Autores
bancam seus próprios livros sobre os Beatles
Obras
atendem à demanda dos beatlemaníacos.
Em alguns casos, o resultado das vendas é bastante animador.
Allan Kozinn, do "New York Times"
Alguns
dos livros de edição independente sobre os Beatles
29
dez. / 2006 - Talvez você pense que o mundo editorial
já tenha explorado todo pedacinho de informação sobre
os Beatles, útil e trivial, em uma pilha do tamanho
do Himalaia de livros publicados desde o auge do grupo nos
anos 60: biografias sóbrias ou recheadas de fofocas, análises
musicais, cronologias, além de romances com os Beatles como
tema.
Pense
de novo. Se os grandes editores rejeitaram os trabalhos
de alguns autores por serem especializados demais para
o público em geral, hoje em dia, mesmo os autores mais obcecados
com os Beatles estão encontrando leitores para seus
livros ao colocar no mercado suas próprias obras.
Mas
não pense em autores que lançam seus livros apenas
pela vaidade de vê-los publicados. Muitos desses livros
autopublicados têm uma produção luxuosa e vêm
com o material original que serviu para a pesquisa,
tornando-os inestimáveis para estudiosos dos Beatles e
colecionadores, e alguns deles têm se tornado inesperadamente
um sucesso através das vendas on-line.
Eles
variam de meticulosas descrições do processo de gravação
dos Beatles a inúmeras análises das versões americanas
dos discos da banda, até avaliações de gravações não-lançadas
e gravações ao vivo disponíveis no mercado pirata.
Por
que se incomodar com isso?
Como bandas de rock
independentes rejeitadas pelas grandes gravadoras, alguns
desses autores que lançaram seus próprios livros tentaram
contratos antes de seguir seu próprio caminho. Mas um número
crescente deles está dizendo: Por que se incomodar com isso?
A publicação independente, além de dar 100% dos lucros, permite
a eles controle editorial e gráfico também, o que parece compensar o
inconveniente de fazer a pesquisa com o próprio dinheiro
em vez de contar com o adiantamento de alguma
editora.
"Tudo
o que eu leio me parece sugerir que a autopublicação é
uma boa idéia", disse John C. Winn, autor de "Way Beyond
Compare", "That Magic Feeling" e "Lifting Latches",
uma série publicada independentemente que oferece fontes
de informações com notas sobre todas as gravações conhecidas
de áudio e vídeo dos Beatles, incluindo entrevistas.
"Meus
livros são destinados para um público específico que eu
tenho condições de atingir diretamente. Sendo um beatlemaníaco,
eu conheço outros beatlemaníacos e sei onde encontrá-los
e sobre o que eles estariam interessados em ler."
Alguns
autores relatam surpreendentemente vendas sólidas de seus
livros. Publicado em agosto, "Recording The Beatles", um
estudo de 540 páginas sobre os equipamentos e técnicas usadas
nas gravações dos discos dos Beatles, vendeu sua primeira
leva de 3.000 cópias a US$ 100 por exemplar. Os autores,
Kevin Ryan e Brian Kehew, têm já o pedido de uma segunda
impressão e planejam uma edição com preço mais em conta
para 2007.
Trabalho
diário continua
Bruce Spizer, um advogado
de Nova Orleans, começou como um autor de um trabalho
sobre os Beatles no esquema faça-você-mesmo com um estudo
sobre o conturbado relacionamento jurídico entre a EMI,
a gravadora da banda, e a Vee-Jay, que lançou as primeiras
gravações. As quatro seqüências para "The Beatles records on
Vee-Jay" são formadas de livros sobre os lançamentos
dos Beatles nos Estados Unidos na Capitol Records e no seu
próprio selo, a Apple, cada uma incluindo as capas (e
versões não-aprovadas), logos (e variações), correspondência
e material promocional. Um último livro, "The Beatles
swan song", será lançado em março. Spizer também publicou
"The Beatles are coming", sobre a primeira visita do grupo
aos Estados Unidos em fevereiro de 1964.
Dito
isso, segundo o escritor foram vendidas 37 mil
cópias de seus seis livros, que trouxe a ele mais de US$
1 milhão desde a primeira publicação, em 1998. E, mais
importante para Spizer, os livros o colocaram no radar da
EMI e da Apple. Quando as gravadoras lançaram os CDs dos
álbuns dos Beatles segundo a versão norte-americana
dos vinis (quando lançados em CD pela primeira
vez nos EUA, os discos adotaram a edição britânica, que
tinha uma ordem diferente das faixas), Spizer foi contratado
como consultor.
