— Você
disse que foi o primeiro a deixar os Beatles...
— É
verdade...
— Como
isso aconteceu?
— Procurei
Paul e disse: "Vou cair fora". Ele sabia que eu
ia voar para Toronto. Ou foi antes de Toronto. Bem, eu disse
a Allen Klein que ia partir. Disse também a Eric
Clapton e a Klaus Voorman que ia deixá-los, mas provavelmente
voltaria a usá-los, como um grupo. Ainda não
tinha decidido o que iria fazer - se ia ter um grupo permanente
ou não -, depois iria pensar nisso, Eu pensei - poxa!
Não vou ficar preso a outro grupo de sujeitos, bolas!
- sejam eles quais forem... Então, disse que ia para
Toronto e, no avião, declarei a Allen, que ia comigo:
"O troço acabou!". Quando voltei, houve
algumas reuniões, e Allen sempre me dizendo: "Acalme-se,
acalme-se, vamos devagar com isso", que havia muita
coisa a fazer e que o momento ainda não era oportuno.
Depois, estávamos discutindo não sei o quê
no escritório com Paul, e Paul disse que os Beatles
deviam fazer isto e aquilo, e eu disse: "Não,
não, não" a tudo quanto ele sugeriu.
Chegou a coisa a um ponto em que eu tinha de falar claro.
Paul perguntou: "O que é que você quer
dizer com isso?" Respondi: "Quero dizer que me
vou embora". Allen estava lá e e lembra bem
de tudo. Yoko também se lembra. Allen não
queria que eu falasse com Paul, mas eu falei e disse: "Estou
fora". Paul e Allen disseram, ambos, que ficavam satisfeitos
em saber que eu não ia anunciar o meu desligamento
desde logo. Paul disse: "Não diga a ninguém".
E explicou por quê: "Se você não
disser é como se nada realmente tivesse acontecido".
Foi o que aconteceu. Paul ainda se aproveitou do meu silêncio
uns seis meses, para vender mais discos.
— Você estava
muito zangado com ele?
—
Não. Não estava zangado com ele. Acho que
ele é o melhor do mundo, em seu gênero. Sabe
fazer bem o que faz. Não estava zangado. Mas a verdade
é que ele foi desleal consoco e ficamos sentidos
por causa disso. Ele disse queeeeee não tinha intenção.
Esperou um ano e depois veio nos dizer: "Vou fazer
agora o que você e Yoko resolveram fazer no ano passado.
Estou lançando um álbum só meu e vou
cair fora do grupo". E foi logo anunciar a sua saída
nos jornais. Aí é que eu vi quanto tinha sido
bobo ficando calado. É chato um sujeito com fama
de gênio fazer papel de bobo. (...)
— Como foi que você
se ligou a Allen Klein?
— Recebi vários
recados, de diferentes pessoas, que me diziam: "Allen
Klein quer falar com você". Na verdade, foi Mick
Jagger quem nos juntou. Eu sabia quem ele era. E não
lhe queria falar. Ouvi falar dele há anos. Sabia
que ele dizia que um dia ainda haveria de ter os Beatles
nas mãos - e isso quando Brian Epstein ainda estava
conosco. Ele oferecera a Brian um excelente negócio
e, considerando as coisas retrospectivamente, acho que Brian
fez mal em não aceitar. Isso foi há anos.
Havia rumores de que eu nunca mee conformaria com tal situação,
porque ele já administrava os Rolling Stones, mas
a verdade é que estes estavam progredindo, sem nenhum
deles se queixar de nada. Quando eu soube que ele queria
me ver, fiquei nervoso. Sempre que algum homem de negócios
quer me ver, fico nervoso. Depois recebi uma mensagem de
Mick: Allen tinha uma proposta para nos fazer. Afinal, Brian
tinha morrido. E fui vê-lo quando fizemos o lamentável
programa de televisão "Rock no circo",
comigo e Yoko aparecendo juntos pela primeira vez, com um
violinista maluco e Keith no contrabaixo. Foi então
que apertamos as mãos e... Que foi, Yoko, que aconteceu
depois?
Yoko — Bem, vocês
acabaram por marcar um encontro...
— Acho que ele me telefonou
para Kenwood, mas eu não quis atender. Não
gosto de falar com pessoas estranhas. Os estranhos só
falam sobre a realidade. Mas ele acabou por vencer a minha
resistência. É um tipo incrível. Sabe
que ele conserva de memória todas as letras as canções
de sucesso, desde a década de 1920? Jantei com ele
ontem à noite e estava cantando umas coisas - Yoko
acha que sei todas as canções, que conheço
milhões de letras e melodias, como uma espécie
de juke box vivo. Pois não sei nada perto
de Allen. Ele é quem realmente conhece tudo, sem
faltar uma palavra, nem mesmo nos estribilhos. Tem uma memória
fenomenal. Basta puxar por ele. Mas, quando nos encontramos
pela primeira vez, sofri uma espécie de choque traumático.
