Quem
ficou com a
tua alma Jim Morrison?
Mário Pacheco
Princípio
da sessão: curar a enfermidade. Um estado de
ânimo podia apoderar-se de um povo agoniado por acontecimentos
históricos ou morrendo em uma paisagem viciada. Tratam
de liberar-se do destino, a morte, o terror. Buscam a possessão,
a visita dos deuses e os poderes, uma reconquista da fonte da
vida em mãos dos demônios. A cura não se arranca
do êxtase. Curam a enfermidade ou evitam seu aparecimento,
reestabelecem os enfermos, e recuperam a alma, roubada.
(Jim Morrison)
Parágrafo retirado
do livro, "Necrocídio" (40 jours et 52 photographies
dans les cimitières de Paris de Ezio Flavio Bazzo)
Paris
ardia em calor, era 3 de julho de 1971, na banheira de seu apartamento
o corpo de Jim Morrison, descansava inerte e com um sorriso sinistro
na face barbeada.
Era o fim meu amigo e a entrada
definitiva para a "Galeria dos Mártires do Rock".
O corpo nunca foi visto, seu caixão
selado e acompanhado de uma certidão de óbito assinada
por um desconhecido. Não houve autopsia, nem relatório
policial, nenhum médico presente apenas a palavra de Pamela
Morrison de que Jim Morrison havia falecido.
Mais uma vítima das drogas?
Ataque cardíaco ou teria simulado a própria morte?
Enigma levado para sua campa no
cemitério Père Lachaise em Paris e preservado por
Pamela que morreria três anos mais tarde de uma overdose...
Nesse quebra-cabeças, sabemos
que desde garoto, Jim Morrison possuía uma lesão
cardíaca e na véspera de sua morte comprou heroína
pura nas imediações do "Rock'n'Roll Circus",
ponto de encontro dos "junkies" franceses que depois
da morte de Morrison seria fechado e na sua lápide alguns
grafites revelam: "Injetem" e "Tenham piedade dos
drogados". Em uma seqüência lógica a banheira
seria o lugar à mão para tentar reanimar uma vítima
de overdose.
Desde a fase heróica dos
Doors, Jim Morrison planejava sua morte, uma idéia que
tomou força quando Brian Jones morreu, já outros
sonhadores afirmam que Jim Morrison estaria vivo no interior da
França criando cabras com um marca-passos atado ao peito.
A realidade é que Jim Morrison
faleceu e teve uma fotografia sua devidamente surrupiada do Necrotério
francês publicada no raríssimo livro "Pesadelos
do rock" de autoria do crítico americano, John Mendelsohn.
James Douglas Morrison, nasceu em
Melbourne, na Flórida em 8 de dezembro de 1943, primogênito
das três crianças que o casal George Steve e Clare
Morrison tiveram.
Sua infância seria marcada
pela ausência do pai, um militar da Marinha em ascensão,
e pela falta de autoridade paterna aliada à vida nômade
que a família levava nos anos 50. Tudo se refletiria na
vida de Jim Morrison explicando o seu gosto pelas viagens e a
sua rebeldia contra o Sistema.
Um aluno exemplar que sempre falava
nas horas erradas e que tinha o desenho como hobbie; esboços
grotescos e complicados tingidos numa aura de sexualidade aliado
à colagens de histórias em quadrinhos retiradas
dos jornais.
Gênio precoce! Sabia tudo
sobre literatura e poetas, elevando seu conhecimento e superando
o de seus mestres. Depois de ler "On the road" de Jack
Kerouac, ele devorou Nietzsche, Céline, Rimbaud, Michael
McLure e outros escritores "beat" ou malditos. Balzac
e Freud o influenciariam e vários livros ingleses de Demonologia
dos séculos 16 e 17.
Jim Morrison tirou cursos influentes
como "Filosofia do Protesto" e "Psicologia das
Massas", estava se tornando um escritor guardando diários
e cadernos de apontamento onde registrava observações,
pensamentos, fragmentos e parágrafos de livros.