"Eu
podia fazer o que eu faço por tempo integral", afirmou.
"Mas eu sigo com o meu trabalho diário. Eu gosto de dizer
que como advogado tributário eu ganho US$ 210 por hora e
como um editor de livros dos Beatles faço US$ 2,10 por hora."
Os
livros fazem parte de uma crescente biblioteca de lançamentos
independentes indispensáveis para qualquer um fascinado
com a música dos Beatles, tenha sido lançada ou ainda seja
inédita. Uma coisa que esses livros têm em comum entre si
é que eles começam como um projetos pessoais, não tendo
um livro em mente, porque os autores estavam procurando
informação que não estava disponível.
"Quando
você se autopublica, você tem a chance de fazer tudo o que
você quer", diz Mark Lewisohn, um autor britânico que teve
seu livro lançado por uma editora. "Você pode entrar em
detalhes no livro que uma editora convencional tentaria
limitar por razões de custo".
Assim,
a autopublicação força os autores a se tornarem hábeis
em questões de orçamento, impressão, direitos autorais, visual
e outros detalhes de publicação.
"Nós
conversamos com algumas editoras, pequenas e grandes", disse Kevin
Ryan, "mas eu acho que nós nunca fomos convencidos sobre
a maneira que seria feita a publicação. Nós tínhamos idéias
muito firmes sobre como o livro deveria ser, sobre conteúdo
e organização."
"E
também eu já lidei pessoalmente no passado com gravadoras
e posso ver uma correlação entre o mundo editorial e o mundo
da música. Em ambos os casos a não ser que você venda 1
milhão de cópias de seu produto, você nunca vai conseguir
uma quantia significativa de dinheiro."
Tradução
de Shin Oliva Suzuki
Relançamento
de álbum dos Beatles reacende debate entre fãs
(Por Allan Kozinn - The New York Times : 6 nov. / 2003)
De
todos os álbuns dos Beatles, nenhum tem uma história
tão carregada quanto "Let It Be", e no dia
18 de novembro, a Capitol Records vai acrescentar outra ruga
à história, com o lançamento de "Let
it be ... naked".
Uma coisa que fica clara ao ouvir
o novo álbum é que ele não vai acabar com
o debate - um que é permanente desde que o álbum
original foi lançado, em 1970 - sobre como o álbum
deveria soar. Aparentemente há boas e más notícias.
Em termos puramente vocais, "Let
it be ... naked" é uma verdadeira ameaça.
Remixadas com as fitas originais, suas performances têm
um calor e plenitude que tornam o som do álbum original
desafinado e comprimido.
A diferença mais notável,
e a que ocasionou o remix, é que os ricos corais e orquestrações
misturados por Phil Spector às canções
de "Let it be", The long and winding road
e Across the universe foram excluídos, deixando
as simples performances que a banda originalmente queria lançar.
Há outras novidades. As
guitarras acústicas em For you blue, Two
of us e Across the universe têm uma adorável
florescência. E quando a banda passa ao som elétrico,
em Get back, Dig a pony e I've got a feeling,
o som é claro e agudo.
As novidades têm muito a
ver com as diferenças entre este álbum e as versões
de "Let it be" às quais os ouvintes estão
acostumados. Mas elas são mais profundas. Elas levantaram
uma questão histórica mais pura: Que tipo de álbum
os Beatles tinham em mente quando gravaram este material? Para
esses ouvidos, não era "Let It Be ... Naked".
Um pouco de história. Durante
as sessões do "White Album" em 1968, as tensões
dentro do grupo começavam a aumentar, e grande parte
do álbum duplo é uma compilação
de projetos individuais.
Cada um dos Beatles tinha sua
própria sessão para suas músicas, e eles
só chamavam os outros quando precisavam.
John Lennon, em particular, começava
a se afastar do grupo, mais interessado em trabalhar com seu
novo amor, Yoko Ono. George Harrison tinha outros interesses,
da música indiana a colaborações com Bob
Dylan e Eric Clapton, dois cantores que tinham um respeito por
sua musicalidade, que não se encaixava na própria
banda.
Ringo Starr havia desistido dos
Beatles durante as sessões do "White Album",
pelo menos parcialmente, porque descobriu que Paul McCartney
havia refeito parte de suas gravações na bateria.
Apenas McCartney - agora Sir Paul
- estava totalmente interessado em voltar ao trabalho após
o lançamento do álbum.
Uma coisa que todos concordaram
é que a banda precisava de uma nova direção
- ou, realmente, voltar à velha direção.
