Janis Joplin, a branca de voz mais
negra
(Mário Pacheco)
“Eu estava completamente nua,
com minha cuca dopada de heroína e a mulher que estava deitada
entre minhas pernas, me chupando, era Janis Joplin”. (Peggy Caserta). É assim que começa o primeiro
capítulo de uma das mais repulsivas biografias de Janis, escrita
por uma de suas supostas amantes.
Existem mais livros sobre
essa cantora incendiária e insubstituível. Um belíssimo e longo
volume assinado pelo jornalista David Dalton, "Janis",
e um outro, já publicado no Brasil pela ‘Civilização Brasileira’,
"Enterrada viva" de autoria de Myra Friedman — espécie
de Janet Clair americana. Lendo os três basta, pois o importante
mesmo é ouvir os seus sete petardos e o disco póstumo "Farewell
Song".
Janis
Lyn Joplin — nasceu a 19 de janeiro de 1943, sob o signo de
Aquário em Port Arthur, uma cidade petrolífera no Texas. A maior
parte de sua infância, Janis foi uma menina solitária e complexada
por ser excessivamente robusta.
Aos 14 anos Janis assustava os
moradores de sua cidade e revolucionava chocando as pessoas
com suas roupas extravagantes e gosto por coisas diferentes,
e tinha, como resultado, poucos amigos.
Janis era quieta, introspectiva,
sozinha. E esperava que algo mudasse.
“Eles me marginalizaram na escola,
na cidade e finalmente, em todo o Estado”.
Em 1960, Janis tornou-se uma admiradora
dos ‘blues’ descobrindo Leadbelly e Bessie Smith, a qual foi
responsável pela razão de Janis ter começado a apresentar-se
em um barzinho regularmente, acabando por conquistar uma fama
local. Ainda na Universidade, Janis descobriu que a vida universitária
não lhe agradava e junto com um amigo Travis, decidiu voltar
para San Francisco com ele. Em San Francisco durante os cinco
anos em que lá esteve, Janis tornou-se uma figura extravagante,
que gostava de muita loucura e não se importava com nada. Nesse
tempo ela cantava e tocava harpa, apresentando-se em bares e
clubes de música ‘folk’. Ainda neste mesmo 65, ela retornou
para casa e recomeçou a estudar na Universidade. Chet Helms
passou a organizar as primeiras festas hippies e tornara-se
empresário do ‘Big Brother and Holding Company’, quando surgiu
então uma vaga de vocalista e Chet convenceu-os de que Janis
era a pessoa certa. A pedido de Chet Helms; Travis retorna ao
Texas, visita Janis, convencendo-a fazer parte do Big Brother.
Em sua primeira aparição, em 1966,
Janis conquistou o público com a sua voz excepcional, surpreendendo
pela sua força, calor e sentimento.
No início de 1967, o ‘Big Brother’
figurava entre os melhores grupos da cidade ao lado de grupos
como: Grateful Dead e Jefferson Airplane. Tudo isso devido à
voz de Janis que estava mais selvagem, alta, áspera e gutural,
Janis gritava, arranhava, seduzia e explodia junto com os amplificadores
do Big Brother.
A Mainstream, uma pequena editora
musical de Chicago fez uma oferta para que o Big Brother, gravasse.
O nome do primeiro álbum foi "Big Brother and Holding Company",
e o seu lançamento ocorreu depois de 1967, com a participação
da banda no Festival Monterey Pop, um excelente golpe publicitário,
a banda foi aclamada e aceita assim como o novato; um certo
James Marshall Hendrix. E o disco vendeu uma quantidade fantástica
de cópias.
O segundo disco "Cheap Thrills"
será lançado pelo gravadora Columbia, e os caminhos estavam
abertos para Janis. "Cheap Thrills" lançado em setembro
de 1968, logo de saída vende mais de um milhão de cópias. Ao
lado de clássicos como: Ball and chain, que consagrara a banda
em Monterey Pop, o disco gravado parte em estúdio e ao vivo
– trazia também o revolucionário arranjo eletrificado para o
Summertime, dos irmãos Gershwin. Na capa, desenhos do papa dos
comix, Robert Crumb, refletias bem o tom underground da banda.