Dispensado do Exército, deixou
tudo para trás. Em janeiro de 1964, começariam suas
aulas de "Arte Dramática" na UCLA (Universidade
da Califórnia), também assistiu aulas sobre cinema,
atuou em peças teatrais, andou pelas alamedas do campus
e estudou longas horas sozinho em seu pequeno apartamento ou nas
bibliotecas, passou o tempo escrevendo ensaios sobre o cinema
que mais tarde seriam publicados em seus livros.
Perto da graduação,
magoado com a desastrosa recepção de seu filme abandonou
a UCLA mas não esqueceu o cinema. Jim Morrison nem esperou
pelo diploma. Desse fato, surgiria a semente de um grupo musical:
"As portas abertas e fechadas", inspirado nas mostras
de poesia e de concursos de música folk.
Ainda no Campus, Jim Morrison conheceria
o organista Ray Manzerek que tinha uma banda com seus irmãos
e atuavam nas proximidades do Campus. Tempos depois em junho de
1965, eles voltariam a se encontrar na praia de Venice e Jim Morrison
revelaria seus concertos mentais e cantaria os versos de Moonlight
Drive: Vamos nadar par o luar / Vamos içar a maré
/ Penetrar no fundo da noite / Que o sono da noite esconde.
Depois de ouvir essas estrofes Ray
Manzerek apoiaria Jim Morrison, e nasceria o conceito dos Doors
que no início contariam com os irmãos de Ray Manzerek
e em seguida seriam substituídos por Robbie Krieger na
guitarra e John Desmonre na bateria ambos dissidentes do Psychedelic
Ranger outro grupo da Califórnia e freqüentadores
das meditações do Maharishi.
Em
cena: caústico, feroz e agressivo
Os
Doors se tornaram lendários pelas apresentações
cáusticas, ferozes e agressivas do Mr. Americana Dream
Jim Morrison, filho espiritual de Elvis Presley e James Dean.
De Elvis herdaria o tom vocal incorporando o fogo e a paixão
em suas interpretações fruto literário dos
poetas malditos e de James Dean o comportamento rebelde e autodestrutivo.
Sua aura sensual e elementos teatrais
mesclados ao seu estilo extravagante, aliado ao som hipnótico
dos Doors fariam dele um artista completo, um homem que antes
de entrar no palco, mordia os dedos até sangrarem.
Em suas primeiras interpretações
no Wiskey A-Go-Go, o comentário era de que "o cantor
é doido" e Jim provaria ao surpreender a todos cantando
a versão definitiva de The End, acrescentando
os versos edipianos que nem a banda conhecia e fazendo com que
eles prosseguissem na improvisação, já que
a canção anteriormente era de amor. Father! Yes
son? I WANT TO KILL, MOTHER I WANT TO FFUUUCKKK YOOO!
Phil Tanzini, ex-cana e agora dono
do Wiskey, teve todo o sangue de sua cara voltado para o coração
que disparou em acelerada batida, dele ecoaria "Os Doors
nunca mais entrarão aqui novamente, nem pagando".
Foi a última vez que eles tocaram lá, conta a lenda.
Depois de contornada a crise financeira
e com o disco gravado, tocam no Fillmore e hipnotizam a platéia
que se comprimi na borda do palco para ouvir Light my fire
de Robbie Krieger e Jim Morrison repetiria o fato no Ciro's em
Sunset Strip. Rodando, rodopiando, saltando e atirando para cima
o microfone, hasteando o suporte no ar e encarnando um índio
durante a dança do Shaman.
E
o poeta embriagado insultava o mundo
Suas
loucuras continuavam e agora Jim Morrison trocava o ácido
pelo álcool. A última do cantor era simular um acidente
caindo em cima da platéia durante o show, ou usando a "pausa
da gravidez" uma infiltração de silêncio
que durava até 4 minutos durante a execução
deixando o público louco e quando este estava prestes a
explodir, Jim Morrison acenava e a música recomeçava
para alívio de todos.
Para apresentarem-se no programa
de Ed Sullivan, os Doors sofreram uma censura: não podiam
cantar a palavra higher (mais alto) durante a interpretação
de "Light my fire", nos ensaios Jim Morrison aceitou
e omitiu a palavra, mas durante a transmissão ele inseriu
o verso original "Garota não poderíamos fica
mais altos". E Ed Sullivan ficou desagradado, quando questionaram
a Jim Morrison porque tinha feito isso, ele respondeu que na excitação
se esqueceu...
