Como Esse Cara Consegue Tocar a Gente Assim? (2025)

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"Por que esse cara consegue tocar a gente assim?"

(Alice, da SQS, 1981, ano 213 depois da era insossa)

Em 1986, uma amiga minha voltava de Mariana, em Minas, perto de Ouro Preto. Eu então corri até ela com o vinil Lóki?, do Arnaldo Baptista, na mão. Ela arregalou os olhos e disse:

— Eu conheço! Eu adoro, amo o som dele!

Fiquei uma fração de segundo em catalepsia e logo explodi de prazer. Aquele prazer adolescente de uma identificação sem tamanho com os melhores amigos. É, nessa fase existem melhores amigos. Foi incrível. Compartilhamos sentimentos e emoções a uma distância de mais de mil quilômetros, praticamente sem nos corresponder. A única carta, que eu me lembre, foi quando enviei a ela uma versão bilíngue de She’s Leaving Home, dos Beatles.

Arnaldo Baptista é um daqueles artistas que entram na vida das pessoas, nos seus corações, nas suas almas e pensamentos. Alice, minha amiga, que havia saído de casa para lidar melhor com um luto, ouvia Arnaldo o tempo todo. Eu também. Então, logo marcamos um vinho lá na casa dos meus pais, que estavam viajando.

Foi então que, enquanto tocava Singin’ Alone, ela falou:

— Como esse cara consegue tocar a gente assim?

Por mais que eu tente escrever um bom texto sobre essa capacidade universal da obra de Arnaldo de tocar fundo, intensamente, as pessoas com sua música, o leitor só vai sentir no corpo inteiro — com muitas imagens, desejos, dores e tudo que há de poético — o som-alma de Arnaldo Baptista se ouvir ele cantando e tocando.

Este texto é uma história sobre a música de um artista que tocou de maneira única e arrebatadora uma pequena quantidade de fãs entre os anos 1970 e 1980. Nos anos 90, começou a ficar mais conhecido e, no século XXI, alcançou fãs no mundo inteiro. Os nomes mais famosos são Sean Lennon (filho do ex-Beatle), Kurt Cobain (Nirvana) e David Byrne (ex-Talking Heads).

Em uma canção chamada Sunshine, Arnaldo lança o slogan dos slogans, um meta-slogan:

Tudo, tudo isso!

É melhor e não faz mal!

Ele quer assistir ao nascer do sol, “antes do último comercial”:

I'm gonna see the rays of the sunshine

Antes do outro comercial

E baseado num céu genuíno

Estrear no carnaval

Duas sequências de acontecimentos, de imagens:

De um lado, a sequência do sol surgindo, quadro a quadro, no horizonte, ascendendo e acendendo os céus.

De outro, as sequências de 30 quadros por segundo na televisão, comercial após comercial, intercalados pelos intervalos programáticos.

A linearidade, muitas vezes, não propicia uma viagem que se afeiçoe ao psicodélico. Já perto do final da letra, Arnaldo cria uma montagem entre dois estilos de textos, clássico e coloquial ao mesmo tempo:

Como vai você ? Tudo bem?

Assistiu o futebol, áuuu!!!!

Podes crer, tudo bem, tudo, tudo, tudo isso, é melhor e não faz mal

A montagem, a colagem, é entre dois mundos que se encontram na palavra:

Um bate-papo cotidiano, a conversa que não vende nada, que apenas passa o tempo enquanto o tempo passa. Também une, de certo modo, as pessoas que se encontram pelas ruas: “Como vai você ? Tudo bem? Assistiu o futebol, áuuu!!!!

O meta-slogan, uma metalinguagem satírica e até debochada dos slogans publicitários: “Tudo, tudo isto, é melhor e não faz mal.”

A oposição entre a fala na porta da padaria, perguntando sobre futebol, e o slogan dos slogans dialoga com a relação entre a sequência do sol ascendendo aos céus e a sequência dos comerciais na TV.

Mas Sunshine não era o nome de um dos melhores LSDs dos bons tempos da psicodelia? Arnaldo grita já ao fim da canção:

"I wanna, I wanna see the rays of the sunshine!"

Bem, qualquer interpretação dessa letra acaba se voltando para si mesma, como em uma viagem de autoconhecimento.

(Análise de Sandro Alves Silveira)

 

 

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