"José Agrippino de Paula e Maria Éster Stockler, anárquicos, em suas peças 'Rito do Amor Selvagem', 'Planeta dos Mutantes' e 'Tarzan III Mundo', mesclavam ritos, textos, danças e objetos sem nenhum pudor estético, levando uma atriz a declarar, na época, que a peça 'Rito' feria seu bom gosto. Utilizavam o primitivo e a alta tecnologia, o luxuoso e o despojado, madeira, plástico e acrílico, história em quadrinhos, o pop, o happening. Tudo isto e muito samba, rock e música eletrônica. Às vezes, teatro e, às vezes, dança”. (Mário Schenberg).

A 'Ilíada' na voz de Max Cavalera ou a face literária do tropicalismo
(Mário Pacheco)



      Se o filme “Terra em transe”, de Glauber Rocha, e a peça teatral “O Rei da vela” dirigida por José Celso Martinez Corrêa, foram saudados como ícones da arte pop produzida no Brasil Durante o ano de 1967, não podemos deixar de reverenciar o livro “PanAmérica”, desse mesmo ano, do escritor, dramaturgo, artista multimídia e também cineasta José Agrippino de Paula. Se a obra original de Agrippino não atingiu o grande público, através de seus textos, montagens teatrais, filmes e belíssimos curta-metragens, conseguiu chamar a atenção e influenciar os principais mentores do chamado movimento tropicalista.
     "Panamérica”, em suas páginas, narra as peripécias e casos amorosos de um cineasta em ação que está filmando “A Bíblia Sagrada” para retratar os personagens bíblicos, o autor usa todo um Olimpo Hollywoodiano, são os deuses da nova mitologia – Marilyn Monroe, Marlon Brando, John Wayne,
Cary Grant, Burt Lancaster etc. – e outras personalidades não menos mitológicas como é o caso de Cassius Clay, De Gaulle, Sinatra etc. Essas personagens interferem constantemente nos processos da filmagem que traz cenas repletas de atualidade, como helicópteros, supermercados e outras modernidades industriais de último instante.
     “Panamérica” foi considerado instigante pela crítica na época de seu lançamento, o uso da linguagem e da incidência pop são os argumentos inovadores que o escritor (leitor fiel de Homero e Platão) utilizou durante a narração dessa epopéia moderna.
     Reverenciado e redescoberto tardiamente nos anos 70 “Panamérica” (segundo e “último” livro de Agrippino) foi muito procurado em sebos e sempre não encontrado. O livro cult só seria relançado 21 anos depois de sua primeira edição. A obra e a década que a inspirou terminaram sacralizadas.
     José Agrippino de Paula é citado e saudado em duas canções do sempre visionário Caetano (Sampa – no verso: “PanAmérica de Áfricas utópicas” – e Gente). Já em parceria com Gil, Caetano ao lado de Maria Bethânia e Gal Costa musicaram e cantaram um trecho de um dos capítulos de “PanAmérica”: “Eu e ela estávamos ali encostados na parede” no álbum-duplo-ao-vivo “Doces Bárbaros”.
     “Não tive incentivo para continuar escrevendo, e não dá mais para continuar escrevendo por puro idealismo, ainda mais porque aquela chama da juventude desapareceu”. Zé Agrippino.

     Projeto de psicanalista põe Super-8 de volta nas mãos de José Agrippino de Paula


 
    
     1975. De volta ao Brasil, passam a viver na Bahia, perto de Arembepe, experimentando a vida coletiva. Aí rodam "Céu sobre Água", um filme poema com inesperados efeitos sobre a água e o céu da Bahia.
     "Céu sobre Água", com takes impressionistas das águas de Arembepe, mostra-nos uma mulher grávida, uma criança e a natureza. "É o filme mais hippie que conheço, talvez o único". (Rubens Machado).
     Cinco anos depois diagnosticado como um agudo caso de esquizofrenia. José Agrippino de Paula vagava pela av. Angélica como um sem teto. 

     Um sábado em novembro de 2003, na sua casa no município de Embu, José Agrippino de Paula, recebe de presente, uma câmera Super-8 mm de marca Canon 814 (equipamento encontrado na feira de antiguidades da Praça Benedito Calixto), igual à utilizada na maioria de seus curtas entre 1974-78, durante andanças e estadias na África e na Bahia.


