Antes
de Freak Out! nunca antes uma música autêntica, experimentalista,
eletrônica e de vanguarda havia registrado vendas significativas
e entrado no circuito pop.
Herbie Cohen, empresário dos
Mothers of Invention, declarou-se satisfeito em 1967: “Vendemos
300.000 álbuns sem que as emissoras de rádio norte-americanas
hajam tocado o disco um minuto só.
—
É um fato consumado que antes do nosso álbum Freak Out!
não apareceu nos Estados Unidos uma música autêntica experimental
e vanguardista, a chamada música psicodélica. Fomos nós, o
primeiro conjunto que incluiu efeitos eletrônicos na música
pop.
—
Passamos fome, fracassos, reveses de toda a ordem mais de
um ano. Depois de gravarmos "Freak Out!" continuamos
a passar fome, até que chegou o presente em que, por fim,
podemos comer à vontade e ter algum dinheiro. Cada um de nós
tem uma casa, automóvel, mulher ou amiga. A coisa andou. Revelou
Frank Zappa, dois anos depois do álbum-duplo Freak Out!,
o marco inicial do psicodelismo e de outras revoluções.
No dia das Mães de 1965, uma
banda chamada The Soul Giants trocou de nome... O recém-batizado
Mothers (of Invention, seria acrescentado depois, pela gravadora
MGM) um ano depois, gravaria esse marco único na história
do rock. Assim como os músicos do Blues Project, The Mothers
ignoraram os compactos e lançaram mudanças completas na concepção
técnica do discos. "Freak Out!" é o primeiro produzido
como um único conceito, uma faixa contínua de música inter-relacionada.
E uma idéia que renasceria em "Sgt. Pepper’s" um
ano depois, e Paul McCartney admitiria mais tarde a influência
do precursor das suites psicodélicas que acabaria por se esgotar
nas óperas-rocks e álbuns conceituais do art-rock batido
dos anos 70. Zappa não sabia se teria uma outra chance e jogou
todas suas idéias no disco, saindo uma loucura de sons-colagens-palavras-e-ritmos
misturados de uma maneira que ninguém além dele tinha ouvido.
O custo médio de um disco em 1966 era de 5 mil dólares, e
Freak Out! custou 21 mil com as faixas mixadas em 12
canais. Foi o primeiro álbum-duplo gravado por um grupo de
rock. A capa também fazia parte do conceito, uma loucura de
piadas, propaganda e comentários irônicos sobre a inviabilidade
de comercialização do disco. “Saia da escola antes que sua
mente apodreça de tanto contato com nosso sistema educacional
medíocre... Se você tiver peito bastante passe a frequentar
uma biblioteca e se auto-eduque”.
Foi um golpe na América. A
década de 60 modificara a vida nas grandes cidades, mas foi
Zappa que atingiu o interior. Adolescentes ouviam suas músicas
e paravam de ir à aula, discutiam com os professores, fugiam
de casa, desacreditavam dos pais. A expressão central do disco,
freaks, se espalhou pelo país como uma praga de garotos
anárquicos e satíricos. No Alabama e em outros estados um
número considerável ouvia o disco escondido dos pais. Não
era exatamente a Revolução, mas, a níveis individuais, as
pessoas sacavam que algo estava acontecendo e os mister jones
não sabiam o que era. Escândalo e revolta.
A técnica e a versatilidade
do estilo dos Mothers surpreendem mesmo os sérios demais para
sacarem seu humor. Song of Suzy Creamcheese tem os
tempos 4/4, 8/8, 9/8, 4/8, 5/8 e 6/8, tudo em 1 minuto e 33
segundos. No princípio, Suzy Creamcheese era Jeanie Vasour,
fazendo o papel de uma gatinha sexy e alienada em Freak
Out! Depois o mito cresceu tanto que várias mulheres passaram
a personificar Suzy, que ficou como uma musa dessa primeira
fase dos Mothers.
A formação dos Mothers, na
época, era Roy Estrada (baixo), Jimmy Carl Black (bateria),
Frank Zappa (guitarra-solo, arranjador, compositor e o líder
acima de qualquer suspeita), Ray Collins (vocal), Elliot Ingber
(entrando com mais uma guitarra). Os Mothers of Invention
entravam em cena no teatro do rock. Seriam eles as mães de
todos aqueles que se revelassem.
