Uma questão de ordem desclassificada?!
É
proibido proibir, uma nova canção engajada
do poético e visionário Caetano Veloso é
um dos acontecimentos máximos daquele setembro de 1968.
Caetano agora em companhia dos Mutantes transformam a canção
num happening durante a fase de classificação
do III Festival Internacional da Canção (FIC), um
esporro sonoro/visual devidamente registrado pelas câmeras
da TV Globo.
A palavra happening (acontecimento)
passou a expressar algo mais; passou a significar multiplicidade
de eventos revirando-se em dimensão histórica, força
futurista imantando o presente e elevando linhas de passado a
sofrerem guinadas e mutações.
No Teatro da Universidade Católica
(TUCA), em São Paulo diante de um público estranhamente
histórico, numa noite memorável e inesquecível,
Caetano Veloso faria valer toda sua sabedoria e seu estilo cool
para domar as feras daquela horda que berrava enfurecidamente
nas poltronas apinhadas. Para contrabalançar aquela histeria
coletiva, Caetano fez um longo, inflamado, porém sereno
discurso impregnado de sabedoria que iria determinar novamente
os rumos da MPB.
Algumas passagens daquela diabólica
oratória: “Mas
é isso que é a juventude que diz que quer tomar
o poder?... Mas que juventude é essa?... Vocês jamais
conterão ninguém... Vocês são iguais
aos que foram na “Roda Viva” e espancaram os atores...
O problema é o seguinte: estão querendo policiar
a música brasileira... E vocês? Se vocês em
política forem como são em estética, estamos
feitos!... Deus está solto!...
“O
episódio É proibido proibir ressume-se
no seguinte: Guilherme Araújo, meu empresário, me
mostrou na revista Manchete uma reportagem sobre os acontecimentos
de maio em Paris que eu não quis ler, pois tenho preguiça
de ler. Lembro-me que ele mesmo virou a página e disse:
é engraçado, eles pixaram coisas lindas nas paredes.
Esta frase aqui é linda - ‘é proibido proibir’.
Eu falei. É lindíssima. Ele falou faça uma
música usando esse negócio como refrão. Eu
disse - ta. Passou. Eu não fiz. Daí ele me cobrou.
Eu disse, faço. Achei meio boba, mas bonitinha. Todo mundo
na hora achou bonita. No dia seguinte eu já a achava péssima.
Até hoje só gosto do ritmo e de uma parte da letra
que diz 'eu digo sim, eu digo não ao não'. Veio
o festival da Globo. Eu não tinha nenhuma música
bacana pra botar. Nem muita vontade de entrar no festival. Só
me convenci a concorrer quando decidi pegar aquela música
que eu não gostava e fazer uma esculhambação
com o festival. A canção foi escondida pelo happening
e pelas vaias. Sérgio Ricardo ficou intrigado nos bastidores
ao ver minha alegria: ‘não entendo como vocês
podem ficar tão contentes de serem vaiados’. Quando
voltei para repetir a música Questão de ordem
do Gil tinha sido desclassificada (o que me enfureceu porque eu
achava o número dele genial) enquanto o meu É
proibido proibir tinha merecido do júri as melhores
notas. Entrei no teatro decidido a dar um esporro. E dei. Disse
que o júri era incompetente e a platéia burra ou
coisa assim. Ta lá no disco. (...) Até hoje me orgulho
de tê-lo feito. E me congratulo comigo mesmo pelo fato daquela
canção estar esquecida. De fato, falou-se muito
do escândalo, mas o disco não vendeu e, de todas
as canções que eu escrevi desde Alegria, alegria
pra cá, É proibido proibir é uma
das menos conhecidas do público. Jamais admitirei que alguém
a tome como típica do movimento tropicália ou do
meu trabalho em particular”. (Caetano Veloso).
“Naquela
noite de festival no TUCA, todos os meninotes universitários
feridos, reagiram violentamente aos novos significados contidos
no bloco de informações que recebiam. Depois a ânsia
de ‘estar por dentro’ abrandou as iras e trouxe adesões,
dentro e fora do mundinho classe A e B dos universitários”.
(Rogério Duprat).
“Quando, nos anos 60, houve
uma explosão criativa na MPB, o veículo que melhor
industrializou as novas idéias foi a tevê. Lembra
dos Festivais da Record? Num momento, a tevê chegou a ser
um veículo de vanguarda se antecipando à própria
capacidade de compreensão do público, dos estudantes,
em particular, dos críticos e dos próprios músicos.
Refiro-me àquela dramática noite da fase paulista
do Festival da Globo de 1968, quando Caetano apresentou, ou tentou
e tendo o Brasil inteiro contra si, a tevê foi o veículo
com o qual ele contou para fazer aquela lúcida, agressiva
e mais importante denúncia, que representou a meu ver,
e parafraseando John Lennon, o ‘fim do sonho’ de um
dos períodos mais vivos e criativos de nossa MPB”.
