Leilão
de original é traição a Kafka
(Ézio Pires*)
A
vontade de Franz Kafka, manifestada em 1920, quatro anos antes
de sua morte, ao seu amigo e editor Max Brod, de que destruísse
todo o manuscrito de "O Processo", está definitivamente
contrariada. De Londres chega
a notícia de que no próximo dia 17 a casa britânica
Sotheby's colocará em leilão o manuscrito de
316 páginas, escritas com tinta preta em um velho livro
de notas, contendo as correções, borrões
e partes escritas em taquigrafia.
E a vida continua, cada vez
mais kafkiana nos seus lances do absurdo. Nem Kafka na criação
de seu universo de homem solitário, pobre de grana,
sensível e tuberculoso, ao escrever seus contos, suas
novelas, romances e outras histórias de angústias,
não poderia imaginar que seria tão traído
na sua vontade póstuma. Não cumprindo a promessa
ou o pacto de queimar ou destruir, por outros meios, o manuscrito
de "O Processo", o editor alimentou apenas a certeza
de ganhar dinheiro, sabendo que o morto não cobra.
"Fique com estes escritos que devem ser destruídos
logo após a minha morte", pediu Kafka a Brod.
É uma história
dramática em que a única certeza é a
dúvida kafkiana: Max Brod, que deidiu conservar o manuscrito
de "O Processo" e outros papéis de Kafka
seria o quê? Um editor "amigo" ou "amigo"
editor? Este editor conta sua história de perseguido,
que abandonou a Tchecoslováquia para escapar dos nazistas.
Foi em 1956 que fugiu de Israel, temendo uma guerra árabe-israelense.
Depois em 1961 surgiu a notícia de que Max Brod, que
ainda vivia carregando por toda a parte os papéis de
Kafka, decidira fazer uma doação da maioria
dos escritos à biblioteca de Oxford, menos o manuscrito
que lhe pesava na consciência.
Depois deste roteiro, o histórico
manuscrito, com a morte do editor de Kafka, caiu nas mãos
de um particular, cujo nome tem sido mantido em estranho segredo.
Por quê? Quem se recusa a revelar o nome da pessoa com
quem Brod teria deixado (será que deixou?) o manuscrito
é exatamente a Casa Sotheby's. A informação
que nos chega é a de que o manuscrito vai atingir o
maior preço já consegido até hoje por
uma obra de arte da criação literária.
Em Londres, a imprensa já
faz as suas previsões de que o tal manuscrito a ser
leiloado devrá superar em valor (preço) um volume
de poesia e prosa de M. B. Yeats, que fora adquirido há
dois anos pela quantia de 250 mil libras (correspondente a
Cz$ 180 milhões). Pela estimativas, os escritos de
Kafka vão valer na bolsa de literatura de Londres uma
grana superior a US$ 1,8 milhão (o que trocado em miúdos
de cruzados brasileiros, seriam Cz$ 563 milhões).
Não sei se ainda haveria
tempo para uma reação de todos os escritores
do mundo contra este negócio. O valor desta vontade
traída na não destruição de "O
Processo" é inestimável. Estes manuscritos
deveriam ser arrancados daquela Casa londrina, por meios civilizados,
para permanecerem em exposição pública
permanente. Esta exposição poderia ser em Londres
mesmo ou em outra parte qualquer do mundo, até quem
sabe? — em Brasília num de seus diversos
museus...
Um dos tradutores dos livros
de Kafka no Brasil, professor Modesto Carone, através
da imprensa paulista anunciou o lançmento para os próximos
dias, numa tradução diretamente do alemão,
das obras completas de Franz Kafka em que evidentemente "O
Processo". Carone não está contra o leilão,
como foi feita aqui a sugestão, mas entende que antes
deste tipo de negócio o documento "deveria ser
submetido a uma edição crítica feita
pela Universidade de Oxford, como já aconteceu em 1982
e 1983 com os dois outros romances de Kafka, "O Castelo"
e "A América" já relançados
no Brasil com o título de "O Desaparecido".
* Correio Braziliense
9 nov. / 1988.
Homenagem
A cidade de Merano,
no Alto Adige (Norte da Itália) confeccionou um inseto
de metal cromado de oito metros para homenagear os 70 anos
da morte de Franz Kafka (3 jul. / 1883 - 3 jun. / 1924). O
escritor tcheco morou na cidade durante três meses.
F. S. Paulo, 20 abr.
/ 1994.
Biblioteca de Kafka é reconstruída
em Praga
da Ansa, em Praga
3 jan. / 2006 - A biblioteca de Franz Kafka será reconstruída
fielmente em sua casa, na rua Siroka, na capital da República
Tcheca.
O antiquário alemão Herbert Blank recompôs
a coleção de livros e a vendeu à montadora
de carros Porsche que, por sua vez, decidiu doá-la
em maio de 2002 à Sociedade Kafka. Dessa forma, a Sociedade
Kafk obteve a biblioteca como um presente, que foi levado
da Alemanha para Praga.
Serão expostos 901 títulos, em edição
idêntica àquela dos livros e jornais que Kafka
leu durante sua vida, e cujos originais encontram-se preservados
na Universidade de Wuppertal, na Alemanha.