No verão de 1967, saíram de
Los Angeles e foram para o Greenwich Village, centro cultural
de Nova York. Se na Califórnia predominava um cenário hippie
com muita paz e amor, o cenário do Village também era hippie,
mas bem político e ligado à revolução social. Em Nova York
não havia muitas praias e nem fazia sol, a Babilônia era balbúrdia,
o coração da máquina. Os Mothers foram parte da vanguarda
estética do Village e estiveram muito ligados às transas do
Teatro do Absurdo. Durante seis meses apresentaram-se todas
as noites no Garrick Theather. A moda naquele verão era ver
o show dos Mothers.
Zappa comandava o espetáculo
com pequenos sinais combinados. Havia de tudo: girafas que
espirravam creme de leite, imitações de políticos, piadas
sobre manias sexuais: certa vez, exibiram um enorme balão
que ia inflando e levantando à medida que aumentava a tensão
da música, para explodir durante os acordes finais num orgasmo
simbólico.
“No palco existe a possibilidade
de acontecer tudo. Bonecos são mutilados. Uma máscara de gás
é exibida. Um saco de legumes é aberto e examinado. Há intervalos
espaçados de peidos e, de repente, os Mothers apresentam Dear
Air (Ar morto). Param, sentam e ignoram a platéia. Os
sapatos de Zappa são engraxados por Motorhead, o percussionista.
Continuam assim, enquanto a platéia se sente incomodada, desconfortável
e irritada. Zappa aproxima-se calmamente do microfone e diz:
“Isso desenvolve sua agressividade, né?”.
Nesse momento véspera de uma
excursão pela Europa, o conjunto mais promissor do underground
chama-se Mothers of Invention. O seu fundador e diretor, fonte
de idéias e em parte, seu empresário, alcançou o seu primeiro
êxito na Europa através de uma foto publicada na International
Times: nela se via Zappa, com seu bigode e mosca, cabelo
desgrenhado, sentado numa privada, calças descidas, olhando
satiricamente para nós. Uns comerciantes espertos converteram
aquela foto num pôster que se vendeu aos milhares por toda
a Europa e escandalizou a América. A verdade é: só quem compreender
este pôster pode compreender a arte psicodélica...
Frank Zappa nunca tomou parte
em manifestações de rua, pois pratica uma forma de protesto
completamente diferente. Zappa não produz música para a indústria
do kitsh de Hollywood, mas é ele mesmo que dirige suas
produções, dirigidas à gente jovem que, pelos vistos, não
são compreendidos pelo críticos.
Quando Zappa chegou à Europa,
muitos estranharam ver, no lugar de um cruel anti-burguês,
um diretor de conjuntos inteligente e seguro de si, autor
de composições que mereciam, na sua maior parte o qualificativo
de “genial”.
Na música, o underground
manifesta-se como uma fórmula de experiência e política, socialmente
consciente. A música de um conjunto como The Fugs escandaliza
qualquer burguês. As experiências de The Mothers of Invention
já não podem ser consumidas através do tradicional easy
listenning. O rock subversivo provoca no ouvinte uma tomada
de consciência. Mas cuidado: não só a letra provoca essa tomada
de consciência, como igualmente a música o faz.
Zappa é a figura central da
nova música pop, se bem que, em comparação com Tuli Kupferberg
e Ed Sanders dos Fugs, não represente necessariamente a atitude
politicamente revolucionária destes músicos. Zappa apresenta
os seus argumentos de forma diplomática, é mais tático. Isto
provocou os ataques de músicos mais radicais durante a sua
visita a Berlim em 1968. Durante uma das atuações de Zappa,
alguém exibiu um dístico em que se lia “Mothers of Reaction”.
Sobre a ideologia política
de Zappa, pinçamos extratos nessa entrevista realizada no
verão de 1968 em casa de Zappa.
—
Você disse a certa altura, que este país seria povoado muito
em breve por um número majoritário de jovens. A sua meta,
portanto, consiste na tomada do poder.
—
Isso seria formidável. Mas, naturalmente, falta essa pessoa
capaz de guiar as massas de jovens e que impeça os velhos
de administrar os negócios do país. Porque eles desconhecem
os jovens e os seus problemas e interessam-se pouco com isso.
Isto não é só o caso dos Estados Unidos, mas o de qualquer
país do mundo. A administração dos países tem estado demasiado
tempo nas mãos dos velhos. Por outro lado, é um fato os jovens
hoje em dia quererem ou deverem gerir qualquer função pública
e não terem preparação para isso. Não posso imaginar nada
mais grave que uns Estados Unidos com um presidente de 18
anos. Os jovens terão de tomar o poder, mas para isso terão
igualmente de ter uma preparação prévia.