Ele estava terrivelmente nervoso. Eu também estava
nervoso paca. E Yoko também estava nervosa. Foi no
Dorcheester. ficamos ali sentados, todos muito nervosos
- a gente podia ver o nervosismo na cara de cada um dos
outros, O que, aliás, fazia com que a gente se sentisse
um pouco melhor. Falamos durnte algumas horas e foi nessa
noite que nos decidimos. Ele ficou sendo o nosso manager!
— Que fez você
decidir isso?
— O fato de que ele
não somente conhecia nosso trabalho, as nossas letras,
o que eu havia escrito, mas ainda compreendia, até
de trás para diante. Foi isso. Ele sabia o que eu
estava dizendo e acompanhava o meu trabalho, e era um sujeito
que servia para a tarefa, pois fora muito difícil
entrar em contato comigo. John Lennon, que a princípio
fizera tudo para me esquivar. Além disso, ele falava
sensatamente e me pareceu um sujeito muito inteligente.
Ele me explicou o que estava acontecendo aos Beatles e às
minhas relações com Paul McCartney, George
Harrison e Ringo Starr. Sabia tudo, com as maiores minúcias,
a nosso respeito, do mesmo modo que sabe tudo acerca dos
Rolling Stones. É um furão, esse homem. Há
coisas de natureza pessoal que ele não sabe - é
claro -, mas em se tratando de negócios conhece tudo.
E qualquer pessoa que me conhecesse tão bem quanto
ele me conhece - sem jamais se ter encontrado antes comigo
- tinha que ser o sujeito a cuja procura eu andava. por
isso, nessa noite mesma, escrevi a meu advogado, Sir Joe
Lockwood. Estava tão satisfeito que não me
importava com o que os outros pudessem dizer. Apertei a
mão de Allen Klein e lhe disse: "Você
pode tomar conta de mim". Além disso, Yoko se
tornou minha conseheira e, assim, me libertei daquele vigarista
hindu, o Maharishi.
— Então
você escreveu a Lockwood?
— Sim. Nestes termos:
"Caro Joe. — De agora em diante Allen Klein toma
conta dos meus troços". Allen pediu essa carta
para emoldurar e colocou não sei onde. Eu a pus no
correio naquela mesma noite e Allen não queria acreditar.
Estava muito excitado. E dizia:
"Por fim! Por fim! Disse-lhe mais: "Você
cuida de mim, e eu direi aos outros que você me parece
o homem indicado, e você pode agora ir ao encontro
de George, de Paul e de todos eles, se assim quiser".
Eu tinha que apresentar o caso a eles e a outras pessoas,
inclusive Lord Beeching, um graudão inglês.
Paul estava então no Estados Unidos, onde conhecera
Linda Eastman, com quem casara, e de onde trouxera o pai
dela, Lee, e o irmão, John Eastman, para cuidar de
seus negócios pesoais.
Finalmente, quando Allen entrou
na jogada, os Eastman ficaram em pânico; mas eu ainda
estava aberto para negociações. Gostava de
Allen mas teria aceito Eastman. Marcamos um encontro entre
os dois no hotel de um deles. Os quatro Beatles e Yoko iriam
vê-los. Mal tínhamos chegado, e lá estava
Lee Eastman numa espécie de ataque epilético,
berrando para Allen, chamando-o de "espécime
mais torpe sobre a face da Terra" e xingando-o de todos
os nomes possíveis. E Allen sentado, tanqüilamente.
Eastman jogando em cima dele o seu esnobismo de classe.
O que Eastman não sabia é que Neil tinha estado
em Nova York e descoberto que o verdadeiro nome de Lee Eastman
era Lee Epstein! Esse o gênero de pessoa que eles
são. Mas Paul se deixou levar por essa porcaria porque
Eastman tem quadros de Picasso na parede e usa um terninho
de alfaiate de Manhattan. McCartney é isso mesmo.
Nós estávamos ainda hesitantes quando esse
cara entrou na jogada e deu aquele ataque. Pensamos: é
um em um milhão, mas para mim foi o suficiente, assim
que ele começou a malhar o gosto de Klein. E Paul
também colaborou na pichação. Vejam
só, basta olhar as roupas de Paul, ou do pai dele
- que diabo! Quem pensa que é? logo ele falando de
bom-gosto em roupas!