Mudando de palco, os conflitos continuaram
e em 1968 durante o show em New Haven - Connectitut, ele seria
preso no palco, com a polícia tomando-lhe o microfone das
mãos, houve um incidente antes do show, um policial o agredira
com um spray nos olhos, em represália pelo relacionamento
de Jim Morrison que procurava um pouco de privacidade para ele
e uma garota. No palco usando um andamento lento, Jim Morrison
usou o blues-talking para descrever o ocorrido, referindo-se ao
policial como um "homenzinho de roupa azul e boné
de um típico porco". Os canas ficaram "lixados"
e o prenderam por exibição indecente e imoral.
Maio. Os Doors estão em Chicago,
um grande aparato se faz presente para garantir o concerto, em
uníssono a multidão acompanha o refrão de
When the music's over e todos gritam: "Queremos
o mundo, e o queremos agora!". A platéia invade o
palco e algumas prisões são efetuadas.
Julho. Os Doors adentram o Hollywood
Bowl e se superam, Jim Morrison se transforma no Rei Lagarto usando
suas calças de couro negro e arrebata a multidão
com a dança do Shaman e o clímax de delírio
é atingido durante a execução arrebatadora
de The End. O show é todo filmado para a posteridade.
Do outro lado do Atlântico,
a Europa aguarda, e em outubro de 1968, os Doors invadem a Inglaterra
conseguindo um sucesso inqualificável no íntimo
Teatro Roundhouse, a imprensa e a audiência de 2.500 pessoas
os recebem como a América tinha recebido os Beatles em
1964.
A TV Granada aproveita o momento
e filma o documentário "The Doors are open",
fundindo passeatas e agitos políticos de 68 com a apresentação
dos Doors no Roundhouse. "O show no Roundhouse talvez tenha
sido o melhor de nossa carreira", afirmaria o cantor.
Desordens e prisões, na volta
ao lar, a glória acontece quando se exibem no Madison Square
Garden e depois viria Miami, primeiro de março. Local:
Dinner Key Auditorium, um dia que marcaria negativamente a carreira
dos Doors, em duelo travado com a platéia Morrison confessa
seus problemas, fala de amor, se diverte e dirige impropérios
a platéia, o ápice foi a simulação
de que tiraria a roupa, depois simularia fellatio e masturbação,
ainda posaria para fotos com um cordeiro no braço e jogaria
o chapéu de um policial para a platéia que não
reagiu e nem invadiu. A mídia se aproveitaria do acidente
e moveriam uma campanha a favor da boa moral e contra os costumes
de Morrison, a Moral Sulista foi ofendida e alguém teria
de pagar e esse alguém era Morrison. Acusado de comportamento
impudico e lascivo, o FBI, expediu mandato de prisão e
após pagar 500 dólares de fiança, sai em
liberdade. É condenado a seis meses de prisão, além
de pagar uma caução no valor de 50.000 mil dólares,
decisão de um juiz que mais tarde descobriria-se seu envolvimento
em corrupção. A defesa apelou e um novo julgamento
seria marcado, um processo que se arrastou por dois anos e teria
fim com a morte de Jim Morrison.
Os Doors são banidos das
rádios, seus concertos cancelados e eles partem para dois
concertos no México, e a pedido da platéia, no segundo
show interpretam "The End", já que o México
é um país edipiano por natureza.
Conseguem novas datas nos Estados
Unidos e dessa vez não acontece nada, pois os Doors tinham
uma cláusula em seu contrato alegando que se houvesse qualquer
obscenidade teriam que pagar uma pesada multa.
Os Doors voltam a se apresentar
durante o Festival da Ilha de Wight, o som dos Doors ideal para
teatros é ideal para teatros e não para uma arena,
além de Morrison estar visivelmente cansado depois de 36
horas de vôo sem dormir. Por fim ele declararia que essa
foi a sua última apresentação pública
com os Doors.
