Beatles,
I love You, Ie, Ie, Ie
(Newton Duarte*)
(...)
Na verdade, o único e grande
sonho que acabou foi a tentativa de montar um império econômico,
a partir da fama do conjunto. Esse esquema, que consolidou o prestígio
dos Beatles, acabou sendo responsável pela sua dissolução.
A Apple Records Ltd., fundada em fevereiro de 1968, tinha o objetivo
de capitalizar tudo o que envolvesse o nome Beatles, em todo o
mundo. Tanto assim, que coordenava várias empresas menores:
Apple Electronics, Apple Films, Apple Music Publishing. Esta,
por sua vez, se subdividiu em Apple Wholesale (distribuição
mundial), Apple Retail, Apple Television e Apple Records.
Se é que certas coincidências,
combinadas, ajudam a criar qualquer versão sobre a história
do conjunto (chegaram a inventar que Paul estava morto), um fato
a mais: quando a Apple surgia, os Beatles se envolviam com o guru
Maharishi.
Uma das primeiras providências
foi bolar o símbolo da companhia. Paul, o mais interessado
no andamento das coisas, acompanhou os trabalhos, que se desenvolveram
durante seis meses, começando em Londres e finalizando
em Nova York. Foi ele próprio quem recomendou a Neil Evans,
assessor principal da Apple, fotografar uma legítima granny
Smith verde, sobre um fundo preto. Nos discos, a maçã
contou com uma bossa: no lado A, ela aparecia por inteiro, com
a menção this side; no lado B, a maçã
estava cortada, trazendo a expressão other side
e os créditos da gravação. Dúzias
de maçãs e diversas tonalidades de fundo foram experimentadas,
até se chegar à granny Smith verde, a maçã
definitiva. Enquanto isso, a imprensa
inglesa ridicularizava as curtições dos Beatles
na Índia.
Em meados de fevereiro de 1968,
Lennon & McCartney, inseparáveis àquela altura,
desembarcaram em Nova York, à frente de um grupo de assessores.
Missão: explicar os objetivos da Apple, ‘vendendo-a’
da maneira mais direta para o público americano. Com a
tevê presente, transmitindo o acontecimento para 11 milhões
de telespectadores, Paul deu o recado:
— O conjunto, agora, está
preparado para usar sua influência, no sentido de ajudar
aos jovens de todo o mundo. Formarmos uma organização
para financiar projetos cinematográficos, literários,
científicos e musicais, para jovens que nos procurem.
Apesar da ousadia do empreendimento,
Paul & John manifestaram seu otimismo. Nessa mesma noite,
entrevistados no famosíssimo Johnny Carson Show, eles lançavam
a Apple de costa a costa.
Fazendo o mestre de cerimônias,
John apresentava o pessoal de primeira linha da Apple: Peter Asher
(respondia pelo repertório musical; descobridor de James
Taylor; irmão de Jane, o grande amor de Paul); Neil Aspinall
(nascido em Liverpool, empresário geral); Derek Taylor
(também de Liverpool, agente de imprensa); Mal Evans (de
Liverpool, contato); John Alexis Mardas (grego, responsável
pela parte eletrônica da empresa); Ron(ald) Kass (americano,
contato internacional); Dennis O’Dell (diretor da Apple
Film); Brian Lewis (inglês, consultor jurídico);
Peter Brown (de Liverpool, ex-assistente de Brian Epstein, relações
diplomáticas); Alistair Taylor (33 anos, de Liverpool,
gerente-geral); Tony Bramwell (coordenador de discos single);
Jeremy Banks (coordenador de fotos).
A primeira aventura da Apple foi
o filme “Magical Mistery Tour”, escrito, produzido
e editado pela BBC de Londres. Apresentado na tevê em janeiro
de 1968, antes mesmo da inauguração da Apple, trazia
a marca da genialidade que surpreende, choca, comove e inova.
A trilha sonora (exemplos: Fool on the Hill, Blue
Jay Way, I’m the Walrus), foi parcialmente
lançada no Brasil, permanecendo inédito o LP.
Entrevistado na ocasião,
John mostrou-se pouco interessado em discutir sobre sua própria
genialidade:
— Quando eu tinha uns 12 anos,
eu costumava pensar que eu devia ser um gênio, e que ninguém
notava isso. Na verdade, se existe essa coisa chamada gênio,
eu certamente sou um. Mas, se não existe gênio, estou
pouco ligando...