Desde "Rubber soul", em 1965, seus trabalhos em estúdio
haviam se tornado cada vez mais complexos, e envolviam a construção
de canções com a base da guitarra e bateria antes,
então o baixo, os solos, os vocais e outros instrumentos.
O que eles propuseram para "Let
It Be" era voltar ao processo usado nas sessões
do primeiro álbum, "Please please me", em 1963:
tocar as canções ao vivo em estúdio, com
os gravadores rodando.
Naquela época, entretanto,
os Beatles ainda faziam shows (eles pararam de se apresentar
em 1966), e tinham um refinado repertório para gravar.
Mas a partir de 1964, eles passaram a levar idéias inacabadas
ao estúdio, usando as sessões para transformá-las
em músicas.
"Let
It Be" incorporou este processo de uma forma incomum. As
sessões foram filmadas para um especial de televisão,
e, como originalmente planejado, os ensaios comporiam a primeira
parte do show, com uma apresentação ao vivo do
novo material na conclusão.
Era para ser, como divulgado nos
anúncios para "Get back", o primeiro single
das sessões, "Os Beatles ao Natural". De certa
forma, foi isso que aconteceu, apesar de o show ter sido realizado
no telhado do Apple, os escritórios e estúdio
dos Beatles em Savile Row, e o especial para a televisão
ter sido lançado como um longa-metragem.
O que também aconteceu
foi que uma nova disputa se iniciou na banda; desta vez Harrison
deixou o restante do grupo por um tempo.
Quando as sessões acabaram,
nem os Beatles nem seu produtor, George Martin, conseguiram
ouvir a série de fitas para reunir um álbum. Essa
tarefa foi dada para Glynn Johns, que montou um álbum
tirado de gravações em estúdio, e seria
originalmente chamado de "Get back".
Incluídas em sua versão
estavam conversas pré e pós-apresentações,
que tinham por objetivo mostrar a natureza instintiva das sessões.
Johns acabou reunindo três
versões do álbum, nenhuma delas aprovada pelos
membros do grupo, que estavam muito ocupados brigando entre
si.
Enquanto isso, o filme foi encerrado,
e com a aprovação de Lennon e Harrison - aparentemente
McCartney se opôs - Spector foi convocado para montar
o álbum da trilha sonora. Ele acrescentou os corais e
as orquestrações em algumas faixas.
Quando as faixas Across the
universe, de Lennon, e I me mine, de Harrison,
foram incluídas no filme, uma gravação
até então nunca usada de Across the universe,
realizada em 1968, foi exumada dos arquivos e passou pelo chamado
"tratamento Spector", que incluiu a diminuição
de seu ritmo e sua transformação em uma balada
musical, e o grupo teve que regravar I me mine.
Essa gravação tinha
menos de dois minutos, mas Spector a estendeu repetindo partes
de seus versos. Ele também pediu a ajuda de membros da
banda para gravarem novos trechos a serem incluídos na
canção, efetivamente fazendo-os violar sua própria
lei para o projeto. Ele manteve as conversas entre canções
e deixou outras canções do jeito que estavam.
Quando o Apple anunciou seu plano,
no começo deste ano, de lançar uma nova versão,
original, do álbum "Let It Be", colecionadores
presumiram que a nova versão seria um dos álbuns
preparados por Johns.
Mas
"Let It Be ... Naked" apaga tudo isso da história,
as versões de Johns e as mixagens de Spector.
Em vez de sugerir uma sessão
informal na qual os Beatles tocam suas novas músicas,
conversam e ensaiam antigos sucessos, "Let It be ... naked"
trata o álbum como se fosse "Rubber soul" ou
"Please Please me".
Acabaram os comentários
e as acusações, as antigas e as misturas. Em vez
disso, cada canção mostra uma fria, terminada
e refinada produção.
Isso pode ser desconcertante.
Get Back, por exemplo, não tem o anexo que havia
sido editado na versão lançada como single,
e ao perder o aplauso (de uma tomada do telhado) e os comentários
após o show, a canção acaba abruptamente.
Da mesma forma, a lei contra a
edição não foi retomada. I me mine
também foi estendida no álbum, e algumas canções
- principalmente "Let It Be" - envolvem edições
entre múltiplas tomadas.
Dado tudo isso, é difícil
pensar nesta nova versão como uma versão tardia
e definitiva de "Let It Be". Ela não é,
na verdade, "Let It Be ... Naked", mas "Let It
Be" com uma folha de figo.
Foto do livro 'The Beatles' escrito por: Allan
Kozinn