Yardbirds: o triunvirato da guitarra
(Mário Pacheco)


     Criado em 1963, Yardbirds, na gíria “os presidiários” ou também animais ciscando no alpendre ou ainda “engaiolados” no banho de sol, foi o grupo-trampolim dos guitarristas Eric Clapton (Ripley, Surrey, 30 mar. / 1945) e sua amplitude sonora apropriada, Jeff Beck (Wallington, Surrey, 24 jun. / 1944) o príncipe absoluto coroado, e o sólido Jimmy Page ao lado de Keith Relf (Richmond, Surrey, 22 mar. / 1943-76, vocais e gaita), Cris Dreja (Surbiton, Surrey, 11 nov. / 1945, guitarra-base e contrabaixo), Paul ‘Sam’ Samwell-Smith (baixista e produtor) e Jim McCarthy (Liverpool, 25 jul. / 1943, bateria). O quinteto considerado como um dos principais expoentes do blues-rock-britânico, foi a primeira banda inglesa catalogada pelos anais a apresentar-se no Fillmore em San Francisco, responsáveis pelo surgimento do psicodelismo inglês lançaram as futuras bases do heavy-metal.
     Contemporaneamente regravados por diversos conjuntos - desde Renato e seus Blue Caps a Nazareth e recentemente pelo Rainbow de Ritchie Blackmore. Essa idolatria é a razão pela qual tantos fãs aprofundam-se na história e arrecadação de minuciosos subsídios e raras gravações e fotos, desse esplêndido conjunto que sempre se superou chegando até ao esoterismo misterioso.
     Alguém sempre exprimirá sua visão de forma concisa e clara, mas sem muita pretensão e a título de curiosidade extrema marcada por uma gargalhada seleciono essa pérola da obviedade da crítica, no ofício de serializar ou sacramentar a arte...
“The Dave Clark Five e Herman’s Hermits podem ter vendido mais discos, mas, no período de 1963 a 1968, o Yardbirds fez uma das músicas mais originais dos anos 60 - um grupo cuja influência e presença vai ser sentida e vista em tudo que vier mais tarde” - Lenny Kaye, 1981.
     Vamos voltar a quinze anos antes dessa declaração da revista Guitar World, precisamente em 20 de outubro 1966, quando os Yardbirds, fornecem uma conferência de imprensa no Hotel Americana de Nova York, para a Epic Records, onde responderam a perguntas sobre as influências da música indiana e da música psicodélica na sua. Jim McCarty exprimiu a opinião que as influências indianas estavam a morrer devido ao seu demasiado uso e acrescentou que “Keith e eu lembramo-nos que Jimmy Page foi um dos primeiros a mandar vir um sitar em 1964; veio de Bombaim especialmente para ele e embora na altura não fizesse parte dos Yardbirds seria a sua sitar que usaríamos em Heart full of soul primeiro compacto com Jeff Beck, fevereiro de 1965. Jimmy nunca tocou sitar em palco pois na sua opinião exigia muitos anos de trabalho; sentia que o seu uso em discos pop era apenas uma moda passageira, que não era o que Jimmy desejava. Naquele serviço de computador registra-se que possivelmente em 1964, Jimmy gravou utilizando o sitar em duas faixas e Conseqüentemente a imprensa musical adularia Brian Jones dos Stones por apresentar-se ao vivo e George Harrison dos Beatles como os grandes cultores pop do instrumento de origem indiana.
     Hit Parader - Qual a razão do interesse dos rockeiros nos sons indianos?
     Jimmy Page - Creio que a razão principal é o seu esoterismo. Todos julgam que compreendem. Obtêm um novo som e pronto! Está tudo feito, mas na verdade não sabem do que se passa. Escutei músicos a tocar sitar sem realmente saberem o que fazem; nem conseguem afiná-la.
     Hit Parader - Existem muitos indianos em Londres?
     Jimmy Page - Sim, bastantes. Contrariamente ao que se podia supor, quando se fala com eles sobre a música indiana, parecem desconhecê-la totalmente! Tudo o que conhecem é a música ocidental ou a música indiana de filmes, a qual é completamente diferente. Às vezes aconselham os interessados a dirigirem-se à Sociedade Asiática. Eu conheci Ravi Shankar e só assim pude aprender a afinar o sitar.
     Keith Relf disse a um repórter que: “o termo música psicodélica não era mais do que uma mecânica reprodução dos efeitos das drogas sem uso delas”. Nós não estamos interessados em soar constantemente do mesmo modo e ultimamente temos experimentado sonoridades aborígenes (ouçam o tema Hot House of Omagarashid do segundo álbum) e mesmo canções infantis. Metade das atuações dos Yardbirds eram improvisadas quer musicalmente quer liricamente.
     Jeff Beck referiu que “na América as audiências eram mais descontraídas e acolhedoras, o que tornava os concertos bastantes agradáveis, mas na Inglaterra o mercado para este tipo de música, está saturado”. As novas bandas que ouviu pensavam, para o seu divertimento, “que estavam a produzir algo original, mas estão a tocar o que nós produzíamos há uns 3 ou 4 anos atrás”.