A Apple Boutique, na rua Baker,
94, pretendia ser um ponto de lançamento de moda. Em sete
meses, a loja virou um amontoado de roupas de mau gosto. John,
de cuca aparentemente fundida, convidou a moçada a invadir
a butique. Em julho de 1968, com distribuição livre
do estoque, a loja acabou. Como num sonho.
Como num sonho surrealista, a Apple
Records vivia, em julho de 1968, um incrível tumulto. Perdidos
num emaranhado de tapes, seus produtores tentavam por ordem na
casa, pois milhares de talentos do mundo inteiro lutavam por uma
gravação. Já que não era possível
selecionar, eles resolveram incrementar cantores de sucesso mais
ou menos seguro. Como James Taylor, que, depois de compor algumas
canções para Tom Rush, gravou seu próprio
disco. Entre outras músicas, estava Carolina on my
mind, transformada mais tarde num compacto simples de muito
sucesso. O produtor do LP foi Peter Asher.
Mary Hopkin, cantora de estilo semelhante
ao de Joan Baez, também entrou nesse grupo de privilegiados.
Seu pai, por carta, transara um contrato com a Apple, conseguindo
que o próprio Paul produzisse o primeiro disco da filha.
Não foi por outra razão que ele compôs, rapidamente,
a canção Those were the days.
Keith Moon, Manfred Mann e Denny
Cordell manifestaram o desejo de trabalhar com o pessoal da Apple,
mas nada aconteceu. Enquanto isso, John e George ouviam –
num de seus raros momento de lazer – o conjunto Iveys, um
grupo inédito. Gostaram, e o contrato foi assinado imediatamente.
A estréia da Apple foi sensacional,
no mercado de discos. Duas gravações – Hey
Jude e Those were the days – venderam 13 milhões
de cópias. Mas, em meio ao frenético ritmo de gravações,
audições, ensaios e mixagens, os primeiros sinais
de divergência surgiam. Harrison embarcava para Los Angeles,
a fim de produzir o primeiro disco de Jackie Lomax, que não
estorou. McCartney mandava construir um jardim no teto da casa
3 de Saville Row, sede da empresa. Starr gravava um comercial
para tevê, promovendo o novo disco (álbum duplo,
capa branca). E Lennon?
“Não quero que isso
saia na rua! Nem eu, nem Paul, nem ninguém!” A exasperada
observação foi feita por Neill Aspinall, sacudindo
uma foto tamanho 12 x 15cm em que John e Yoko apareciam inteiramente
nus.
A foto serviria para ilustrar a
capa do primeiro disco de John & Yoko Ono. O casal, tempos
atrás, tinha feito sua primeira aparição
pública. Dias depois eram presos.
No dia 17 de julho, em Picadilly
Circus (London Pavillion), os quatro Beatles e suas respectivas
mulheres compareciam à première de “Yellow
Submarine”, que não fez sucesso na Inglaterra, mas
foi um êxito nos Estados Unidos.
Por todo o segundo semestre de 1968,
o drama teve, como atores principais, John & Yoko. Tentando
lançar o disco “Two Virgins”, provocaram uma
polêmica terrível. A EMI recusou-se a distribuí-lo.
A revista Disc disse que não iria publicar nada (nem anúncios),
em consideração aos seus leitores adolescentes.
Em outubro, às vésperas
de mais uma entrevista coletiva, o casal era novamente preso.
Em novembro, Yoko perdia seu bebê, e John reconhecia a paternidade
da criança.
Yoko foi o grande enigma da história.
Até hoje, John guarda ressentimentos: “Não
posso perdoar Paul e George, pela maneira com que trataram Yoko
no início. Mas também não posso deixar de
amá-los”. E George, três anos atrás,
dizia: “A melhor coisa do mundo, John, é abrir os
jornais e não encontrar você neles” .
Paul era mais franco: “Não
se pode culpar John. Fiquei chateado com ele, fiquei com ciúmes
da Yoko. Realmente, levei um ano para me convencer de que eles
estavam apaixonados”.
Gênios, loucos, ingênuos
e desprendidos. Os Beatles eram tudo isso. Mas nunca conseguiram
controlar seus orçamentos. A Apple, muito antes do fim
de 68, era um verdadeiro acampamento de desocupados, artistas
frustrados, gente maluca, bicões de toda a espécie.