—
Como? Através de uma revolução?
—
Refere-se à técnica?
—
Sim, com certeza.
— Nos
Estados Unidos, o caminho mais rápido e seguro para mudar
o estado de coisas seria uma espécie de atuação de guerrilhas,
uma infiltração. Estou convencido que os recontros sangrentos
nas ruas nada resolvem e muito menos nos Estados Unidos.
—
Porque razão?
— Porque as forças governamentais estão
demasiado bem preparadas para qualquer tipo de levantamento.
Na luta de rua contra as forças policiais não há qualquer
possibilidade de vitória. O fato de se incendiarem uns quantos
edifícios não serve de nada, antes pelo contrário. O único
efeito será uma respeitável quantidade de cidadãos apontarem
os responsáveis pelos incêndios. Pessoas que até ai nunca
se tinham preocupado com a política, tomarão uma atitude hostil
face aos manifestantes. É evidente que estes cidadãos querem
preservar a sua segurança.
— Qual
é a técnica que você aconselha?
—
O melhor modo de corrigir as coisas nos Estados Unidos, seria
ocupar os cargos de todos os velhos que na atualidade desempenham
funções de responsabilidade e tratar de gerir os respectivos
departamentos.
—
Dentro de vinte anos, outra geração aparecerá, por sua vez,
para assumir esses mesmos cargos...
— Talvez.
Mas, na realidade, não vejo necessidade disso.
Algum dia terá de transformar-se
radicalmente o sistema para que a maioria do povo possa
estar representado no governo. Até agora, o poder dos Estados
Unidos tem estado exclusivamente nas mãos de pessoas cuja
idade e posição não são de modo algum representativas do termo
médio da população.
— É
de opinião que o seu trabalho é um exemplo da ânsia de tomada
do poder?
—
Queremos contribuir para um maior esclarecimento político
das pessoas. A maior parte dos jovens norte-americanos não
pensam em termos de política. Advém daí que dispõem de muito
tempo livre e tentam “passá-lo da melhor forma possível”.
Por isso, creio que seria um grande passo obrigá-los a raciocinar.
—
Você é anarquista?
— Só
em casa, nos meus pensamentos, nas minhas divagações. Mas
também uso da prática e sei que há coisas que não funcionam
isoladas. Uma anarquia só tem fundamento no seio de um povo
integralmente culto e civilizado. Mas, ainda estamos muito
longe desse ponto. O povo não tem cultura, nem civilização
e há muita gente a morrer de fome. Se não for a fome de comida,
será pelo menos fome de ajuda emocional, que não recebem efetivamente.
É necessário sublinhar e enfrentar esta sociedade desagradável
e injusta e isso não se faz na simplicidade da frase: “Aqui
tens a liberdade. Podes fazer aquilo que entenderes. Não há
governo nem lei”. Esta atitude é impossível, pois lançaria
a confusão e ninguém saberia o que fazer. Seria o caos, a
destruição, a antropofagia simultânea, semelhante a luta entre
animais. É preciso aconselhar, preparar toda a gente.
A
fim de grana
Frank
Zappa, embora nascido no leste, foi criado nas regiões desérticas
do sul da Califórnia que constituem a periferia da megalópole
de Los Angeles. Como angelino, sua atitude em relação a San
Francisco é de saída condicionada pela imagem que esta cidade
tem no sul da Califórnia - a de um lugar povoado de boêmios,
pseudo-artistas e nefelibatas em geral. O olhar irônico que
Zappa deita sobre a utopia adolescente do Haight é em parte
reflexo deste fato; mas é claro que é mais que isso. Desde
a criação dos Mothers, Zappa deixou claro que para ele o rock
era um veículo e não um fim em si. Via a si próprio como um
artista de vanguarda com um programa estético a realizar;
seus discos eram trabalhos concebidos globalmente e não coletâneas
de canções, e seus concertos de rock eram performances provocadoras,
que deliberadamente violavam as expectativas da platéia. Zappa
tinha formação musical - ele a minimizava, dizendo que se
resumia a dois cursos de harmonia e um curso de composição
que assistiu como ouvinte, além de leituras feitas em bibliotecas;
fosse como fosse, porém, era muita coisa para um músico de
rock. Nos primeiros discos dos Mothers, Freak Out!
e Absolutely Free, Zappa havia desbravado caminhos
no universo do rock, nos dois primeiros discos dos Mothers
encontramos idéias que vão de um todo coerente, à ausência
de intervalos entre as faixas, a utilização de elementos da
música de vanguarda e técnicas de montagem sonora.