     O grupo parecia estar interessado em responder a perguntas informais como estas:
     Letras estilo Costa Oeste - Todo o grupo as considerava mais criativas e interessantes que as produzidas em Inglaterra.
     Álbum Revolver dos Beatles - unanimemente - Excelente.
     Imitam alguém? - Não.
     Beach Boys - Eles e o álbum Pet Sounds eram os favoritos do grupo.
     A cena mod Londrina e Carnaby Street de Londres - Jimmy Page vestindo uma camisa de seda fúcsia, roupa estilo “Guerra dos Boer” e um alfinete à Roy Rogers, disse que “a cena mod londrina em vez de diminuir estava a aumentar”. Explicou que achava mais interessante vestir num alfaiate do que comprar em Carnaby Street onde todos acabariam por se parecer uns com os outros.
     O último assunto focado nesta conferência foi o envolvimento no filme produzido pela MGM que resumia a Swinging London, chamado "Blow-Up". Foi realizado pelo famoso realizador italiano Michelangelo Antonioni, o mesmo de Zabrieskie Point.
     O segmento dos Yardbirds neste filme é uma cena num estúdio que imita o Ricky Ticky Club e na cena os Yardbirds tocam Stroll on, uma versão alternativa de Train kept a’ rolling; Jeff aparece tocando guitarra e ao notar qualquer problema num acesso de fúria parte-a aos pedacinhos. Pontos de interesse nesta parte são, primeiro: a guitarra com que Jeff aparece tocando não é a mesma que destrói; segundo: Jimmy Page aparece a tocar baixo enquanto na verdade a faixa apresenta duas guitarras solo. O clube burlesco foi perfeitamente reproduzido, mesmo as ateias de aranha no teto.
     Blow-Up do qual surgiu uma trilha-sonora, ajudou a estabelecer a reputação do grupo, principalmente na América e isto apesar do disco conter apenas uma faixa sua; nos Estados Unidos passaram a ser considerados uma banda influente - o arquétipo da banda moderna - e foram creditados como verdadeiros pace-setters. Os Yardbirds empurravam o rock para a frente quer harmônica quer estruturalmente muito mais do que qualquer grupo até este momento.
     O dueto Page-Beck atraía novos fãs, enquanto a fuzz-tone (distorção sonora produzida através de um pequeno aparelho eletrônico, o fuzz box, que acentua e faz ondular o som, do qual Brian Jones foi um pioneiro) estabelecia um rapport que possibilitava uma infinita gama de novidades à guitarra; grande parte devido da criatividade expressa em guinchos, lamentos e gemidos sem nenhum torpor pelo acústico as futuristas guitarras não davam tregua antecedendo o apocalipse - ouça as faixas para confirmar...
     Enquanto membros dos Yardbird, as armas usadas durante os duelos da dupla era uma Telecaster de Page e a Les Paul de Beck, dois sons diferentes. Jimmy e Jeff nas guitarras, gravaram o compacto Happenings ten years time ago/Psycho daisies. O compacto foi recebido com entusiasmo pela crítica, que mostrava-se particularmente interessada na profusão de sons que a dupla arrancava de seus instrumentos, como sirenes de polícia. Sobre o lado B do compacto (Psycho daisies, escreveu um crítico americano: “Diálogos de guitarra entre Jimmy e Jeff, vocais pouco extensos, todo o disco indica uma excepcional jam-session”. O disco revelava influências que Keith Relf dizia terem tido origem na última viagem do grupo pela América. Do lado principal ele disse: “é um disco revolucionário, mesmo para nós. Há umas piadas in e mesmo uma fantástica explosão a meio. Jeff produz os ruídos de guitarra mais ridículos que algum dia terão sido ouvidos; é uma canção que se pode considerar muito perto da influência psicodélica”.
     O entusiasmo com que foi recebido pela crítica não impediu que o compacto fosse tremendo fracasso e o curioso é que um pouco mais tarde uma banda da Califórnia lançou um plágio descarado da música, Psychotic Reaction, e foi enorme sucesso...
Em Beck’s Bolero (arranjo de Page do Bolero de Ravel) com um grupo de estúdio formado por John Paul Jones, Nicky Hopkins e Keith Moon.
     De volta à América, acabariam a tourné como quarteto tocando inclusive no Carrousel Club em San Francisco.
     Diz Keith: “Fomos um pouco lentos a escapar-nos e Jimmy foi duramente atingido. Houve uma louca corrida em direção ao carro e Jimmy ficou para trás. Ficou apanhado e foi quase desfeito em pedaços pelos fãs, que continuavam a vir ter conosco e a perguntar-nos como conseguíamos obter os nossos loucos sons e continuavam a categorizar a nossa música como psicodélica, o que era apenas uma parte do show”.


