Fogo
na Figueira
(Paulão de Varadero)
Serraram a figueira quarentenária
da minha infância inteirinha!
A árvore mais frondosa, a mais alta e linda da Rua da Igrejinha!
Disseram que foi por ordem do Ministério Público...
Que mistério!
A ordem pública corria irreparável risco de vida...O
"risco verde"
Os meninos de rua (sempre eles!) colocaram fogo dentro da árvore
Os mendigos bebiam, fumavam e dormiam à sombra daquela
figueira
O jardineiro me contou que a Terracap ainda queria preservá-la
Mas o promotor do Ministério Público nem ligou,
mandou cortá-la
A figueira teria que ser abatida :"a ordem é p'ra
ser cumprida!"
A ordem pública estabelecida, (reza a lei), jamais será
rompida!
Ordem concedida e recebida , 40 dias de derrubada empedernida
Tratores, moto-serras, machados, Corpo de Bombeiros, arboricidas
Fiquei triste como Augusto, o tenebroso e lúgubre poeta
paraibano
"Vês! Ninguém assistiu ao formidável
enterro de tua última quimera
Somente a ingratidão, essa pantera, foi tua companheira",
ó figueira!
"Não corte essa árvore, meu pai! Essa árvore
possui minha alma"
"O MP tem razões, que a própria razão
desconhece!"
O promotor sentenciou: "Todas as árvores do campo
saberão que sou eu,
o Senhor Doutor, que abate a árvore soberba e exalta a
árvore sêca,
Seca a árvore verde e exalta o humilde arbusto"...
Deus nos livre dos rigores dos promotores!
Deus nos livre das moto-serras, dos machados e dos tratores!
Serraram a figueira da minha infância todinha...
A figueira mais frondosa, a mais bela e generosa da Rua da Igrejinha!
Caros
Amigos:
Vocês
não fazem idéia do que significava aquela árvore
pra nós, que aprendemos a caminhar desde menino pela Rua
da Igrejinha, não por acaso, a única que preservou
o nome de Rua em Brasília, ao invés das outras entrequadras
com nomes de números e letras. De baixo daquela figueira
passei milhões de vezes embevecido, no rumo da igrejinha,
desde mininu, onde ia ouvir do padre o que era pecado. E eles,
nem ninguém, não fizeram nenhum movimento de protesto,
nem religioso, nem ecológico, nem espiritual, nem temporal,
nem profano, para evitar o corte da minha figueira domingueira,
por onde eu passava quando andava p'ra assistir a missa, buscando
o sagrado, sem saber que sagrada era a figueira do éden
da minha infância e inocência perdidas! Um abraço
do Paulão, que ficou mais cético sem a figueira
da Rua da Igrejinha.