Frank Zappa, com seu olhar
cético, torceu o nariz, para Sgt. Pepper´s. Não que
negasse os méritos do disco; porém “havia naquela coisa toda
dos Beatles um cheiro de que eu não gostava”, como ele declarou
à revista Rolling Stone (nº 507, 27 de agosto de 87,
pág. 145). “As coisas que estavam acontecendo na época me
davam a impressão que eles estavam mais era a fim de grana
- o que era uma idéia muito impopular na época”. Imediatamente,
Zappa convocou seu grupo e começou a gravar seu terceiro álbum,
We’re Only in for the Money – “A Gente está mais é
a fim de grana”. O disco gravado em Nova York entre agosto
e setembro de 67, só veio a ser lançado onze meses depois.
Isto porque a capa era uma paródia nada sutil da famosa capa
de Sgt. Pepper’s, e a gravadora temia ser processada
pelos Beatles. Na verdade, a capa interior do álbum dos Mothers
imitava a capa exterior do disco dos Beatles e vice-versa;
isto era uma concessão à gravadora, Zappa tentou, em vão,
autorização de Paul McCartney para satirizar a capa de Sgt.
Pepper´s. Mas se a capa aludia diretamente ao disco recém-lançado
do conjunto mais famoso do mundo, o conteúdo era algo ambicioso:
um grande painel crítico do universo da contracultura. A capa
é caracterizada pela inversão e o escracho. Enquanto em Sgt.
Pepper’s os Beatles aparecem à frente de uma multidão,
numa pose simpática, levemente irônica, com uniformes de músicos
de banda, os Mothers aparecem travestidos, um deles numa cadeira
de rodas, com expressões de deboche. Se o nome “Beatles” aparece
escrito com flores, as letras de “Mothers” são formadas com
frutas e legumes (alusão ao disco anterior dos Mothers of
Invention, em que predominam os vegetais, e cujo lado “A”
culmina com uma cena erótica envolvendo uma abóbora). No Sgt.
Pepper’s, como fundo das letras das canções, três dos
Beatles são vistos de frente e um de costas; no disco de Zappa
todos os componentes do grupo estão de costas, menos um, visto
de frente. As cores, os elementos tipográficos, tudo evoca
diretamente do disco dos Beatles; mas nem tudo é gozação.
É claro que o tom de escracho é uma crítica ao bom-mocismo
dos Beatles, e ao clima de saudosismo um pouco piegas de Sgt.
Pepper’s; mas ao adotar o formato desse disco Zappa -
queira ou não - está forçando uma comparação entre seu álbum
e o do conjunto inglês. E, questões de pioneirismo e radicalismo
à parte, um dos efeitos inevitáveis desta comparação, da existência
de tantos elementos comuns aos dois trabalhos, da própria
relação parodística entre as capas, é ressaltar o fato de
que os dois pertencem a uma mesma corrente: a linha experimental
do rock. No contexto de 1967-68, mesmo parodiar os Beatles
era um modo de reconhecer sua importância e homenageá-los.
Esta mesma duplicidade de crítica
e identificação caracteriza todo o disco, ainda que de início
só a crítica salte à vista. A primeira faixa de We’re Only
in it for the Money, Are you Hung up?, é o monólogo
de um garoto que pretende virar hippie e ir para San
Francisco. O humor da letra vem do contraste entre a idealização
da contracultura e suas realidades mais ridículas, assumidas
indiferenciadamente pelo desbundado neófito:
Sou um hippie muito doido/ Um cigano
só no mundo/ Fico lá uma semana, pego chato / E volto pra
casa de ônibus.
Numa
outra passagem, ele prevê: Vou amar todo mundo, até a polícia
quando ela estiver me enchendo de porrada na rua.