(Júlio Medaglia).
“Na eliminatória paulista
de um daqueles FIC’s que o Marzagão promovia, nós
acompanhávamos Caetano em É
proibido proibir.
No dia da final paulista Gil entrou em cena tocando uma calota
de carro, e foi desclassificado. Em solidariedade, Caetano retirou
a música, o que acabou nos classificando para o FIC com
a música Caminhante noturno, que era suplente
na classificação. E lá fomos nós para
o Maracanãzinho, curtir nossa grande chance. Lá
chegando, vejam vocês, fomos recebidos com um abaixo-assinado
dos músicos e críticos, pedindo nossa desclassificação
porque usávamos guitarras elétricas e não
fazíamos MPB! Ah, sim: as quatro primeiras assinaturas
da lista eu me lembro bem. Eram as de Geraldo Vandré, Danilo
Caymmi, Edu Lobo e Sérgio Cabral”. (...)
"Em 'Na eliminatória',
veja de novo como a 'tecnologia' - palavra usada com espanto e
asco pelo narrador do Fantástico
na entrevista de Arnaldo em ago. / 2004 - condiciona a música.
E de quem eram as guitarras? Quem as concebeu e realizou? Quem
Geraldo Vandré, Danilo Caymmi, Edu Lobo e Sérgio
Cabral queriam desclassificar? E por quê? Ao porquê,
respondo: porque primeiro estabeleciam rótulos (no caso,
'MPB') para depois forçar a Verdade (a Música) a
caber neles, feito deficientes mentais querem meter esferas em
buracos quadrados, nos testes de Q.I.. Em primeiro lugar vem a
Música; depois, que se lhe ajustem as classificações!
Venho escrevendo isso há anos em artigos e livros".(CCDB©).
“O pessoal mais conservador
se irritava com isso, cobrava um posicionamento - mania de classificação
- o abaixo-assinado dos compositores tradicionais diziam que se
recusavam a participar do festival por nossa culpa. Eles afirmavam
que a guitarra não tinha nada a ver com MPB. E a gente
lá, recebendo uma força dos baianos. Era a Tropicália
quebrando preconceitos”. (Rita Lee).
Gilberto Gil teve Questão
de ordem (onde tocava calota acompanhado pelos Beat
Boys), desclassificada pelo júri. Caetano revidou
intercalando o discurso onde denunciava a índole reacionária
da platéia e a estrutura autoritária do festival.
Os baianos comunicaram à direção do festival:
“Os Mutantes irão em nosso lugar” e a direção
concordou pois eles davam “aquele colorido diferente”
que faria bem ao festival.
Só que a direção
e Os Mutantes não esperavam pelo tal abaixo-assinado que
pedia veementemente pela eliminação de Caminhante
noturno e quando os Mutantes ensaiavam à tarde no ginásio,
encontraram o tal manifesto contra o visual/músico/instrumental
dos meninos onde a guitarra era um insulto e que declarava, entre
outras coisas, a repulsa por participarem de um festival de música
juntamente com pessoas alienadas que usavam uma cultura estrangeira.
“Os
Mutantes não são alienados, nem gênios, nem
loucos. São criaturas comuns, com a diferença de
que gostam de coisas surrealistas”. (Dirceu Soares in Realidade).
Pode-se citar como signatários
do complô, também, Sidney Miller, César Costa
Filho e Beth Carvalho. Um dos poucos que recusaram a assinar o
manifesto foi Nelson Motta.
"Entro em seara alheia apenas
para contar algumas coizinhas que os colunistas especializados,
por uma questão ética, não
poderão contar: por exemplo, o nosso
Ziraldo, teoricamente um dos partidários do chamado 'poder
jovem', deu uma de esclerosado e, ao lado do Ricardo Cravo Albin,
fez uma verdadeira pregação contra o excelente grupo
Os Mutantes, dando uma das piores notas recebidas pelos autores
de Caminhante noturno". (Tarso de Castro in,
"Tarso de Castro - 75 kg de músculos e fúria
- a vida de um dos mais polêmicos jornalistas brasileiro".
Tom Cardoso - Editora Planeta, 2005).
Pegos de surpresa, os desprevenidos,
porém mutantes acostumados a levarem tudo na gozação,
ficaram bastante desapontados e até pensaram em desistir
da “grande chance”, mas depois do susto inicial, promovido
por aquela situação tipicamente reacionária,
começaram a elaborar o troco...
É chegado o grande dia e
na hora marcada inicia-se a saga do Caminhante
noturno talvez o maior clássico dos Mutantes.
