OAEOZ: rock na espiral da elipse curta
(Mário Pacheco)


     

Ivan Santos - voz/guitarra/teclados/letras     Hamilton de Lócco - bateria     Rodrigo Montanari - contrabaixo
     André Ramiro - guitarras     Carlos Zubek (Sabadá) - guitarras

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     É assustador, angustiante e arriscado gravar um manifesto de rock com personalidade e que exale o feromônio produzido pelo medo, imaturidade e o desafio de acompanhar a perspectiva ou a cruel probabilidade de constatar que longe demais das capitais, velho demais... Ou 15 minutos coincidem num incômodo dejà vu: nem indie, nem mainstream. "Às vezes céu" concilia odor e som numa marca-dágua. Sua crueza de violões remete ao folk urbano do Violent Femmes, ecos do Zero e do Varsóvia na década de 80, quando éramos adolescentes.

     A banda curitibana OAEOZ emprega o título clássico do canto do cisne dos Mutantes como homenagem; sua sonoridade não se prende à moldura rococó - sua sonoridade habita febrilmente o precipício das noites num envolvente desespero juvenil nefelibata que marcou Renato Manfredini, Ian Curtis e muitos outros que sucumbiram ao brilho dos anos 80.

     Um delicado prazer (co) romper o invólucro deste CD. "Às vezes céu", espalha aquele cuidado tátil em retirar o plástico sem amassar o canto do disco, o cuidado com as digitais para não umedecer a capa de papel reciclável. Antes um envelope azul e dentro duas folhas azuis para press-release com uma carta ao vocalista Ivan assinada por Rafael Martinelli, vocalista da banda Deus e o Diabo - RS (rolem stone?) Informações precárias para a trilha sonora de Birdy ("Asas da liberdade") no campo minado daquela capa rodeada de camas frente ao mar no disco do Floyd. O ranço progressivo morre aqui, pra mim é um réquiem das mudanças hormonais.

     A faixa Dizem me deixa na dúvida se estou melancólico ou sóbrio demais ou é muita cena de ciúmes, aquele bardo folk tipo Nick Drake que somente você tinha os discos e sabia as letras reencarna nestas 12 faixas. O lirismo da voz do Ivan Santos excede em proporção atentiva no campo literário/sonoro/visual que muitos (e menos ainda divulgados) rompem para impor a vontade através de atos solitários presos naquele lapso na espiral da elipse curta.

     

     "Às vezes céu" é a estrada aberta ou o sinal do trem mudou.

     Na abertura, frases de guitarra com timbre "patrulheiro" e violões inspirados na MKDT - andamentos que me fazem cair na altura inaudível no volume redondo do potenciômetro. Vamos começar de novo e o piano que não é honk tonk faz seu timbre cafona - o piano é uma guitarra de citação Durutti Colunn um agudo sem estourar a nota, um acalanto num exercício de Luz e sombra.

    Meia volta é aquele lirismo agridoce da fase "Let it bleed" dos Rolling Stones, o rock por trás da porta entreaberta com uma guitarra em dueto próprio e coro final.

     "Às vezes céu" é resultado de experiência e construções próprias lembrando os Architectural Abdabs e reflexos de cicatrizes exibidas na pele: o melhor resultado é a cumplicidade. Acredito que todas as líricas de Ivan Santos pertençam a ele mesmo, torna a audição menos dolorosa é impossível compartilhar o seu desespero. Na 11.ª faixa a ópera fica claramente antagônica à ópera original dos Mutantes.

     Este discocedê é recomendado a quem gosta de desafios. Sua curiosa sonoridade contida que realça a voz me lembra que o jazz irrita ao ouvinte menos afeito justamente por costurar linhas tortas e não de canduras psicodélicas. Se eu sobreviver amanhã, arrumo coragem para ouvir o disco no escuro. Um fino solo de guitarra me devolve a alegria neste instante...

     Faixas: Lembranças (não valem nada) / Vôo baixo / Dias tortos / 3h30 / Ausência / Dizem / Às vezes céu (o pêndulo está pra cima) / Luz e sombra / Meia volta / Mar dividido / Horizontes (Igor Ribeiro - compôs esta faixa de destaque) / Ajuda - depois do azul (cujo anjo poderia ser Syd Barrett).