Em dezembro, por exemplo, George enviava um telex dos Estado Unidos,
pedindo cobertura para doze motoqueiros do bando Hell’s
Angels, que estavam a caminho da Tchecoslováquia. Gente
de gravadoras, tevê e revistas freqüentavam o The Speakeasy,
lugar da moda, mandando a conta para a Apple. No meio da sua piração,
John bancou o lúcido:
— Se deixarmos a Apple continuar
como está gora, em seis meses estaermos inteiramente falidos.
Paul, o que tinha a cabeça
no lugar (em matéria de grana), resolveu agir. Mandou cartas
para todos os contratados e funcionários, convidando-os
para um diálogo aberto. Mas, antes que o diálogo
fosse travado, os Beatles estariam irremediavelmente separados.
De qualquer maneira, havia chances.
Em 3 de fevereiro de 1969, Allen Klein, em Nova York, era contratado
para administrar os negócios da empresa. Verdade seja dita:
ele não teve muito apoio na sua tarefa, inclusive porque
as vidas dos quatro rapazes estavam se definindo.
Em 12 de março de 1969, Paul
se casava com Linda, no Marylebone Register Office. Nesse mesmo
dia, a polícia prendia George e Patti, na sua casa de campo
de 40 000 libras, por pose ilegal de drogas. Em
Gibraltar, John & Yoko viviam sua lua-de-mel, gastando 8 000
libras. Ringo filmava, ele que era o mais bem comportado de todos.
Allen fez uma limpeza geral na empresa
e implantando disciplina rigorosa de gastos. John rememora esses
tempos:
— A Apple vivia cheia
de marginais e parasitas, que iam e vinham quando desejavam, cheios
de grana e hospitalidade gratuita. Descobrimos que dois carros
tinham desaparecido, e que tínhamos uma casa que nenhum
de nós se lembrava de ter comprado. O Allen, nessa época,
passou a nos mandar listas de nossas despesas pessoais, cópias
de contas, avisos bancários e extratos de investimentos.
Isso durou pouco tempo, porque Paul logo entrou em divergência
com Allen. Sabe, eu e Paul tentamos administrar a Apple, mas não
entendíamos nada. Sabíamos que os royalties
estavam entrando. Mas nenhum de nós fazia idéia
do estado das finanças e dos gastos...
Yoko e Linda, uma de cada lado,
auxiliaram a definir os caminhos. Houve, inclusive, uma séria
discussão entre os dois nos Estados Unidos, em 1968. John,
nervoso, acusou Paul de recusar sistematicamente as canções
de George, por se achar muito melhor compositor. Essas canções,
aliás, fazem parte do álbum “All Things Must
Pass” (George Harrison), que foi a grande prova de que é
excelente compositor.
Na Apple, apesar do saneamento,
algumas figuras estranhas insistiam em aparecer. Um dia, uma cantora
chamada Nicolle irrompeu pelos corredores, berrando que era a
nova Janis Joplin. Exigia uma audição.
George saiu de uma sala e, também
aos gritos, pediu que ela se acalmasse. Alguém ofereceu
uma garrafa de uísque à moça, que bebeu no
gargalo em questão de minutos.
Eram episódios que chegavam
a ser engraçados. Coisa bem diferente era o comportamento
de John. Em 22 de abril de 1969, ele trocou seu nome para John
Ono Lennon, na presença do Comissário de Oaths.
Para comemorar, ele compusera The Ballad of John and Yoko,
além de um sofisticado álbum contendo o disco “The
Wedding Album”, libreto, posters e cartões sobre
o casamento e suas idéias a respeito da paz.
Em outra atitude chocante, John
e Yoko surgiram na tevê, vestindo roupas militares e criticando
o governo inglês. Na mesma época, através
de um radioamador, ele tentava um contato radiofônico como
presidente Nixon.
Em agosto de 1969, o elenco da Apple
era este: Mary Hopkin, James Taylor, Jackie Lomax, Trash, Doris
Troy, Billy Preston, Radha Krishna Temple, Plastic Ono Band, Modern
Jazz Quartet e The Iveys (em seguida, mudaram seu nome para Badfinger).
Nesse ano, a Apple lançou catorze compactos (45 rpm) e
nove LPs. Paul preparava repertório para seu primeiro álbum
como solista, enquanto John se dedicava mais e mais à sua
campanha em favor da paz. Rodando meio mundo à custa da
Apple, o casal terminou sua viagem na cama do hotel Queen Elizabeth,
em Toronto, Canadá. Foi o célebre “protesto
na cama”, quando eles deram mais de sessenta entrevistas
debaixo dos lençóis, no espaço de dez dias.