 

Hit Parader - Encontrou muitas diferenças entre a juventude americana e inglesa?


     Jimmy Page - Os americanos são um pouco limitados. Neste momento os ingleses são completamente liberais. Isto não será o conceito original que fariam dos ingleses, não é? Podemos chocar as pessoas na América facilmente; se as pessoas se chocam facilmente é um problema delas. Deviam abrir as suas mentes. Na Inglaterra pode-se andar nu pelo meio da rua sem chocar seja quem for; poderiam ser da opinião que nos devíamos retirar mas não agrediriam; para além disso os 16 anos são a idade da emancipação; pode-se casar aos 16 anos. As atitudes são completamente livres o que se pode ver pelas roupas. As pessoas andam por aí do modo mais ousado possível; estão a rebentar com as cadeias de uma sociedade que já foi. Provavelmente tudo isto faz da Inglaterra um país muito decadente, mas que importa? Billy Graham, o evangelista, veio até a Inglaterra e se estivéssemos com ele veria que tudo parece muito decadente. Tenho de concordar com isso. Ele não teve qualquer tipo de impacto. Acredito que tudo isto seja uma previsão do fim da sociedade; mas não quero saber! Estarei morto antes do fim. Se chegarmos a este ponto em 5 anos, creio que algo acontecerá nos próximos cinco anos. Gostaria que a nova sociedade fosse pacífica, mas não será, porque a violência parece ser a resposta para todo o tipo de problemas. Um jovem passeia-se por ai de cabelos compridos, alguém o provoca, ele responde de um modo um pouco duro, o que eles não esperavam; não conseguem responder e tudo acaba com os punhos. Que espécie de mentalidade é esta? Não posso discutir com pessoas deste gênero. Deve ser terrível ter de lutar numa guerra. Nunca me vi obrigado a pensar realmente sobre guerras, nunca tive de as enfrentar realmente; apenas vi os seus horrores.


     compacto Happenings ten years time ago/Psycho daisies


     “Meu Deus, que batida excitante a dos Yardbirds. Uma pedrada fortíssima enviada com toda a força e isto decorado com violentos sons metálicos e efeitos de sitar, que criam um incômodo e insinuante muro de som. Psicodélico? Sim, talvez mas não de mau gosto.
     As letras são simples mas típicas e absorventes e a melodia é um pouco mais do que um riff repetido até a exaustão. Um disco intrigante e obrigatório que deverá ter melhor carreira que o anterior. Lado B-Grandes sonoridades, especialmente na passagem instrumental ”.


      As apresentações ao vivo dos Yardbirds começam a modificar-se com kaftans, sinos, penteados loucos e guitarras que “mudavam de cor”.


     “Eu vi a guitarra de Jimmy Page mudar três vezes de cor numa só canção, do vermelho ao azul passando pelo verde”. (Mac MacIntyre).


Os dois grandes momentos das atuações dos Yardbirds eram agora White summer uma música numa tonalidade bastante estranha, um longo instrumental que se estendia por vinte minutos que Jimmy Page costumava tocar com uma guitarra Danelectro com dois captadores, e I’m confused, a versão original do que seria mais tarde Dazed and confused , embora a versão dos Yardbirds incluísse Keith Relf a cantar versos diferentes.