A
mesma idéia é desenvolvida em Flower Punk, paródia
de Hey Joe, que Jimi Hendrix havia gravado recentemente:
ao invés da história do homem que mata a mulher e foge para
o México, Zappa, conservando a forma em diálogo de Hey
Joe e praticamente a mesma linha melódica, apresenta outra
versão da saga do garoto que cai no desbunde: Ei, pirralho, onde que você vai com
essa flor na mão? / Vou pra Frisco entrar pruma
banda psicodélica
Uma saga que termina do modo mais inglório
possível:
Ei,
pirralho, onde que você vai com esse colar no pescoço? / Vou
pro analista pra ele fundir minha cuca de vez
Aqui,
através do recurso à paródia de uma canção de sucesso, o próprio
rock está sendo gozado juntamente com a contracultura. É o
que também ocorre na faixa Absolutely Free, em que
Zappa parodia de modo deliciosamente intraduzível as baboseiras
psicodélicas do acid-rock. Em Nasal Retentiave Calliope
Music, em meio a uma colagem de ruídos, vozes, fragmentos
de músicas, distorcidos e manipulados com virtuosismo, ouvem-se
acordes de surf-rock, e quando o ouvinte tem a impressão
de estar prestes a ouvir um pastiche dos Beach Boys, uma mão
brutal gira rapidamente a sintonia do rádio, quando tem início
a faixa Let’s Make the Water Turn Back, em que a leveza
da melodia e do ritmo contrastam com uma letra grotesca, vagamente
sinistra e, ao mesmo tempo, hilariante.
Mas não são apenas as instituições
mais sagradas da contracultura que são alvo do riso corrosivo
de Zappa. Tal como fizera nos discos anteriores, ele é impiedoso
com a cultura da maioria silenciosa. Em Blow Tie Daddy,
o homem médio americano, com seus ideais medíocres, é ridicularizado
sem dó; e em Hary, You’re a Beast!, talvez a letra
mais agressiva do disco, sua contraparte feminina é literalmente
arrasada:
Cabelo pintado/Cabeça vazia/
ISTO É VOCÊ, MULHER AMERICANA!/
Você é falsa em cima/Falsa embaixo/
Você deita na cama e range os dentes
Em
Mom & Dad, Zappa se dirige aos pais da geração
hippie:
Vocês dizem aos filhos que gostam deles?
Bebem na frente deles? Não sabem por que sua filha parece
tão triste?/
Que saco ter que amar pais de plástico!
Mas
não se pense que a posição assumida por Zappa é rigorosamente
imparcial; que, excluindo-se ao mesmo tempo da sociedade careta
e da contracultura, do alto de seu Olimpo, o artista lança
raios sobre gregos e troianos. A faixa Take Your Clothes
off When you Dance mostra que a coisa não é bem assim.
A melodia e o ritmo têm algo de deliberadamente debilóide,
e os primeiros versos
Dia virá em que todos os solitários
serão livres/
PRA CANTAR DANÇAR AMAR
Parecem
ter intenção claramente gozativa. Mas logo vem um trecho em
que, sem dúvida alguma, é a voz do próprio Zappa que estamos
ouvindo:
Que tem
o cabelo ser comprido ou curto/Mechado ou grisalho?/A GENTE
SABE QUE CABELO NÃO TEM NADA A VER/
(dia virá em que ninguém vai ter vergonha
nem mesmo de ser gordo!).
A
crítica ao modismo e aos preconceitos da cultura hippie
deixa claro que a letra não é apenas uma gozação. O “dia virá”
de Zappa não é uma sátira ao otimismo ingênuo de sua geração:
ele próprio tem um projeto libertário que não é tão diferente
assim do da contracultura, e as críticas que ele dirige a
ela não são feitas de uma posição totalmente exterior a ela.
Em Concentration Moon a identificação de Zappa com
sua geração é mais explícita ainda: nesta letra, temos uma
imagem sinistra da América careta, em que os muito-doidos
são perseguidos a pedradas e mortos pela polícia; e num trecho
ouvimos que:
o
american way é ameaçado por NÓS.
Assim
Zappa, apesar de todo o seu sarcasmo, até certo ponto identifica-se
com o projeto da contracultura, e não se exclui do mundo que
tanto goza e critica. Só que não tem a menor condescendência
com tudo o que cheira a comercialismo e modismo nesse meio
- e é justamente isso que ele mais vê no desbunde geral do
Haight-Ashbury. É a tensão entre esta identificação inegável
e um senso crítico impiedoso que faz de We’re Only in it
for the Money o retrato mais sério (embora cômico) e maduro
de uma época caracterizada pela ingenuidade e imaturidade
- da Califórnia de 1967, dos hippies e hippies
de plástico; dos casais de classe média hipócritas e amesquinhados
pela rotina, com filhos drogados e descontentes; dos grandes
happenings coletivos e da truculenta polícia do governador
Ronald Reagan. Quando ouvidos hoje, quase todos os outros
discos de rock da época que tematizam a contracultura parecem
um tanto datados - ingênuos, histéricos, absurdos, mas a lucidez
crítica de Frank Zappa, juntamente com sua extraordinária
criatividade musical, faz com que We’re Only in it for
the Money guarde até hoje toda a força que tinha quando
foi lançado, com onze meses de atraso, trinta anos atrás.
