Anos 80: Geração perdida
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Anos 80: Geração Perdida
Anos 80: "sonhos de um sonhador" - Foto: sandro Alves
Quem floresceu adolescência nos anos 80 e almejou firmar pé no seu tempo, fatalmente, deslizou, escorregou no tempo e na história. Quando os anos 90 entravam em cena. o adolescente dos anos 80 bradava: “Estou pronto para ser um moderno. Tenho a rebeldia, o senso da revolução, da inovação nas artes e da originalidade em mim!” John Lennon e Glauber Rocha morriam na entrada da década de 80. Os mais experientes cantavam:
Anos 80
Hey! Anos 80!
Charrete que perdeu o condutor
Hey! Anos 80!
Melancolia e promessas de amor
Melancolia e promessas de amor...
[...]
Hey! Anos 80!
Charrete que perdeu o condutor
Eu disse: Hey! Anos 80!
Que esperança
Sonho de um sonhador!...
(Raul Seixas e Dede Caiano)
Ana Maria Baiana comenta, em entrevista sobre o seu Almanaque dos anos 70, que essa década foi a última na qual foi possível palavras como rebeldia e ideais serem pronunciadas com crença e sentido. Arnaldo Jabor, no filme de Sílvio Tendler sobre Glauber Rocha comenta que grande cineasta e pensador não sobreviveria nesses tempos de consumismo e hipocrisia em que vivemos. Jabor fala algo como: “A revolução, a idéia de revolução acabou, não faz mais sentido, não existe mais”.
El cid no Tunel dos Vestigiuns - Foto: Sandro Alves
Eu, Sandro Alves Silveira, lá pelo final dos anos 80 e início dos 90 (do século XX, claro!), completando minha segunda década de existência e insistência nesse vácuo de sentido que chamamos vida, me sentida preparado para ser um moderno. Alguma coisa entretanto me incomodava, como um enxame discreto de abelhas nos ouvidos: não está dando certo, não está colando ser original; não estou conseguindo inovar; estou correndo, correndo sem chegar a lugar nenhum... será isso?
século xxi
Há muitos anos você anda em círculos
Já não lembra de onde foi que partiu
Tantos desejos soprados pelo vento
Se espatifaram quando o vento sumiu
Você vendeu sua alma ao acaso
Que por descaso tava ali de bobeira
E em troca recebeu os pedaços
Cacos de vida de uma vida inteira
Se você correu, correu, correu tanto
E não chegou a lugar nenhum
Baby oh Baby bem vinda ao Século XXI
Você cruzou todas as fronteiras
Não soube mais de que lado ficou
E ainda tenta e ainda procura
Por um tempo que faz tempo passou
Agora é noite na sua existência
Cuja essência perdeu o lugar
Talvez esteja aí pelos cantos
Mas está escuro pra poder encontrar
Se você correu, correu, correu tanto
E não chegou a lugar nenhum
Baby oh Baby bem vinda ao Século XXI
(Raul Seixas e Marcelo Nova)
Pouco antes de morrer, no último ano da década de 80, Raul Seixas compôs Canção acima. Caro leitor do bolso, já ouviu falar em pós-modernidade, modernidade tardia, super-modernidade e coisas desse tipo? Até que ponto temos uma noção do tempo em que estamos e do que desempenhamos em nossas vidas? Alguns artistas como Raul Seixas e Tom Zé nos ajudam a ver que as charretes perderam os condutores, mas que ainda sabemos cantar e criar (Tom Zé em defeito de fabricação). O meu artigo publicado aqui, “Chute no saco da classe merda” é fruto de um ímpeto que oscila entre o desespero do desejo e, sem modéstia, a coragem, de perscrutar os vestígios do que um dia foram os ideais de rebeldia e contestação e o conceito de revolução. Continuamos no artigo Geração perdida: Anos 80 2, o retorno dos que não foram.
Sandro Alves Silveira
Fotógrafo, inquieto e Mestre em Teoria e História da Arte (UnB – IdA)