     O momento da entrega da câmera constituiu o primeiro take do filme "Passeios no Recanto Silvestre", dirigido pela psicanalista Miriam Chnairdeman, que concebeu o projeto com uma equipe formada por outros três psicanalistas e pelo professor de cinema da USP Rubens Machado.
     Primeira fala:
— É essa mesmo. Agrippino ao encarar o objeto do prazer.
     Trata-se de um filme dentro de outro, um de autoria de Zé Agrippino e outro realizado em co-autoria com ele
     —
Condição?! Que não me registrem me filmando. Exige Zé Agrippino.
     Agrippino "primava pela lucidez e pela coerência" afirmou David Calderoni, psicanalista que integrou a equipe.
     "... observo que na areia, onde ficarem as marcas das patas são as respostas do coiote para o negro". (Zé Agrippino).
     "Ele viveu um outro tempo, que não é o nosso (...) E suportar o enigmático é parte de nosso trabalho cotidiano". (Miriam Chnaiderman).
     A todo momento, referia-se a pessoas e lugares, como se ainda estivesse lá.
     José Agrippino vivia isolado da inspiração da metrópole sozinho em uma pequena casa com objetos recobertos de pó, onde, visitas e janelas abertas raramente são vistas. Antes morava com a mãe. Viveu seus dias finais no Embu, município que se celebrizou por ser sede de um intenso mercado de artesanato. Considerado incapaz pela justiça, sua vida era gerenciada por seu irmão Guilherme.

     Barba 453 do século X antes de Cristo




     Alheio à metrópole. Se considerava um "artista da pop art" e interveio na recriação das capas de sua obra literária: Renata Bueno e Tadeu Burgos, José Roberto Aguilar, Antonio Peticov.
     Nas festas dos seus lançamentos literários em Embu suas condições: Trilha sonora de Ray Conniff, cachaça Pitú - com limão e cuba-livre e nada mais.
     A expessa barba não foi retirada de um mostruário. Agrippino a exemplo do observador de sua e-pop-éia não concatenava os espisódios seguindo uma ordem temporal, transformava o passado/presente/futuro em uma vasta colagem de suas memórias aqui agora como o caos exposto no telão num de seu trabalhos.

     "José Agrippino de Paula sempre soube que o fim da atividade artística não é a Obra, mas a liberdade e é por isso, talvez, que se encontre, hoje, isolado de tudo e de todos, no Embu, pequena cidade nos arredores de São Paulo". (Mário Schenberg).

     Em março de 2006 no É Tudo Verdade - 11º Festival Internacional de Documentários. "Passeios no Recanto Silvestre", de Miriam Chnaiderman e José Agrippino estreiou...

     Parte da produção esparsa de Agrippino


     José Agrippino de Paula, escreveu três romances, Lugar Público, United Nations e Panamérica.
     Autor do transgressivo filme Hitler Terceiro Mundo, no qual atuam Ruth Escobar, Eugenio Kusnet e Jô Soares, que, como Samurai, dá um show de interpretação.
     No teatro, José Agrippino de Paula trabalhou junto a Maria Esther Stockler - dançarina discípula de Martha Graham, com incursões pela dança oriental - elaborando montagens teatrais que inovaram os palcos brasileiros, odiadas pela censura e amadas pela vanguarda. Anárquicos, em suas peças Rito do Amor Selvagem, Planeta dos Mutantes e Tarzan III Mundo.
     Filmes em Super-8 de grande beleza plástica: Candomblé no Togó, Candomblé no Dahomei, Maria Esther: danças na África e Timbucu.
     Maria Éster Stockler, viveu seus últimos dias em Parati-RJ, morreu em 2006.
     
    

     LEIA UM PEQUENO TRECHO DO LIVRO PAN AMÉRICA, reeditado pela Editora Papagaio - SP:

     
Eu sobrevoava com o meu helicóptero os caminhões despejando areia no limite do imenso mar de gelatina verde. Sobrevoei a praia que estava sendo construída e o helicóptero passou sobre o caminhão de gasolina onde um negro experimentava o lança-chamas. Eu falei com o piloto do meu helicóptero apontando o caminhão de gasolina, e o helicóptero fez uma manobra sobre o caminhão-tanque e pousou alguns metros adiante. Eu saltei do helicóptero e gritei para o enorme negro que verificava o lança-chamas: "HeiI" Eu perguntei a ele como estava o lança-chamas para funcionar como coluna de fogo. O preto disse que eu me afastasse alguns metros e ligou o lança-chamas para o alto, O lança-chamas esguichou para cima um jato de fogo e o enorme negro fazia sinais para o homem que controlava a gasolina junto ao carro-tanque. Eu gritei para o negro que estava ótimo, que era exatamente aquilo que eu desejava. O negro foi controlando a saída de gasolina e a enorme nuvem de fogo erguida para cima foi diminuindo até se extinguir. Eu perguntei ao negro se ele sabia onde ele ia se esconder como lança-chamas. O negro respondeu que o engenheiro já havia construído uma peque na elevação no mar de gelatina verde, e o esconderijo já estava cuidadosamente construído. "E o Burt? perguntei. O preto disse que não sabia, quando eu vi surgir do fundo de um edifício um caminhão trazendo Burt Lancaster com (...)