Em
1988, vinte anos após seu lançamento, We’re Only in it
for the Money foi lançado clandestinamente no Brasil e
tudo leva a crer que oficialmente jamais será. Pois mesmo
nos Estados Unidos foram relativamente poucos os que ouviram
este disco singular, cuja epígrafe é uma frase do compositor
experimental Edgard Varèse: “O compositor contemporâneo
recusa-se a morrer!”. Zappa descobriu Varèse na revista Look
num artigo que proclamava Varèse como sendo o autor “da pior
música do mundo”. Ao ler o artigo Zappa logo exclamou: “Ah,
sim, aquilo estava pra mim!”.
Frank
Zappa em 53 discos
Uma
boa notícia para os fãs do Mothers of Invention: pela primeira
vez o trabalho do grupo - e quase tudo o que Frank Zappa gravou
- está disponível em uma nova coletânea de CDs.
O gigantesco projeto de lançamento
de 53 títulos foi concluído com uma série de seis CDs duplos
chamada You Can’t do that on Stage Anymore.
Um projeto considerado imenso por qualquer
gravadora, foi maior ainda para a modesta e independente Rykodisc,
de Salem, Massachussets, que normalmente lança 53 títulos
no período de um ano.
“É a maior iniciativa de todos os
tempos para juntar essa quantidade de material de uma só vez”,
diz Jill Christiansen, que foi contratada especificamente
para supervisionar o projeto.
O projeto inclui trabalhos
feitos na própria gravadora de Zappa, a Barking Pumpkin, e
também outros mais conhecidos, produzidos em gravadoras maiores.
“Existia
uma vontade grande de colocar tudo disponível, no mundo inteiro,
ao mesmo tempo”, Christiansen disse sobre o lançamento consecutivo
dos títulos.
Um programa desse tamanho costuma
ser desenvolvido em um ano ou mais.
“Algumas músicas não são encontradas
na Europa e em outras partes do mundo”, continuou Christiansen.
Um dos títulos estava sendo lançado
nos Estados Unidos pela primeira vez. Does Humor Belong
in Music?, uma compilação ao vivo feita em 1986, tinha
sido lançada previamente na Europa.
Cada uma das músicas foi preparada
por profissionais aprovados por Zappa, que morreu em dezembro
de 1993, com 52 anos. Os títulos representam o que a Rykodisc
chamava de “as versões finais de seu trabalho”.
O processo de remasterização significou
uma maior autenticidade para alguns dos discos.
As músicas gravadas originalmente
em baixo e bateria do "We’re Only in it for the Money",
de 1968, substituídas em 1984 por causa de uma disputa legal
com a gravadora original, foram restauradas.
“Os primeiros seis títulos lançados
são os mais fiéis em termos de som”, diz Christiansen. "Money"
e "Lumpy Gravy" são exemplos dos que mais mudaram.
Agora parecem com o que eram na gravação original”.
Não só as músicas em baixo e bateria
estão de volta em "Money", como o "Lumpy"
está “muito mais claro do que no primeiro CD”, diz Jill Christiansen.
Freak
out! Para começar
Jill
Christiansen sugere que quem esteja ouvindo pela primeira
vez o trabalho de Frank Zappa comece com "Freak Out!",
o precursor psicodélico do "Sgt. Pepper’s".
Outra sugestão é o "Hot Rats",
o primeiro álbum solo de Zappa em 1970, que mostrou o quanto
ele era bom.
Daí, diz Christiansen, “dependerá
de que tipo de música a pessoa gosta. Para quem gosta de jazz,
eu diria pra ouvir "Waka/Jawaka" e "The Grand
Wazoo". Pra quem gosta de rock,
"Overnite Sensation", "One Size Fits All"
ou "Zoot Allures”'.
Os
guitarristas certamente vão gostar dos álbuns "Shut Up
‘N Play Yer Guitar", segundo Christiansen. Esses foram
reunidos no maior volume de toda a nova série, com três discos.
Como guardar o nome de todas essas
músicas?
“Quando comecei, parecia uma quantidade
enorme de músicas”, diz Christiansen. “Agora desejaria que
fosse o dobro. São músicas ótimas. E se as pessoas começarem
a ouvir, elas voltarão querendo mais”.