Música.
10 jun. / 2008 - Há 20 anos um fenômeno musical
nascido nas pistas de dança virou banda sonora para um
movimento social que acabaria por ter impacto semelhante ao
do punk, na década anterior. Mais que apenas a música
e os 'smiles' que eram imagem de marca do movimento, o 'acid
house' foi banda sonora de uma revolução social.'
Acid
house' faz 20 anos
Quando
se fala em Verão do Amor, pensa-se quase sempre no de
1967, o Summer Of Love hippie que teve em São Francisco
o epicentro, nas flores e cabelos compridos a imagem de marca
e no rock psicodélico a banda sonora. Para evitar confusões,
hoje esse é vulgarmente designado como o Primeiro Verão
do Amor, precisamente porque houve outro, 20 anos depois.
O
segundo Verão do Amor é inglês, veste-se
com roupas largas e cores garridas e movimenta-se ao som do
acid house. Muitos tendem a reduzir o fenômeno à
música e aos smileys, mas na verdade o Summer of Love
de 1988 foi uma revolução social que abalou profundamente
a Grã-Bretanha e acabou por alastrar a todo o mundo.
A sua importância é comparável à
do Summer Of Love original mas também à do punk
que, dez anos antes, tinha chocado o mundo com a sua postura
antitudo, provocadora na imagem, linguagem e produção
musical.
Para
sermos exatos, este Verão do Amor durou mais do que a
estação a que se refere. Quando se fala nele abarca-se
normalmente o período entre 1988 e 1989, época
em que a música de dança e as raves começaram
a implantar-se no Reino Unido. O seu alastrar enquanto movimento
com profundas implicações sociais deveu-se essencialmente
ao ecstasy, cuja fama de "droga do amor" e facilidade
de aquisição resultaram num consumo quase generalizado
por parte da população adolescente e jovem adulta
britânica. Tudo parece ter começado em Londres
e Manchester, em clubes como o Shoom e a Haçienda (este
dos New Order e de Tony Wilson), mas as origens do fenômeno
estão nos Estados Unidos e em Espanha. No house de Chicago,
no techno de Detroit e nas festas de Ibiza. De um lado veio
a música nova, feita com máquinas, celebratória
e de ritmos fortes. Do outro, o hedonismo dançante e
o consumo de ecstasy. Ibiza sempre fora um destino de férias
cobiçado pelos britânicos e no Verão de
1987 alguns DJ com impacto em Inglaterra experimentaram pela
primeira vez a nova droga ao som da nova música. No regresso
a casa, reproduziram o modelo em festas mais ou menos exclusivas
e em poucos meses lançaram a revolução.
Embalado pelo ritmo e pela empatia do ecstasy, este movimento
mais ou menos espontâneo de pessoas que se encontravam
com o único objetivo de dançar, derrubou fronteiras
de sexo, etnia, classe ou mesmo convicções futebolísticas.
Muitos defendem, por exemplo, que o hooliganismo mais violento,
comum em Inglaterra em meados dos anos 80, foi controlado quando
as claques começaram a ir às raves depois dos
jogos e entraram no espírito de celebração
coletiva através da música.
Inicialmente
estas festas eram toleradas pelas autoridades, que não
viam violência ou outros sinais de alarme (além
do barulho). Mas tudo mudou quando o The Sun se infiltrou numa
dessas raves e fez do assunto primeira página, expondo
à Inglaterra de Thatcher o que andava a fazer a sua juventude
durante a noite e parte do dia. O cerco policial aumentou, mas
os promotores tornaram-se mais profissionais e as festas cada
vez maiores, com o público a chegar, em alguns casos,
às 20 mil pessoas. O Second Summer Of Love terminou oficialmente
no Outono de 1989, com o top de vendas e as playlists das rádios
britânicas dominadas pela música de dança.
A club culture enquanto movimento social e estético começou
a instituir-se, ao mesmo tempo que as autoridades se preocupavam
com a criação de leis que pudessem controlar as
festas ilegais em particular e a juventude desenfreada em geral.