No seu vigésimo-sétimo
aniversário, escolheu como presente recitar e gravar alguns
poemas, eufórico pelas suas leituras concordou em exibir-se
ao vivo com os Doors mais uma vez. O resultado foi satisfatório,
um sucesso que esgotou suas energias em Dallas. Na apresentação
seguinte em New Orleans sua vitalidade sumiu e a barra pesou,
a platéia sentiu e foi uma tragédia a apresentação
tornando-se definitivamente a última vez que os quatros
se apresentaram juntos.
Jim Morrison conscientizado que
estava sendo explorado e comercializado como um símbolo
sexual, escondeu o rosto através de uma espessa barba,
engordou sensivelmente, se enterrou na bebida, e envelheceu sensivelmente
em poucos anos além de escandalizar a América.
Em março de 1971, por necessidade
de se afastar dos amigos e da idolatria e com o contrato cumprido
com a Elektra, pois havia terminado as sessões de "L.
A. Woman", ele partiu para reorganizar sua carreira e perseguir
uma fantasia literária.
Em Paris, na companhia de Pamela,
escreveu novos poemas, tinha planos de residir e exibir seus filmes
na França e dar os retoques finais no livro The Lords e
The New Creatures.
Em plena atividade acabou morrendo,
morreu de ROCK, de idolatria, do excesso e traumatizado pela sua
condição de símbolo sexual acabou ficando
impotente, deixando uma obra sem igual e o mito do jovem rebelde.
Partiu aos 27 anos, para ser eterno,
afinal a soma de 2+7, resulta em 9, o número da Eternidade
segundo a Mitologia. Morrison foi declamar na companhia de amigos:
Janis, Jimi, Brian Jones e outros...
Em 1981, passados dez anos de sua
morte, os sobreviventes dos Doors voaram para Paris e diante de
uma pequena multidão, Ray Manzerek, brindou à morte
derrubando uma garrafa de vinho sobre o túmulo de Morrison
num estranho ritual, terminando por perguntar: "Vocês
acreditam que ele realmente esteja aqui???"!!!
Sobraram ótimos LPs póstumos,
como "An American Prayer", as poesias de Jim Morrison
musicadas pelos Doors, lançada em 1978, o "Greatest
Hits", uma coletânea de 1980, projeto conjunto onde
os Doors remixaram e editaram um repertório calcado em
rocks mais ritmados, deixando os clássicos de fora.
Já o ao vivo "Alive
She cried", de 1981 conseguiu bater todos os recordes de
vendagem nos Estados Unidos, derrubando das paradas o LP "Tatoo
You", lançado pelos Rolling Stones naquele ano, e
segundo pesquisas são vendidas 300 mil cópias anuais
de discos dos Doors só nos Estados Unidos!
O orçamento inicial do documentário
"Dance on Fire" era de 500 mil dólares, e foram
inseridos novas imagens para novos clips, promo-vídeos
inéditos como "The Unknown Soldier" feito em
68 e proibido até a realização do documentário,
e cenas de Morrison dançando o Shaman, sendo preso em pleno
palco, cenas das platéias invadindo o palco, apresentações
dos Doors nas tevês, inclusive uma na Europa (Dinamarca)
e a famosa apresentação no programa de Ed Sullivan,
e como brinde a apresentação arrebatadora de The
End no concerto do Hollywood Bowl.
Tudo retirado das 400 horas de material
existente nos arquivos privados do grupo.
E a proscissão segue, pois
o último lançamento foi a coletânea "The
Doors Classics" e há o projeto do diretor, Brian de
Palma em filmar a vida de Jim Morrison, usando para o papel principal
John Travolta. George Steve, o pai de Morrison autorizou. Agora
faltam as questões de direitos autorais.
Enquanto eles acertam... O melhor
mesmo é mergulhar nos 6 LPs de estúdio e nos dois
álbuns ao vivo e esperar pela WEA, uma reedição
de toda a obra dos Doors, e que tenham pelo menos uma prensagem
maior e melhor distribuição. Porque encontrar discos
dos Doors, é a maior raridade, desde os 70!
Texto
originalmente publicado no fanzine Rock'n'Roll News. Nº15.
9 jul. / 1986. Guará Rock City.