     “Sei que alguns de nossos discos soam primitivos agora, mas as idéias e músicas com toques psicodélicos tinham sempre uma ajuda de Giorgio Gomelsky, nosso empresário. Ele também dava idéias sobre a luz nos shows, mas não era sempre que conseguia por suas idéias em prática. Nós achávamos que boa parte de suas idéias eram um bocado bobas. Eu acho que ele queria fazer de nós os novos Monkees”.
Jim McCarty

“Fazíamos uma música climática, que começava suave, crescia e explodia. Eu adorava isso, era tão animal e tão simples” (Jeff Beck).


  Jimmy Page & The Yardbirds 1966 - 1968
(Cláudia Barata*)


4th August 1966: The English psychedelic blues band the Yardbirds, (from left) Jim McCarty, Jeff Beck, Jimmy Page, Chris Dreja and lead singer Keith Relf.
(Photo by George Stroud/Express/Getty Images)

          
       Quando Jimmy Page juntou-se aos Yardbirds como baixista no lugar de Paul Samwell-Smith, iniciava-se novo ciclo na tumultuada carreira do grupo. A importância do fato era justificada - afinal, Jimmy Page não só era um excelente músico como também contava com apoio e respeito de gente como Eric Clapton e John Mayall e larga experiência em estúdios.
      A trajetória dos dois últimos anos de vida dos Yardbirds é traçada aqui com o objetivo de esclarecer e lançar luz neste período, um dos menos conhecidos e geralmente relegado à um segundo plano, sob as alegações de decadência da banda. Mas a verdade é que, com Jimmy Page na guitarra, algo de novo estava para acontecer - e aconteceu mesmo. Shows, gravações, choques - procuramos reproduzir a época com o máximo de informação e clareza, e o que encontramos é uma banda carismática e cheia de novas idéias, mesmo em seus últimos dias.     Sem mais palavras...     Bom apetite!