A legislação acabou por chegar em 1994, como o
Criminal Justice Act, mas o que acabou mesmo com as raves foram
os megaclubes que aproveitaram as sementes da revolução
e fizeram delas estilo de vida e negócio.
O
Segundo Verão do Amor ocorreu numa Inglaterra dividida
e entre a pose dos aristocratas, o dinheiro dos yuppies e a
falta de perspectivas da maioria da população.
Na mesma época caíam as últimas fronteiras
de Leste, faziam-se as primeiras ma- nifestações
pró-democráticas na China e registravam-se algumas
temperaturas anormalmente altas, sobretudo nas Ilhas Britânicas.
A culpa pode ter sido do calor, mas o mundo, de facto, nunca
mais foi o mesmo.
'Acid house': o que foi?
O
acid house enquanto gênero ficou conhecido por causa dos
ingleses, mas surgiu de facto em Chicago. Reza a lenda que foi
acidentalmente inventado por DJ Pierre (dos Phuture) em 1985,
quando começou a mexer com as freqüências
do sintetizador de baixos Roland TB303, uma máquina lançada
sem grande sucesso em 1982 mas que, juntamente com a sua irmã
808 (caixa de ritmos), definiu o acid house. Acid Tracks, dos
Phuture, a faixa que oficialmente batiza o gênero, é
crua, hipnótica, com um groove sibilante e neurótico
que evoluiu em crescendos impossíveis, numa espécie
de delírio tecnologicamente induzido. Foi Larry Sherman,
o patrão da Trax Records (que editou o disco dos Phuture
e alguns dos discos mais importantes do house de Chicago e da
música de dança), quem lhe colou o rótulo
"ácido", equiparando-o ao acid rock dos anos
60 por causa das suas características psicodélicas.
Quando
chega a Inglaterra como banda sonora das raves e associado ao
consumo de ecstasy, o acid house torna-se na música da
moda e o silvo da 303 no som emblema de uma geração.
Os primeiros sinais disso ouviram-se nos discos de M/AR/R/S
ou S'Express, mas a sua influência acabou por chegar à
pop mais mainstream de gente como Samantha Foxx. No trance,
o 303 continua a ser um recurso comum. Os Roland 303 e 808 (pensados
originalmente para serem usados em conjunto) tornaram-se tecnologia
de culto e têm vindo a ser reabilitados com estatuto vintage.
'Ecstasy'
na berlinda
Embora
tenha ficado famoso nos anos 80, o ecstasy ou MDMA (também
conhecido como E, X, XTC ou Adam) foi patenteado em 1912 pela
Merck sem que no entanto lhe tenham sido atribuídas características
específicas. Foi preciso chegar aos anos 70 para merecer
algum interesse farmacológico e começar a ser
usado em psicoterapia por se considerar que facilitava a comunicação
dos pacientes e também como adjuvante na terapia conjugal.
Embora tenha tido uma breve história como "droga
do amor" nos anos 60, não chegou a vingar no mercado
de estupefacientes e os primeiros registros do seu consumo enquanto
droga recreativa são dos anos 80, altura em que começou
a ser consumida nas raves, normalmente em comprimidos prensados
com logotipos de smileys (os mais famosos), marcas comerciais
ou animais. O fato de ser de fácil síntese tornou-a
muito acessível e o consumo cresceu de forma muito rápida
mas, embora os primeiros relatos a dessem como uma substância
sem efeitos negativos, os casos de morte associados ao seu consumo
acabaram por ditar outro curso da história e em pouco
tempo tornou-se numa droga maldita. Atualmente é ilegal
em todos os países das Nações Unidas, mas,
tal como acontece com outras substâncias psicoativas (caso
do LSD), o seu valor terapêutico começa a ser reconsiderado.
O MDMA atua ao nível da produção de serotonina,
um neuro-transmissor, e entre os seus efeitos mais comuns estão
a desinibição, a auto-aceitação
e a empatia com os outros. Atualmente é usada clinicamente
no tratamento de depressão e stress pós-traumático.
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