30 abr. / 2008 - Albert Hofmann,
o pai do ácido lisérgico (LSD), faleceu na Suíça aos 102 anos,
anunciou Doris Stuker, uma funcionária da prefeitura da cidade
de Burg Im Leimental. Hofmann morreu na terça-feira (29) em
sua casa em Burg Im Leimental, uma pequena cidade nos arredores
da Basiléia para onde mudou-se depois de aposentar-se, em 1971.
O
LSD, alucinógeno descoberto por Hofmann, inspirou - e afetou
consideravelmente a saúde mental de - milhões de hippies nas
décadas de 1960 e 1970. Décadas depois da proibição da invenção,
no fim dos anos 60, Hofmann defendia com afinco sua invenção.
"Eu produzi a substância como um remédio. Não é minha culpa
se as pessoas abusavam dele", declarou certa vez.
O
químico suíço descobriu a dietilamida do ácido lisérgico (LSD-25)
em 1938, quando estudava as aplicações medicinais de um fungo
encontrado no trigo e em outros grãos para a companhia farmacêutica
Sandoz, na Basiléia.
Hofmann
tornou-se a primeira cobaia de sua invenção quando tocou com
um dedo acidentalmente em uma pequena quantidade da substância
durante a repetição de um experimento em 16 de abril de 1943.
"Precisei sair do laboratório e voltar para casa porque comecei
a sentir de repente um mal-estar e uma tontura", escreveu em
um memorando a seus chefes.
"Tudo
o que eu enxergava era distorcido, como um espelho ondulado",
disse ele sobre a volta para casa, de bicicleta. "Eu tinha a
impressão de estar parado, mas meu assistente me disse que na
verdade estávamos indo rápido demais."
Ao
chegar em casa, Hofmann acomodou-se em um divã e começou a experimentar
o que chamou de "visões maravilhosas".
Numa
entrevista para marcar seu centenário, Hofmann disse à emissora
de televisão suíça SF DRS que o efeito "durou algumas horas
e depois acabou".
Três
dias depois, o cientista experimentou uma dose maior. O resultado
foi uma viagem de horror. "A substância tomou conta de mim.
Eu sentia um medo devastador de enlouquecer. Fui transportado
para um outro mundo, um outro tempo", escreveu ele.
A
expectativa de Hofmann e de seus colegas era que o LSD desse
uma importante contribuição para a psiquiatria. A droga amplificava
problemas e conflitos internos e a esperança era fazer com que
ela fosse usada para reconhecer e tratar problemas como a esquizofrenia.
A
Sandoz chegou a comercializar o LSD-25 sob o nome de Delysid
e encorajou médicos a testarem em si mesmos. Foi um dos remédios
mais fortes de que se tem notícia - calcula-se que apenas um
grama seria suficiente para drogar de 10.000 a 20.000 pessoas
durante cerca de 12 horas.
Hofmann
descobriu mais tarde que a estrutura química de sua descoberta
era similar à de cogumelos venenosos e de ervas alucinógenas
usadas em cerimônias religiosas por índios mexicanos.
O
LSD ganhou fama internacional na passagem da década de 1950
para a de 1960, quando o professor Timothy
Leary, de Harvard, passou a defender o uso do ácido
lisérgico com a frase "ligue, sintonize a caia fora". O ator
Cary Grant e diversos roqueiros passaram depois a propalar as
virtudes do LSD na busca por autoconhecimento e iluminação espiritual.
Além
das viagens psicodélicas, porém, começaram a aparecer notícias
de pessoas promovendo chacinas e pulando de janelas em meio
a alucinações provocadas pelo ácido. Usuários freqüentes sofreram
danos psicológicos permanentes.
O
governo Estados Unidos proibiu o LSD em 1966. A medida foi adotada
a seguir pelos demais países do mundo. Hofmann admitia que o
LSD era perigoso se caísse em mãos erradas, mas considerava
a proibição injusta e defendia que fossem permitidas pesquisas
medicinais com a droga.
Em
dezembro do ano passado, autoridades suíças liberaram o uso
do LSD para tratamento psicoterápico em casos excepcionais.
"Para mim, esse é um sonho que vira realidade. Eu sempre quis
ver o LSD em seu lugar de direito na medicina", disse ele à
TV suíça na época.
Hofmann
deixa um filho e uma filha. Sua esposa, Anita, e dois de seus
quatro filhos morreram antes dele.
