demonizado durante as eleições de 2006, quando o presidente Lula acuou seu adversário, Geraldo Alckmin (PSDB), acusando-o de querer vender o Banco do Brasil e a Petrobras. Desde então, esse tema está interditado no debate brasileiro. Com a crise econômica internacional, o ambiente para a discussão de reformas liberalizantes ficou ainda mais carregado, abrindo espaço para a defesa de uma maior presença do Estado na economia.
O governador Aécio Neves levou a sério a interdição. Um exemplo disso está numa decisão que ele tomou sobre um amplo programa de concessão de rodovias estaduais elaborado por sua equipe. Quando o assunto
estava sendo discutido dentro do governo, alguém vazou para a imprensa a informação sobre o número de praças de pedágio que seriam construídas com as concessões. Aécio reagiu com irritação ao vazamento e engavetou o projeto. Seu receio era de que a cobrança de pedágio tivesse um impacto negativo na população e fosse vista como uma forma de privatização.
"O Aécio teme o fantasma de Fernando Henrique Cardoso", informa um amigo do governador, referindo-se ao suposto desgaste sofrido pelo ex-presidente por causa das privatizações que promoveu em seu governo.
No lugar das concessões, o governador colocou em prática um ambicioso programa de pavimentação e recuperação de estradas. Até o fim de 2010, pretende, por exemplo, pavimentar o acesso de 224 municípios às rodovias, fazendo, assim, com que todas as cidades mineiras estejam ligadas, por asfalto, às estradas mineiras. Em outro programa de grande porte, está recuperando a malha rodoviária estadual, de 10 mil Km.
Aécio está fazendo o caminho contrário ao da privatização. Ele, na verdade, fortaleceu as estatais mineiras. No caso da Cemig, que atua nas áreas de geração, distribuição e transmissão de energia elétrica, a empresa é hoje bem maior do que quando Aécio assumiu o cargo. Ela comprou a Light, a distribuidora de energia do Rio de Janeiro, e está presente no consórcio, liderado pela construtora Odebrecht, que ganhou o leilão para a construção e a operação da usina hidrelétrica de Santo Antônio, no rio Madeira, em Rondônia.
Essa é uma diferença marcante entre a estratégia do governador mineiro e a de seu colega paulista. Em São Paulo, José Serra também não privatizou empresas, mas abriu mão, por meio de contratos de concessão, da administração de seis trechos rodoviários. "O Serra tem uma lucidez muito grande nessa questão. Cada quilômetro de rodovia que se pavimenta agora gera uma despesa corrente lá na frente, que vai competir com os gastos em segurança, educação e saúde, que são bens públicos que, por definição, têm de ser oferecidos pelo Estado", compara um amigo dos dois governadores.
"Rodovia é uma das coisas que podem ser transferidas ao setor privado para viabilizar os investimentos necessários. Do contrário, o governo terá que aumentar impostos para financiar essas atividades. O Serra sabe que essa não é uma questão ideológica, mas uma questão pragmática, de administração", diz um interlocutor do governador de São Paulo.
É verdade que, embora não tenha preconceitos contra a privatização, Serra, a exemplo de Aécio, vem se cercando de cuidados para não ser acusado de privatista. Quando decidiu vender o banco Nossa Caixa, optou por negociar a transferência com outra instituição estatal - o Banco do Brasil. Com isso, desarmou o discurso dos que o acusariam de vender patrimônio público. Na única privatização stricto sensu que planejou fazer - a da Cesp, geradora estadual de energia -, esbarrou no governo federal. Para viabilizar a privatização, a União teria que prorrogar o prazo de concessão das usinas da Cesp, o que não aconteceu até este momento.
O episódio da Cesp acabou provocando uma disputa entre Serra e Aécio que revela um pouco da maneira como cada um deles vem gerindo seus Estados. Quando lançou o edital da Cesp, o governo paulista adotou
cláusula que proíbe a venda da empresa a uma outra estatal. A cláusula prejudicava diretamente os interesses da Cemig de Aécio. A estatal mineira, que tem participação do setor privado em seu capital, se queixou publicamente da regra.
Contrária às privatizações no passado, a ministra Dilma Rousseff tem dito que não há razão para rever o que feito. Ela, inclusive, elogia a mais polêmica das desestatizações feitas pela gestão anterior - a da telefonia. Mas critica o fato de os governos que venderam patrimônio público - Collor, Itamar Franco e FHC - não terem tido a preocupação, no processo, de forjar a criação de grandes empresas de capital nacional.
A ministra está por trás, por exemplo, do processo que resultou na recente criação de duas grandes companhias nacionais, pesos pesados em seus mercados: a fusão da Oi com a Brasil Telecom, que formou a maior operadora de telefonia fixa do país; e a compra da Aracruz Celulose pela Votorantim Celulose e Papel (VCP), dando existência à maior empresa mundial de celulose de fibra curta e a quarta de celulose total. "Todo país que deu certo tem grandes empresas de controle nacional. Não tem como perder esse foco e é assim que a Dilma pensa", revela um amigo próximo da ministra.
Reservadamente, a amigos, a ministra Dilma Rousseff bate duro na abertura de capital da Petrobras, promovida em 2001 pelo governo Fernando Henrique. A operação levou a União a reduzir sua fatia na empresa a menos de 40% do capital total. Dilma considera a Petrobras uma empresa estratégica.