Bicho, o negócio foi
esse, então dissemos: "Pô!" Eu não
desejava um animal do gênero de Eastman perto de mim,
um cara que me despreza pelo que sou e por minha aparência
exterior. Acham que sou um idiota. Realmente, não
chegam a me perceber. Pensam que sou um cara de sorte, um
amigo de Paul ou coisa assim. São tão estúpidos
que não se enxergam. Allen sabia quem eu era, me
conhecia. Não ia cair pelos meus belos olhares. Eastman
cometeu a grande gafe e depois a repetiu. Chegou ao escritório
da Apple um dia e despejou elogios: "Não posso
dizer quanto o admiro". É um jogo manjado, me
dá nojo. E isso na frente de todo mundo. E esse era
o cara com a pretensão de tomar as rédeas
de uma corporação multimilionária...
Paul enquanto isso dizia que os escritórios de Allen
na Broadway não eram muito bem decorados, como se
isso fizesse alguma diferença! Eastman estava no
quarteirão bem da cidade, seu escritório
tinha classe. E daí? Nada disso me interessa, as
roupas de Allen, o importante é que ele é
um ser humano.
*Manchete, dez. /
1970. Tradução simultânea da longa entrevista
a Jan Wanner, que a revista Rolling Stone publicou em dois
capítulos.
Muitas pessoas achavam
que John era ingênuo, mas acho que era simplesmente
determinado a ser verdadeiro, fosse qual fosse o custo.
Eu me lembro dele ter me pedido para descobrir o que as
pessoas importantes do mundo da música achavam do
Allen Klein, numa época em que todo mundo estava
fazendo alegações contra o Allen. Então
eu falei com um bocado de gente e compilei um dossiê
de acusações. Depois John me pediu para ir
a Dinamarca, onde estava num pequeno chalé. Quando
cheguei lá, John leu o relatório inteiro para
Allen e deu uma chance para se defendesse. Eu tenho certeza
que ninguém teria falado aquilo se soubesse que Allen
ia ouvir o que diziam, mas John era tão cioso da
honestidade que leu tudo para ele.
(Ritchie Yorke in,
"A Balada de John & Yoko". Pelos editores
de "Rolling Stone". Edição Círculo
do Livro/ Livros Abril - 1982).
Paul McCartney desesperado
para se livrar do empresário Allen Klein, decide
mover uma ação legal contra John, Geeorge
e Ringo. "O fato de que eu tive de processar os Beatles
foi algo muito, mas muito difícil, porque eu sabia
o que as pessoas iam pensar de mim no futuro"...
1979
27 jul.
Nova York, Allen Klein é
considerado culpado por evasão de impostos e vai
pra cadeia.
1977
10 jan.
A batalha legal de Allen Klein com os
ex-Beatles é resolvida, quando o mesmo concorda em
pagar $800,000 dólares ao grupo. Em contrapartida,
os Beatles pagaram caro pela última parcela dos "honorários"
administrativos da empresa de Klein, a organização
ABKCO. Lennon e Yoko Ono aparecem ao lado de Klein na fotografia
publicitária para selar o acordo: ambos os lados
louvaram o dom de negociação de Yoko Ono como
a chave para o acerto da complexa situação
legal.
O Empresário
que roubava as gravações (Beatles Documento*)
As suspeitas que
apontam Allen Klein como o grande responsável.
(...) Mas a maior
parte das gravações piratas de estúdio
dos Beatles, dizem, foram vendidas pelo senhor Allen Klein,
o empresário do grupo no fim de sua carreira.
Embora não seja possível
provar essa afirmação, ela foi-me passada
por fontes idôneas. E se levarmos em conta que ele
foi processado pelos quatro por "vender material promocional"
pertencente à gravadora, pode-se deduzir que o processo
não seria em cima da acusação de "vender
material para discos piratas", porque se transformaria
numa incrível divulgação para tais
produtos.
O
Pirata
Sabe-se hoje de alguns fatos que
foram encobertos na época em que aconteceram e que,
inclusive, poderiam até ter ajudado a manter o grupo
unido. O caso de Allen Klein é um exemplo. Sabe-se
que ele não só roubou material promocional
para vender, como também roubou dinheiro. Allen Klein
é um dos principais responsáveis pela pirataria
em torno dos Beatles. Este material promocional que ele
vendeu era destinado aos programadores das rádios,
aos disc-jókeys. Trata-se de gravações
de estúdio às quais ninguém tinha acesso.
Para ilustrar um pouco a qualidade
do caráter de Allen Klein, vale a pena contar um
caso. Quando George Harrison lançou o compacto My
sweet Lord, foi ele quem ajudou George a promover o
disco. Mais tarde, Klein foi aos Estados Unidos e comprou
os direitos autorais da música He's so fine
por uma bagatela. E, em seguida, processou George Harrison
por plágio. E alguém pode acreditar que um
Beatle precisasse plagiar um música para fazer sucesso?
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