Fonte:
Agência Estado
O
descobrido do LSD prefere a filosofia (El Paseante)
Da revista espanhola El Paseante
Albert
Hofmann vive em seu retiro nas montanhas suíças,
distante das polêmicas em torno de sua síntese
de dietilamida do ácido lisérgico. O descobridor
do LSD e de outros psicofármacos não menos importantes,
no final de 1989, aos 83 anos, preferiu discutir com o enviado
da El Paseante, filosofia e a metáfora criada
por ele do “transmissor-receptor”.
Hofmann vive num lugar isolado,
sobre o topo de uma colina, à qual se chega através
de uma estrada estreita e sinuosa. Antes de entrar, o anfitrião
me mostra “o melhor do lugar” - um jardim de plantas
raras e muito belas - , enquanto comenta com certa malícia
que Montezuma mostrou seu jardim particular a Cortés
quando este quis ser levado ao seu tesouro.
De volta, Hofmann sugere que nos
sentemos em uma pedra, que marca a divisão entre as terras
suíças e francesas. Desse ponto, vemos uma enorme
extensão de terra. Um providencial monte evita que se
contemple o complexo fabril de Basiléia, com as imensas
chaminés da Sandoz Roche e Ciba Geigy.
— O que é a metáfora
do ‘transmissor-receptor’?
— Se um objeto reflete ondas
eletromagnéticas com comprimento de 0,7 milimicrons,
as chamamos vermelho. Se as ondas têm comprimento de 0,4
milésimos de milímetro, são chamadas de
azul. Isso significa que a percepção da cor é
puramente subjetiva, que acontece no espaço interno do
indivíduo.
O mesmo acontece com o mundo acústico
e com o campo da sensação em termos gerais. Basta
alterar a consciência individual - usando meios químicos,
por exemplo - para que emerja uma realidade não-familiar.
Seria absurdo supor que essa alteração no “receptor”
tenha criado uma modificação no “transmissor”
ou mundo externo.
— Parece uma forma atualizada
do idealismo alemão clássico.
— Não pretendo dizer que
o entendimento se conforma ao mundo objetivo, mas, sim, extrair
duas conclusões básicas. A primeira é que
nossa realidade não possui um estado fixo, mas uma existência
momentânea - por isso, um menino, tendo como lastro uma
carga de memória tão escassa, percebe o mundo
mais intensamente que o adulto. A segunda conclusão é
que cada indivíduo é um criador que deve reinventar
seu próprio mundo. De uma e outra coisa resulta que nossa
liberdade e nossa responsabilidade dependem da nossa capacidade
de selecionar o que queremos receber do programa infinito oferecido
pelo universo.
— Por que viver numa
isolada casa de campo?
— Num ambiente natural é
perceptível uma realidade infinitamente mais antiga,
profunda e maravilhosa que em qualquer coisa feita pelo homem.
As plantas mostram com toda evidência a inesgotável
e divina energia vital. O que se chama função
clorofílica é simplesmente o matrimônio
entre Terra e Sol, um processo de assombrosa simplicidade e
eficácia, que fundamenta o ciclo vital. Mas não
estou propondo um retorno “rousseauniano” à
natureza. O necessário é que cada qual busque
dentro de si uma experiência propriamente mística,
a experiência da vida em sua unidade.
— O misticismo é
algo muito ambíguo, pelo menos para a sensibilidade atual.
— Chamo “místico”
o maravilhar-se, a plenitude de sentido que nos embriaga sem
razão aparentemente algo insignificante. Experiência
mística porém não é sinônimo
de beleza comovedora.
— Mas cabe sentir algo assim
praticando o erotismo, por exemplo?
— Há poucas coisas tão
necessárias quanto uma ciência e uma cultura do
prazer, que permitam resgatar a sexualidade de seu status
subterrâneo, ou de seu uso publicitário. Conspira
contra essa finalidade qualquer oposição entre
céu e terra, alma e corpo, natureza e espírito.
Agrada-me muito uma definição que lida com a beleza
como promessa de felicidade. A beleza é sempre um sentimento
de harmonia, uma consciência que vai além da cisão
entre sujeito e objeto.
— Nisso reside também
o interesse de certas drogas com efeitos alucinógenos.
— O gênio grego preveniu
o que se segue de uma realidade dividida complementando o conceito
apolíneo do mundo com a experiência dionisíaca,
e abolindo periodicamente o dualismo mediante cerimônias
de ebriedade estática. É provável que as
iniciações gregas empregassem substâncias
que alteravam a atitude do “receptor”.
— Supõe-se que
o “emissor” seja Deus?
— Podemos chamá-lo
Criação: é o que se revela na experiência
mística. Seja qual for seu pretexto - um local, um gesto,
uma carícia - essa experiência nos submerge numa
realidade que expressa amor.