     Jimmy Page já havia recebido um convite para integrar o grupo no lugar de Eric Clapton, anos antes. O convite foi recusado, pois Page alegou estar satisfeito com o trabalho no estúdio. Mas, anos mais tarde, diria: Se eu não conhecesse Eric Clapton, ouse não gostasse dele, poderia ter me ligado a eles. Mas do jeito que as coisas estavam, eu não quis participar. Gostava um bocado de Eric e não queria que ele pensasse que eu tinha feito algo pelas suas costas. A Chris Welch cantou, quando este foi visitá-lo em sua casa: Trabalhar em estúdio não foi nada bom. Era como ser um computador. E acrescentaria, em declarações posteriores: Eu já conhecia Jeff Beck já há algum tempo. Ele era muito respeitado, e achei que o grupo gostaria de tê-lo. Mas, falando honestamente, eu tinha um certo interesse em juntar-me à banda àquela época. Outras publicações sugerem que a recusa de Jimmy Page deveu-se à sua saúde frágil e que não resistiria à maratona de shows. No entanto, a principal razão de sua negativa era o fato de ser amigo íntimo de Eric Clapton e achar que assumir a guitarra em seu lugar não seri auma atitude muito digna.
     A recusa de Jimmy Page levou Jeff Beck à guitarra e ao conseqüente sucesso, principalmente nos Estados Unidos, onde invadiram as paradas com compactos e LPs sucessivos. Nesse meio tempo, Jimmy Page continuou seu trabalhono estúdio, gravgando com Paul Anka, Kinks, entre outros. Gravou algumas faixas com Eric Clapton, lançada spelo selo Immediate: Telephone blues, I'm your witchdoctor (lançadas em compacto sob o nome de John Mayall), Sitting on the top of world e Double crossin' time. Desafortunadamente, faixas gravadas na casa de Jimmy Page, com apenas uma guitarra na parte rítimica e outra solando, um pequeno encontro de amigos, foram lançadas, e tal fato arruinou a amizade dos dois. Jimmy Page contou à revista Los Angeles Free Trade: Eric Clapton veio um dia à minha casa, quando eu ainda morava em Epson. Fizemos algumas gravações juntos, usando um pequeno gravador Simon com dois canais; no fundo, nada mais eram que cenas caseiras. Antes dos Bluesbreakers terminar eu já havia anunciado à Immediate que tinha estado gravando com Eric em minha casa. E eles disseram: Não se esqueça de que essas gravações nos pertencem, porque Eric Clapton ainda estava sob contrato nosso. Vi-me obrigado a entregar-lhes as gravações (...). Colocaram um elogio exagerado na contra-capa, supostamente escrito por mim e lançcaram-nas como fazendo parte de uma antologia de blues. A antologia compreende três LPs: Blues anytime, mais os volumes dois e três. No primeiro encontramos as seguintes músicas: Snake drive, Tribute to Elmore, West Coas Idea. O segundo traz Draggin' my tail e o terceiro Miles road. Em 1971 a RCA lançou um LP intitulado Guitar Boogie, com as mesmas gravações da antologia Blues anytime, mais faixas de Jimmy Page e Jeff Beck com o suporte dos All Stars.
     Jimmy Page também participou de discos de Mickie Most, então cantor, e considera que dois de seus melhores solos estão nos compactos Sea cruis/It's a little bit hot e Money honey/That's alright (ele sola no lado A de ambos os compactos), respectivamente lançados em janeiro e abril de 1964.
     É em junho de 1966 que Paul Samwell-Smith decide deixar o grupo. Jimmy Page recorda: (...) Aparentemente, Keith Relf estava muito bêbado e caindo sobre a bateria, fazendo muito barulho e dizendo Fuck you ao microfone - um anarquia geral. Acho que Paul esdtava um pouco envergonhado... Ele veio de uma família muito abastada. Eu fui aos bastidores e falei: Que show brilhante!. Eles estavam conversando... Paul falando: Bem, eu vou deixar o grupo, e se fosse você, Keith, faria a mesma coisa. Mas Keith Relf não o seguiu na decisão.
     Jeff havia me levado ao show em seu carro e no caminho de volta eu lhe disse que ficaria no baixo até que eles ajeitassem as coisas.
     Assim, Jimmy Page assumiu o baixo, mas somente até Chris Dreja aprender a lidar com o instrumento. Com a bagagem de duas horas de ensaio fizeram a primeira apresentação no Marquee com Jimmy Page como quinto membro. Sobre essa primeira apresentação, disse: Logo que comecei a tocar, vi logo que tudo correria bem.
     A mudança (do baixo para a guitarra) foi mais rápida que o planejado... Gosto de tocar baixo, mas a guitarra sempre foi a minha paixão. Nós iríamos tocar no Carrousel Club e, como Jeff não podia, fiquei na guitarra e Chris no baixo (...). E quando Jeff se recuperou, havia então dois guitarristas-solo.
     A dupla inaugurou fato inédito na história do rock. Pela primeira vez uma banda trazia dois guitarristas-solo, ao invés de um trabalho a parte rítmica. No caso, eram duas guitarras trabalhando riffs. Beck e Page, juntos, exercitavam a genialidade, aumentando a capacidade criativa do grupo, o que tornava quase obrigatório e muitíssimo esperado LP. Sobre essa fase, Page declarou à revista Guitar Player: Às vezes fazíamos coisas realmente ótimas, às vezes não; houve um monte de harmonias que acho que ninguém fez como nós. Fazíamos sempre mais solos que ritmos (...) Mas aí veio a questão da disciplina. Se você vai fazer um duo de guitarras - solo, os riffs devem ser combinados, e têm de estar tocando a mesma coisa. Jeff Beck tinha disciplina ocasionalmente, mas era um músico inconsiatente nos solos quando no palco. Ele é provavelmente o melhor, mas naquela época e por um período depois, não tinha qualquer respeito pelo público. (...) No Over, under, sideways down, Jeff Beck gravou apenas os solos, porque a banda estava tendo muitos problemas com ele. Mas quando juntei-me ao grupo, ele já não estava tão distante... É estranho: se tivesse tido um mau dia, jogava tudo na platéia (...).
