Aldous
Huxley no Brasil
(Mário Pacheco)
O
programa "Grandes Nomes: Aldous Huxley" exibido
em dezembro de 1996, pela GNT, mergulhou na vida e obra do genial
e polêmico escritor, cuja inquietude o levou até
os índios do Xingu em busca das complexas respostas que
procurava.
Naquela manhã quente de 1958,
um bimotor da Força Aérea Brasileira iria quebrar
a rotina dos irmãos Villas-Boas no Parque Nacional do Xingu.
Não que a presença de aviões fosse novidade
lá no Brasil Central, pois a região fazia parte
de uma das rotas mais movimentadas da Fab no seu programa de assistência
e interligação do interior do país. Mas aquele
vôo trazia um passageiro singular: o célebre escritor
inglês Aldous Huxley. A aeronave fez as evoluções
de praxe para pedir a limpeza do campo e preparar o pouso. Poucos
minutos depois, seus pneus levantavam um rolo de poeira no campo
de terra. Huxley desceu do avião em companhia de Laura
Archera, Adrian Cowell e do escritor Antonio Callado que empenhou-se
para que a insistência de Huxley em conhecer o Xingu fosse
atendida uma vez que do programa só constava a visita a
Brasília em convite feito por Juscelino Kubitschek.
O que Aldous Huxley fazia ali entre
índios e sertanistas?
Claudio Villa-Boas, responde: “Ele
queria ansiosamente conhecer a cultura não-material dos
índios, os nichos do seu mundo religioso, mágico
e mítico. Conversamos muito sobre a visão de futuro
dos índios, que vivem tremendamente o presente. Era um
homem concentrado em si mesmo, que falava muito baixo, não
tinha vivacidade”.
De fato, no pouco tempo em que passou
horas conversando com Claudio, através de Adrian Cowell,
um estudante de Oxford, que fazia parte da comitiva e que serviu
de intérprete. “Ele fazia muitas perguntas”,
recorda Claudio, “principalmente sobre os pajés e
o seu poder de curar espiritualmente. Valorizava muito a cultura
dos índios e queria saber com profundidade sobre os espíritos
que gravitam em torno deles. Prestava atenção em
tudo. Era um místico, acreditava em muitas coisas sobrenaturais”.
Pela profundidade e extensão
das conversas, nota-se que Claudio e Huxley se deram bem e isso
não foi por acaso. É que Claudio, além de
ser estudioso de Filosofia mesmo nos confins do Brasil Central,
o conquistou logo no primeiro contato, ao dizer que apreciara
o livro "Contraponto". “Creio que foi
a visita mais importante que tivemos no Xingu”, avalia Claudio.
“Ele e o rei Leopoldo II, da Bélgica. É interessante
lembrar que quando ele se despediu do Brasil, disse que o que
mais o havia impressionado foram os índios”.
Fora o assunto índios, Huxley
reclamou do desconforto da rede, onde dormiu na única noite,
e pediu um churrasco. Era uma tarefa da responsabilidade de Orlando
Villas-Boas. “Enquanto Huxley e Claudio ficavam lá
na rede conversando sem parar, eu ia para a cozinha”, rememora
Orlando, exilado na capital paulista após décadas
de trabalho com os índios (os irmãos Villas-Boas
foram para o Brasil Central com a legendária expedição
Roncador-Xingu nos anos 30 e lá permaneceram até
tempos recentes).
Na condição de cozinheiro,
Orlando foi surpreendido com o pedido de Huxley para fazer um
churrasco. E onde eu ia arranjar carne? Matamos uma anta e eu
fiz um churrasco de anta. Ele comeu, acho que gostou, mas custava
a mastigar a carne”.
*PUBLICADO
NA REVISTA PSICODÉLICA ‘DE QUANDO O ROCK ERA CONTRACULTURA’
VOLUME I.