— Entre o receptor e
o emissor existem distintas telas. Algumas parecem tornar tudo
bastante claro, como o LSD e outras contribuem para tornar tudo
turvo.
— O LSD não é
uma droga como as outras. É inútil tentar com
ela tornar qualquer coisa turva. Nem o enganar a si próprio
nem o enganar a outrem encontram campo para se desenvolver.
Os povos que continuam tomando periodicamente substâncias
afins se preparam e se purificam de alguma forma antes de suspender
a rotina e decidir viajar. Não é um passatempo
e quem não cumpre as regras se arrisca a uma experiência
aterradora.
— Aldous Huxley dizia que
as viagens aterrorizantes podem ser espiritualmente úteis
e beatificas.
— Isso depende das pessoas.
Estou com Pasteur quando ele admitia o papel do acaso nos achados,
reconhecendo ao mesmo tempo que ele só favorece os espíritos
preparados. A toxidade - isto é, a proporção
entre dose ativa e dose mortal - não chegou entretanto
a ser determinada no caso do Lsd, pois são conhecidos
casos de pessoas que chegaram a ingerir de uma só vez
600 doses sem sofrer outra coisa que o susto inicial, e não
existe um só caso de intoxicação resultando
em morte. Organicamente é assombroso que se possa induzir
uma experiência psíquica de tais proporções
com seqüelas fisiológicas tão mínimas.
Empregando LSD puro, os perigos são exclusivamente mentais,
mas não posso concordar que as viagens aterrorizantes
sejam tão frutíferas como as outras. Além
da preparação, que é essencial, existem
pessoas incapazes por constituição de assimilar
proveitosamente esse tipo de experiência. Se alguma vez
voltar a se autorizar o uso médico da substância
- como começam a reclamar os psiquiatras e pesquisadores
de todo o mundo -, tais pessoas serão de antemão
excluídas, evitando assim episódios inutilmente
desagradáveis. Com isso não quero dizer que poderiam
ser dissociados momentos de plenitude e momentos de desamparo
(o que Huxley chamou céu e inferno no transe visionário),
mas somente que certa porcentagem da humanidade não obterá
proveito algum desempoeirando as portas de sua percepção.
— Alguns vêem
o LSD como um alimento espiritual, capaz de levar incomparavelmente
mais longe que qualquer outro psicofármaco. Contudo,
como se entende a descida que põe fim à viagem?
— O LSD puro não
induz a descida. Esse efeito provém da anfetamina que
se acrescenta, de outros adulterantes ou de que o químico
não foi capaz de sintetizar exatamente a dietilamida
do ácido lisérgico. Depois de oito ou dez horas,
o normal é que se produza um estado de relaxamento seguido
por um sono tranqüilo, sem ansiedades nem esgotamento depressivo.
— Quantas vezes você
tomou LSD?
— Me falta tempo para preparar
o ácido adequadamente e mais tempo ainda para assimilar
a experiência. Creio que passei por cerca de 30 experiências.
— Trinta experiências
em 50 anos... o psicólogo Timothy Leary e outros recomendavam
um uso semanal ou no mínimo mensal.
— Leary é um palhaço.
Simpático, mas palhaço.
— Você também
descobriu a psilocibina, outro fármaco dessa família,
e suponho que a tenha experimentado pessoalmente.
— Bem menos vezes. Embora
seja interessante, prefiro o LSD.
— E o Ectasy?
— Provei na Califórnia,
há quatro anos. Tem uma capacidade surpreendente de estimular
a comunicação e gerar afeto. Um afrodisíaco
em sentido amplo, não genital, de uma toxicidade não
desprezível. É menos óbvio que o LSD como
veículo de experiência, mas parece um fármaco
útil para várias coisas. Infelizmente, a legislação
atual impede investigar até que o ponto seja.
— O caso é que
começamos falando de filosofia e temo ter acabado perguntando
aquilo que todo o mundo lhe pergunta.
— Pode-se dizer que certas substâncias
estão aí para serem testadas ou evitadas, não
simplesmente para falar sobre elas. Mas é também
oportuno promover uma cultura farmacológica que substitua
a barbárie reinante. Além do mais, prefiro falar
de filosofia.
Hofmann
lotava sala de aula nos Estados Unidos
No
outono de 1977, uma multidão lotava a sala da aula magna
da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz, Estados
Unidos. Desfilavam pelas primeiras fileiras da sala estrelas
do rock, psiquiatras, orientalistas, agentes do serviço
secreto disfarçados de hippies, professores
de ciências sociais, farmacologistas e jornalistas. Um
homem de meia-idade, de paletó e gravata, abriu com dificuldade
o caminho até a mesa, repleta de microfones. Quando as
ovações diminuíram, o chamado pai da era
psicodélica desdobrou algumas folhas de papel e começou
dizendo: “Temo desapontá-los. Talvez esperassem
um guru. Em vez disso aparece um químico”.