     Com Jimmy Page no baixo, os Yardbirds apareceram numa sessão na BBC, tocando Smokestack lightining. Já com Jimmy Page na guitarra, o grupo gravou o compacto Happenings ten years time ago/Psycho daisies (o lado B do single americano era diferente). O compacto foi recebido com entusiasmo pela crítica, que mostrava-se particularmente interessada na produsão de sons que a dupla arrancava de seus instrumentos, com sirenes de polícia. Sobre o lado B (Psycho daisies), escreveu um crítico americano: Diálogos de guitarra entre Jimmy e Jeff, vocais pouco extensos, todo o disco indica uma excepcional jam-session.
     O entusiasmo com que foi recebido pela crítica não impediu que o compacto fosse tremendo fracasso - e o curioso é que um pouco mais tarde uma band da Califórnia lançou um plágio descarado da música, Pycho Caotic, e foi enorme sucesso...
     Em 1966, o grupo é convidado para uma pequena participação no filme "Blow-Up" e, o que seria uma ponta, transformou-se num dos pontos altos da fita. Numa cena fulminante, onde Jeff Beck literalmente arrebenta a guitarra a chutes e golpes contra o chão, atirando-a em seguida ao público ávido de energia da década de 60, enquanto a música não pára e Jimmy Page é focalizado ao acaso, tocando baixo (a música possuía duas guitarras). A canção (Stroll on) foi lançada no LP que contém a trilha sonora do filme, aumentando a já bastante sólida reputação do grupo nos Estados Unidos, que ocorria principalmente devido aos shows, sendo que Jeff Beck continuava sendo a atração maior graças à sua espetacular performance em canções como I'm a man, quando tocava a guitarra com apenas uma das mãos!
     Nesse mesmo ano, Jimmy e Jeff unem-se a Keith Moon, John Paul Jones e Nicky Hopkins num pequeno estúdio e gravam Beck's Bolero, um arranjo de Jimmy Page baseado no Bolero de Ravel. Keith Moon estava em crise com o The Who e os músicos desejavam formar uma banda, mas nada aconteceu, a não ser Bolero. Jeff Beck lembra que Keith Moon despedaçou um microfone de duzentos e cinqüenta dólares com um só golpe. A gravação começou às dez e por volta do meio-dia os trabalhos estavam concluídos. Os tapes, no entanto, foram engavetados e somente lançados em 1967, como lado B do primeiro compacto-solo de Jeff Beck. Sendo que mais tarde foi incluída no álbum Truth, seu primeiro solo, com a lacônica observação: Perdoem-nos por não termos podido melhorá-la.
     Beck's Bolero, apesar de tudo, é uma magnífica obra-prima, cheia de harmonias poderosas e um belo slide, bruscamente interrompido por vigorosos piano e bateria, sempre sustentados por um baixo tranqüilo e seguro. Jimmy conta: Ainda que Jeff Beck diga que foi ele quem a compôs, fui eu seu autor (Nota: Jeff Beck nunca declarou ser o autor de Bolero. No LP "Truth" consta a autoria de Jimmy Page.
     Eu toco uma guitarra elétrica de doze cordas e Jeff Beck as partes de slide. Fico basicamente nos acordes.
     Nesse mesmo ano, os Yardbirds retornam À América para nova tour, mas termina como quarteto, pois Jeff Beck repentinamente adoece e fica internado em um hospital de Los Angeles. É quando Jimmy Page assume a liderança do grupo a tal ponto que Keith Relf declarou: Jimmy tem estado muito bem... mexendo-se loucamente nos shows. É a primeira vez que o vejo esfarrapar-se assim em palco. E Jim McCarthy: É um conservador, mas fica louco quando se vê sobre um palco.
     À revista Hit Parader, Jimmy Page opinou sobre a sociedade de transição que presenciava e que era onde vivia, quando lhe perguntaram se havia percebido muita diferença entre a juventude americana e a inglesa...: Os americanos são um pouco limitados. Neste momento (1966), os ingleses são completamente liberais. Esse não é o conceito original que faria dos ingleses, não é? Podemos chocar as pessoas na América facilmente; e se as pessoas se chocam facilmente o problema é delas. Deviam abrir suas mentes. Na Inglaterra pode-se andar nu pelo meio da rua sem chocar seja quem for; poderiam achar que deveríamos ser retirados dali, mas não nos agrediriam; e também há a idade: pode-se casar aos dezesseis anos. As atitudes são completamente livres, o que pode-se ver pelas roupas. As pessoas andam do modo mais ousado possível; estão a quebrar correntes de uma sociedade que não existe mais. Provavelmente, isso faz da Inglaterra um país decadente, mas o que importa? (...) Acredito que isso seja a previsão do fim da sociedade - mas não quero saber. Estarei morto antes do fim. Se chegamos a este ponto em cinco anos, creio que algo acontecerá nos próximo cinco. Gostaria que a nova sociedade fosse pacífica, mas não será, porque a violência parece ser a resposta para todo o tipo de problema. Creio que todos os grupos rebeldes a experimentam fisicamente. Um jovem passeia por aí de cabelos compridos, alguém o provoca, ele responde de um modo um pouco duro, o que eles não esperavam; não conseguem responder e tudo acaba com os punhos. Que espécie de mentalidade é esta? Não posso discutir com pessoas deste gênero. Deve ser terrível ter de lutar numa guerra. Nunca me vi obrigado a pensar realmente sobre as guerras. Nunca tive de as enfrentar realmente; apenas vi seus horrores.