Nesse período, eles gravaram Give peace a chance,
creditado a Plastic Ono Band. Em outras palavras: John era mais
Plastic Ono do que Beatle. E Paul, que andava meio sumido, deu
margem a mais fantástica história da época.
Russ Gibbs, disc-jóquei de Colorado, Estados Unidos, inventou
que Paul estava morto. E os discos do conjunto voltaram novamente
às paradas de sucesso. Até que houvesse o desmentido,
muita gente faturou, principalmente o disc-jóquei.
Antes do fim de 69, as relações
de Allen Klein com Paul McCartney – representado pela empresa
Eastman & Eastman – andavam a beira do rompimento. Botando
lenha na fogueira, Yoko ia pessoalmente a Apple pedir verbas para
pequenas despesas. Entrevistada, disse que não havia motivos
para John largasse a Apple: “Ele, como os outros, é
uma quarta parte da empresa. O que John quer é apenas alguma
liberdade...”. A tacada final de 1969 foi incrível:
John devolve sua medalha do Império Britânico, em
protesto contra o envolvimento da Inglaterra nas guerras do Vietnã
e Nigéria. Ringo, o comportado, fazia filmes para a tevê.
E pintou 1970, o ano em que o sonho
acabou. Novos discos foram lançados, com sucesso. Dizem,
até, que um pouco de manha e de bom senso levariam a Apple
a caminhos extremamente lucrativos. Arte e dinheiro, porém,
nunca se deram bem, e talvez por isso nem seja lógico imaginar
como seria a história, fossem outras as circunstâncias.
John, repentinamente, abandona o departamento de imprensa da Apple,
entregando sua promoção a outra empresa, queixando-se
de estar muito abandonado. Paul, em entrevista coletiva, confessava:
— Tenho diferenças pessoais
com os outros. Diferenças nos negócios, diferenças
musicais. Mas, acima de tudo, estou separado porque quero ter
um tempo maior com minha família. Se é temporária
ou permanentemente, não sei.
Em maio, estreava o filme “Let
it Be”, e nenhum Beatle compareceu. Nada mais havia a fazer
na Apple. Os contratados (Hopkin, Lomax) tinham desaparecido,
vinculando-se a outras gravadoras menos piradas ou problemáticas.
Paul estava sumido desde fins de 1969. John & Yoko tinham
se fixado nos Estados unidos. Ringo andava por Nashville, a terra
do country music americano. E George trabalhava num álbum-solo.
Enquanto tudo isso acontecia, os estúdios da Apple, na
Inglaterra, permaneciam em total silêncio.
No dia 4 de agosto de 1970, a Apple
fechava as portas. O porteiro, último funcionário
que restara, pedira a demissão.
*Artigo
retirado da revista Pop, possivelmente da edição
de outubro de 1975.
Big
Boy
Literalmente um dos maiores beatlemaníacos, já falecidos
do Brasil. Grande comunicólogo da Rádio Mundial,
o Chacrinha da FM.
Newton Duarte era seu nome civil.
Gordo e risonho de rosto infantil com toca de gorro. Suarento.
Interminavelmente ocupado procurava o novo disco e o rock promissor
para programar e animar seus bailes da pesada. Ainda encontrava
tempo para sua coluna musical na revista “Amiga”.
Morreu de ataque cardíaco
em decorrência de sua estafa produtiva.
Viagens a Europa/América.
Em Londres, depois de quatro dias na neve, na frente da EMI, conseguiu-se
se encontrar com Paul McCartney, e a partir desse encontro, figurar
na lista mundial de disc-jóqueis que recebiam as novidades
dos Beatles dias antes do lançamento oficial. Ganhou
prestígio e estourou em audiência.
No final dos anos 60,
Big Boy, e Celso Teixeira, divulgador da Odeon/EMI, e o Disc-jóquei
de Colorado, Estados Unidos, americano Russ Gibbs, o inventor
da suposta morte de Paul McCartney, fizeram um programa na TV
Excelsior Canal 9, em São Paulo, que começou no
horário nobre e varou a madrugada. Nesse programa houve
uma pré-estréia mundial de um clipe de Paul McCartney
cantando Blackbird, extraído dos arquivos particulares
do radialista.
No dia da morte de Jimi Hendrix,
Big Boy chorou no ar, no horário do seu programa, enquanto
prestava homenagens ao guitarrista.
(Mário Pacheco)