Albert Hofmann não se deteve
em outros esclarecimentos. Dissertou sobre o tema que domina,
descrevendo as sutis diferenças entre as estruturas moleculares
de diferentes substâncias com psico-atividade. Manteve
fascinado até o último segundo o público
heterogêneo. Se muitos assistentes acreditavam que a ele
deviam experiências inesquecíveis, poucos suspeitavam
que a viagem de então pudesse se concretizar de modo
claro em radicais e cadeias atômicas.
Em 1988, ano que marcou os 50
anos da sintetização do ácido lisérgico,
o New York Times informava sobre nova visita de Hofmann
a terras americanas, para inaugurar a fundação
batizada com seu nome. Outra vez na Califórnia, começou
seu discurso dizendo: “Alguém poderia perguntar
como um químico se atreve a tocar o problema filosófico
fundamental (...) Mas na fala a realidade se vincula ao mundo
material externo, ao mundo da matéria, e a ciência
da matéria é a química. Acrescento que
há precisamente 50 anos sintentizei uma substância
que influi profundamente sobre a experiência da realidade”.
Hofmann anunciou que estava preparando o Museu do LSD, com obras
de artistas que atuaram sob o efeito do ácido.
Dos trabalhos em laboratório
à filosofia, muitas décadas se passaram. Hofmann
nasceu no cantão suíço de Aargau, em 1906,
em uma família pobre, desamparada pela morte prematura
do pai. Passou a adolescência trabalhando em fábricas
e estudando, à noite, química. Terminou o curso
em tempo recorde e defendeu um doutorado sobre a enigmática
estrutura da quitina.
Hofmann aposentou-se como diretor
de pesquisa na indústria farmacêutica Sandoz Ltd.
A inofensiva Suíça é berço do LSD,
da cocaína e STP. Foi ali que descobriu-se em 2 de maio
de 1938 o LSD abreviatura de Lyserg-Saeure-Disethylamid,
um composto químico simples, obtido facilmente em qualquer
laboratório. O Dr. Albert Hofmann descobriu as qualidades
alucinogênicas do ácido lisérgico por acaso.
No curso de pesquisas para curar a hemicrania e estancar a hemorragia
ele pesquisava um fungo chamado Ergot que parasita o centeio,
tentando obter um tipo de analéptico, uma substância
estimulante do sistema circulatório que seria derivada
do esporão (ou grão) do centeio. A partir desse
fungo, ele extraiu e produziu o vigésimo quinto derivado
do ácido lisérgico: ácido lisérgico
dietilamida, abreviado LSD-25. Testado em camundongos, a nova
droga não levantou nenhum interesse entre farmacologistas
e médicos, sendo assim arquivada, até que o químico
inadvertidamente ingerisse a substância.
A partir de um relatório
de Hofmann à Sandoz, o LSD foi divulgado a pesquisadores
de todo o mundo. Vários laboratórios passaram,
nas duas décadas seguintes, a estudar o uso terapêutico
do LSD em psiquiatria. Mas foi durante os anos 50 que começaram
as pesquisas com “cobaias” humanas. Nessa época,
a CIA (Agência Central de Informações) e
as forças armadas dos Estados Unidos realizaram testes
com a droga em pessoas que não haviam sido informadas
sobre a experiência. O objetivo era desenvolver o uso
do LSD como “soro da verdade”.
Em pouco tempo, a CIA, os escritores
Aldous Huxley e as “cobaias pagas” Ken Kesey, Lee
Oswald, astros de Hollywood, Cary Grant
e a psiquiatria se apaixonaram pelo produto. Alguns acreditavam
que a droga aumentava a sabedoria e outros achavam possível
controlar com o ácido a vontade e a demência. Todos
concordavam porém que essa substância e outras
de sua espécie, descobertas por Hofmann durante os anos
50 - como a amida do ácido lisérgico, a psilocibina
e a psilocina -, eram o achado psicofarmacológico mais
importante do século.
Instado pelo Pentágono
a que colaborasse em projetos de armas químicas e pela
intelectualidade a fazer precisamente o contrário, Hofmann
participou mais tarde de sessões de LSD com alguns dos
mais distintos escritores e filósofos europeus, começando
para Hofmann uma época de polêmica, agora distante
em sua casa nas montanhas suíças.
*PUBLICADO
NA REVISTA PSICODÉLICA “DE QUANDO O ROCK ERA CONTRACULTURA’
VOLUME I