     Ainda em 1966, Jimmy Page faz sua primeira grande excursão inglesa com os Yardbirds: um pacote que trazia os Rolling Stones como carro-chefe, mais Ike & Tina Turner, entre outros. Foram semanas de trabalho duro...
     Após a excursão, seguiram para os Estados Unidos para mais algumas semanas de shows, regressando à Inglaterra em finais de novembro, mas já com datas acertadas na Austrália e Oriente, em janeiro.
     Neste momento, novo golpe abala o grupo: Jeff Beck, por razões que todo mundo sabe mas que ninguém conhece, é despedido e o grupo não demonstrava interesse em colocar outro guitarrista em seu lugar. Se o abalo foi grande, nem deu tempo para sentir, pois eles já tinham se mandado em 25 de dezembro para uma excursão americana e cumprimento de eventuais contratos. Keith Relf e Jim McCarthy declararam (não se sabe se em uníssono) que Jeff Beck estava cansado e chateado, não conseguindo produzir coisas realmente boas, e Jeff Beck comentou que o grupo era feito de gente muito séria e que era obrigado a impressioná-los o tempo inteiro. Algum tempo depois, confessou que não queria estar com eles, como poderiam tocar juntos?
     Sem Jeff Beck, a banda continua na estrada da década de 60, e em abril de 1967 é lançado o compacto Little games/Puzzles (Columbia DB8165). O lado A é uma composição simples, onde Jimmy Page sola de modo despojado e sem grandes firulas. A falta de Jeff Beck é muito sentida, então, e o riff repetido quase à exaustão demonstra certa perplexidade da banda ante sua ausência. O lado B, no entanto, é mais interessante e criativo, terminando com magnífico solo de Jimmy Page, com bastante influência oriental, além de um interessante trabalho de base.
     O sucesso do grupo fica por conta de um Greatest hits, que limpava o caminho par ao próximo álbum. Little Games é lançado em maio de 1967, o terceiro LP oficial e o primeiro com a participação efetiva de Jimmy Page. Trata-se na verdade, de gravações e ensaios que o grupo não pretendia pôr à venda. O lado A trazia: Little games/Smile on me/White summer/Tinker, soldier, tailor, sailor/Glimpses. Lado B: Drinking Muddy Water/No excess bagage/Stealing, stealing/Only the black rose/Little Soldier Boy. Está última é um dos melhores momentos do LP embora soe como um Led Zeppelin mais pesado. A guitarra de Page flui solta, e o resto do grupo está muito à vontade. A canção está cheia de novas idéias, tendo inclusive um bonito diálogo entre a bateria de Jim McCarthy, o baixo de Chris Dreja e a guitarra de Jimmy Page. Não há exageros por parte de nenhum dos músicos e a música termina bastante melodiosa, após alguns segundos de simulada e intrigante hesitação.
     O LP foi lançado somente nos Estados Unidos e a novidade era Mick Most na produção. Sobre as gravações, Jimmy Page declarou à revista Guitar Player: Eram caóticas. Nós tocávamos uma parte e eu não sabia o que era. Tínhamos Ian Stewart ao piano (dos Rolling Stones) e terminamos o take. Sem sequer termos ouvido o que tocamos, Mickie Most disse: A próxima música e eu comentei: Eu nunca trabalhei assim na minha vida e ele respondeu: Não se preocupe com isso. Estava tudo sendo feito rápido demais...
     No mês de lançamento do LP, os Yardbirds encontravam-se na América para quatro semanas de shows. Pouco antes, haviam retirado de circulação o primeiro disco ao vivo do grupo gravado no Anderson Theater nos Estados Unidos, pois haviam ficado insatisfeitos com a qualidade do som. Em setembro de 1971, a EPIC o relançaria sob o título The Yardbirds with Jimmy Page at the Anderson Theater, mas Jimmy Page rapidamente interveio e o disco foi novamente retirado de circulação.
     Se você tivesse ouvido aquele álbum, saberia porque nós não permitimos seu lançamento. O que aconteceu foi que a Epic nos perguntou se poderíamos fazer um disco ao vivo e combinamos que, se os resultados fossem satisfatórios, eles poderiam lançá-lo... Mas, se não, eles deveriam engavetar os tapes. (...)
     Mas, claro, os resultados foram péssimos. Ficou parecendo a Música do Manuel das Montanhas, e o concerto em si foi ruim. (...) Então nós fomos ouvir os tapes e a cada solo havia aqueles urros que vemos em touradas, o que era simplesmente medonho. Você tocava um solo e então aquele imenso RAAH vinha sobre você. Num dos números em que supostamente deveria haver silêncio, foi posto um clima de clube.
     Mickie Most estava mais interessado em produzir compactos de sucesso do que um LP coeso, e acabou não conseguindo nem um nem outro. Isso contribuiu bastante para apressar o fim da banda. Jim McCarthy e Keith Relf compunham juntos coisas bem diferentes do repertório dos Yardbirds e que queriam gravar mas não dentro da banda. Jimmy Page comentou: As gravações apressadas e mal terminadas levaram Keith e Jim à depressão, querendo terminar, acabar com o grupo. Eu tentei fazê-los mudar de idéia (...) Eu estava doido para fazer alguma coisa, com muita vontade mesmo. Eles eram pessoas com talento. Mas agora Jim e Keith estavam compondo coisas no estilo Simon & Garfunkel.
     Do LP ainda foram lançados em compactos (somente nos Estados Unidos) Ten little indians/Drinking Muddy Water; Ha-Ha said the clown/Tinker, tailor (junho de 1967) e Goodnight Sweet Josephine/Think about it, que foi rapidamente retirada de circulação devido à insatisfação do grupo.
     A última apresentação radiofônica da banda se dá por essa época, no programa BBC Top Gear e em julho de 1968 acontece a dissolução com a saída de Keith Relf e Jim McCarty, encerrando em definitivo a carreira dos Yardbirds no cenário musical.