Contudo... Como geralmente acontece,
juntamente com o sucesso começaram as complicações, nas apresentações
ao vivo Janis balançava as plumas e pulseiras enquanto sua voz
penetrava na mente de todos. Sedas e cetins delineavam seu busto
enquanto ela gemia ao microfone. Gradualmente todo o conjunto
ia apagando-se mais e mais atrás de Janis. O empresário Albert
Grossman, que tinha assinado contrato com eles em janeiro de
68, e tendo trabalhado com nomes como: Bob Dylan, e Peter, Paul
and Mary, fez a cabeça dela pra que abandonasse o conjunto,
segundo ele bastante aquém do potencial da cantora, e partisse
rumo à carreira solo.
O último concerto de Janis e o
Big Brother foi com o Family Dog, de Chet Helms. Depois das
dificuldades para formar uma nova banda; surgiu a Kosmic Blues
Band, tendo Sam Andrew (do Big Brother) na guitarra-base; Bill
King, órgão; Marcus Doubleday, trompete; Terry Clementes, sax
alto (ambos anteriormente do Eletric Flag e Buddy Miles Express;
Brad Campbell, contrabaixo e Ron Markowitz, bateria).
Excursionaram até dezembro de
1969, mas nunca passaram de uma banda de fundo de palco, sem
conseguir recriar o clima mágico das apresentações de Janis
com o Big Brother. Se os resultados artísticos dessa mudança
não decepcionaram, no nível pessoal, Janis em momento algum
se declarou satisfeita. Sem o apoio dos velhos parceiros – apenas
o guitarrista Saw Andrews, a cantora passou a viver uma fase
de total desestruturação, o que nem o sucesso do LP "I
Got Thel Ol’Kosmic Blues Again Mamma", conseguiu equilibrar.
Os críticos diziam que Work me Lord e One good man tinham toda
essência da rudeza e da súplica de Janis. Mas, por tudo isso,
sua voz não tinha crescido, e os críticos começaram a perguntar
se ela estava perdendo a voz.
No início de 1970, Janis visitou-nos,
para curtir umas férias terapêuticas, no Copacabana Palace,
no Rio de Janeiro, onde ela conheceu um americano barbudo que
logo se tornou seu noivo. Janis adorou o desfile das escolas
de samba, e ao mesmo tempo tentou esquecer as drogas e a preocupação
de viver uma vida menos difícil. Muito pouca gente, aqui reconheceu
a rainha dos ‘blues kósmicos’, e os comentários na imprensa
se limitaram à sua “feiúra” e “roupas extravagantes”.
Em meados de abril, Janis reapareceu
com Big Brother and Holding Company (e Nick Gravenites) no Filmore
West, tocando todos os seus números antigos. Em maio, ela formou
a sua ‘Full Tilt Boogie Band’, um conjunto que incluía John
Till, guitarra-base; Brad Campbell, contrabaixo; Richard Bell,
piano; Ken Pearson, órgão e Clark Pierson, bateria.
A primeira apresentação da banda
foi no dia 12 de junho de 1970, no Freedom Hall, em Louisville.
Ela cantou blues em sua forma mais crua e mais sentida, a sensualidade
envolta em cetim brilhante, que cantaria até cair.
Em setembro, eles tinham voltado
de uma excursão pelo Canadá e entraram no estúdio para gravar
as faixas do LP "Pearl", que Janis não chegou a ver
editado. "Pearl" incluía duas faixas escritas por
Janis Mercedes Benz e Move over, a memorável Me and Bobby McGee
de Kris Kristofferson, e uma que dizia tudo o que havia para ser dito sobre Janis,
Get it while you can. Todos eram números mais vagarosos do que
os anteriores.
Desde
o início de sua carreira profissional – em parte por imposição
de seu empresário Albert Grossman – Janis vinha tentando se libertar
do seu antigo vicio: a heroína.
Na época
da Full Tilt, ela era uma ex-viciada, recuperada por um tratamento
a base de metadona. Mas Janis voltou ao vicio secretamente. E
no dia 4 de outubro de 1970, Janis errou na dose. Alguns falaram
em suicídio. Outros pensaram apenas acidente. Mas
foi seu último incidente. Assim então a música-pop sofria um violento golpe, jamais
refeita.
ORIGINALMENTE PUBLICADO NO FANZINE
‘JORNAL DO ROCK - Nº 4’ – 12 fev. / 1983.
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