Ela acha que, se todo o capital da estatal ainda estivesse nas mãos do Tesouro, a companhia petrolífera seria a principal exploradora do óleo da camada pré-sal, não havendo necessidade, portanto, de criação de uma nova empresa 100% estatal para fazer isso. Apesar da posição crítica, ela reconhece que, atualmente, não há ambiente político para fazer no Brasil o que foi feito em outras nações produtoras de petróleo - a renacionalização da Petrobras.
Embora seja a candidata da situação, Dilma, dizem seus amigos e interlocutores, não faria do seu governo uma reedição da gestão Lula.
A ministra, atesta um colega de ministério, tem posição crítica quanto aos reajustes salariais concedidos pelo governo nos últimos seis anos.
"Ela tem espírito público. Acha que é melhor investir no Bolsa Família e em infraestrutura do que aumentar os vencimentos dos funcionários",
sustenta um ministro. "Numa gestão Dilma, não haverá essa largueza que tem caracterizado as ações do governo nessa área", diz uma outra fonte.
Numa entrevista recente, a ministra confessou que, em seis anos de Lula, faltou fazer a reforma do Estado. Ela repele, no entanto, a
ideia do choque de gestão apregoada pelo governador Aécio Neves em Minas Gerais. A ministra diz que gestão é processo. Para ela, gerir o Estado de forma eficiente não é demitir funcionários nem fazer cortes
lineares de despesas, mas introduzir mecanismos de planejamento, adequando o tamanho do aparato estatal às necessidades definidas por esse planejamento.
"Dilma tem uma visão de reconstrução do Estado que tende a ser predominante no mundo depois da crise financeira mundial", observa um importante assessor do Palácio do Planalto. Os exemplos concretos dessa visão já estariam presentes, segundo esse observador, em duas ações da ministra: a criação da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), responsável pelo planejamento de longo prazo do setor elétrico; e a concessão de oito rodovias federais, num processo que privilegiou o preço mais baixo a ser cobrado pelo pedágio, em vez do pagamento de outorga à União. "Ela pensa no Estado moderno, capaz de planejar, reter conhecimento e defender o interesse público", afiança um ministro.
Nesse ponto, Dilma, Serra e Aécio, apesar de algumas diferenças, têm pontos em comum. Os três defendem um Estado forte, embora não gigantesco, mas que tenha capacidade de investir em infraestrutura e em suas funções naturais - educação, saúde e segurança pública. Dilma, lembra um ministro, foi fundamental durante o processo que levou à diminuição no governo do "paloccismo" (isto é, da ortodoxia), nas palavras irônicas de um auxiliar do presidente Lula. Essa ação culminou no lançamento do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), destinado a investir em obras de infraestrutura, que, a longo prazo, aumentariam a capacidade produtiva do país e elevariam a produtividade da economia, permitindo que ela cresça a taxas mais altas.
Serra e Aécio, por sua vez, controlaram os gastos correntes e, com isso, também fizeram seus Estados investir, de forma recorde, em infraestrutura nos últimos anos. Além disso, em Minas Gerais, em seis anos de governo, Aécio incrementou em 127% os gastos com educação.
Na área macroeconômica, dos três pré-candidatos, o único que critica abertamente a herança econômica de Lula (e, portanto, de FHC) é José Serra, que se opõe às políticas monetária e cambial em vigor. Dentro do PSDB, Serra se alia aos desenvolvimentistas e aos economistas ligados à Unicamp, enquanto Aécio tem mais afinidades com o pessoal da PUC do Rio, que reinou nos oito anos de FHC e se manteve influente nos
seis anos de Lula (a PUC perdeu espaço na Fazenda, com a saída de Antônio Palocci em março de 2006, mas segue controlando o BC).
No ano passado, Aécio foi convidado a dar uma palestra no ninho do pensamento puquiano e também tucano - a Casa das Garças -, mesmo local onde esteve, alguns meses depois, o petista Antônio Palocci. Mesmo que Aécio não faça, por estratégia política, profissão de fé no receituário dos economistas da PUC, a expectativa, segundo inúmeros tucanos ouvidos pelo Valor, é que, se for eleito presidente, ele nomeará nomes conservadores para a Fazenda e o BC e dará continuidade à política econômica vigente há mais de dez anos. Durante a palestra da Casa das Garças, ele elogiou o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan e chamou de "mestre" o ex-presidente do BC Armínio Fraga.
"Aécio é um gestor moderno, que delega, mas que fica a par dos assuntos administrativos", elogia um tucano da PUC. "A turma da PUC certamente teria mais espaço com o Aécio do que com o Serra e a Dilma."
Dilma Rousseff, que no início do primeiro mandato de Lula criticava a política econômica herdada do PSDB, adotou um discurso pragmático, de manutenção do tripé macroeconômico (superávit primário-câmbio flutuante-metas para inflação) e de respeito à autonomia operacional do BC. Apesar disso, ela compartilha com Serra da mesma orientação intelectual. Ambos têm no professor Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp, um interlocutor privilegiado e ele próprio um crítico incisivo da política monetária. "Tente explicar a um marciano a diferença entre Serra e Dilma. É difícil", ironiza um amigo do governador.
"No fundo, o que o Serra questiona é a independência do Banco Central", comenta um representante da PUC. "O Serra não é um cara que brinca. Suas opiniões devem ser levadas a sério, mas, por outro lado, ele é um fiscalista radical, o que atenua a crítica ao restante da política. Com uma situação fiscal folgada, é mais fácil reduzir juros e administrar a taxa de câmbio", diz um economista tucano.