     
     

     The Dave Clark Five e Herman's Hermits podem ter vendido mais discos, mas, no período de 1963 a 1968, os Yardbirds fizeram uma das músicas mais originais dos anos 60 - um grupo cuja influência e presença vai ser sentida e vista em tudo que vier mais tarde. Lenny Kaye - Guitar Worls, 1981).

     * Cláudia Barata é uma guitarrista-carioca, cultora ortodoxa do blues e dos Yardbirds. Seus textos são repletos de minúncias e embasamento. Sua formação histórico-humanista acrescentava um padrão de elegância aos nossos fanzines.        Cláudia Barata colaborou por vários anos e foi importantíssima nessa fase inicial e selvagem enviando-nos gravações, partituras, fotos e textos; ela chegava à perfeição de enviar as matérias datilografadas e composta pelas fotos. Sem esse esforço não teríamos chegado aos três números seminais deste fã-club dedicado aos "enjaulados". Sucesso absoluto de crítica e público.


    
** Texto originalmente publicado no fanzine Rock'n'Roll News. Nº15. 9 de julho de 1986. Guará Rock City.


   
*** The Yardbirds, "Little games" não foi o último urrah! Em 1992, os membros originais dos Yardbirds, Jim McCarty, Chris Dreja e o novato John Idan, contrabaixo e vocais; realizaram um concerto em Londres, tocando vários clássicos. Alan Glenn substituiu Laurie Garmen na gaita. Em 2000, Os Yardbirds apresentaram-se pela Europa e América. Como The Yardbirds Experience, reunindo Jim McCarty, bateria, Noel Redding, contrabaixo, e o guitarrista Eddie Phillips gravaram um álbum de covers cuja sonoridade soaria como se os Yardbirds não tivessem se separados... Finalmente, em 2003, os Yardbirds, lançaram o seu primeiro álbum de estúdio desde 1968, apropriadamente batizado de "Birdland"!


Keith Relf

Jeff Beck: Príncipe absoluto coroado