Os meninos se dirigem par ao palco, faces e bochechas rosadas,
sardas e longos cabelos. Próximos da iluminação
e o espanto aumenta, o público não acredita no que
presenciava: Arnaldo, vestido de cortesão medieval, segurando
o seu contrabaixo negro como uma espada; Miss Lee, segurando seus
pratos, vestida de noiva como uma personagem de contos infantis;
Serginho com sua guitarra de ouro, trajado de toureiro com uma
fita no cabelo e a guitarra acoplada em um pedal.
“No chão / Eco... /
Um sapato / Pisa o silêncio caminhante noturno”.
A viagem mágica e misteriosa
do som circulava pelo emudecido, Maracanãzinho e a direção
do olhar se prendia a procura do palco. O lugar de onde irradia
aquela hipnótica massa sonora responsável pela total
atenção da platéia que não decifrava
por completo o visual e o som.
Ressonâncias, sons de um futuro
próximo e a guitarra nas mãos de Sérgio vibrava
continuadamente dentro do arranjo planejado por Rogério
Duprat, um arranjo que permitia que o instrumento soasse como
outros assim como um violino em perfeita harmonia o trio lembrava
uma cavalaria ou o frenesi das touradas de Madri.
"Começo,
em 'ressonâncias, sons' - Pelo Amor de Deus!!! Não
foi arranjo de Duprat nenhum que permitiu que o instrumento de
Sérgio soasse como um violino! Foi o meu trabalho insano
durante oito meses, varando noites e dias, para conceber e produzir
tal instrumento: uma guitarra que criasse sons incontáveis;
e um desses sons era adrede exatamente o do violino, que guitarra
nenhuma, senão a Guitarra de Ouro, pôde gerar! O
próprio Duprat só obteve o som elétrico em
seu violoncelo com a minha ajuda, e esse som fazia o trabalho
oposto: transformava o violoncelo, irmão do violino, em
guitarra! Com trêmulo elétrico e tudo. Não
foi coincidência alguma; sim, meu objetivo, mostrar que
por meio dos agora rótulos 'guitarra' e 'violoncelo', a
tecnologia expunha a Alma única desses instrumentos: a
Música!". (CCDB©).
"Vai caminhante antes do dia
nascer / vai caminhante antes da noite morrer / vai caminhante.
Quem eram aqueles caminhantes? Carregados
de ironia e sotaque interiorano paulista que ousavam novamente
a desafiar os “medalhões” e suas torcidas organizadas
no sagrado templo da MPB?
Não havia tempo nem condições
suficientes para tentar entender e conseguir as respostas. Em
situação de perigo e medo, a agressão foi
a solução imediata para fugir daquele estado. Ao
final da música, a platéia grita em coro como nos
gramados: “Bicha! Bicha”.
Arnaldo, Sérgio e Rita continuavam
firmes defendendo o nome Mutantes e partindo para afirmar que
o som do grupo era indestrutível e eterno.
Novo choque! Todos vestiam o tradicional
smoking ou roupas de gala e os meninos roubaram a festa
e quase acabaram com o festival da Globo. Insulto e agressão
que doeu demais nos colegas de ofício e na multidão
que fazia coro. Grande parte da imprensa “lavou as teclas”
e disseram: “amém!”. O discurso de Caetano
Veloso refletia e os Mutantes de certa forma eram o espelho.
Caminhante noturno obteve
o sétimo lugar, referencial quase algum se se considerar
o fato de que quase ninguém sabe o total das músicas
inscritas. Numa noite de domingo carregado de alto teor ideológico
onde a canção engajada de Geraldo Vandré
Pra não dizer que não falei das flores ficou em
segundo lugar e a vencedora uma parceria de Tom Jobim e Chico
Buarque de Hollanda, “canção alienada”
batizada de Sabiá entoada sob uma vaia colossal
por Tom Jobim inutilmente ajudado pelas vozes de Cynara e Cybele.
“A mais sonora vaia já acontecida em toda a história
dos festivais de música popular”, escreveu o repórter
da Folha de S. Paulo. Maior mesmo que a que fora despejada sobre
Caetano Veloso e sua É proibido proibir, duas semanas antes,
no TUCA, na primeira eliminatória paulista do FIC.
“Chico livrou-se dessa porque
estava em turnê pela Europa”.
“Por favor, venha, não
me deixe só”, pediu Tom num telegrama patético
que o amigo interpretou como brincadeira. Mas pegou o avião
e desembarcou no dia da vitória de Sabiá”.
Alguns acreditavam que a classificação
poderia ter sido melhor se durante a apresentação
Os Mutantes tivessem recorrido aos efeitos especiais que posteriormente
usaram no estúdio. Mas Caminhante noturno saiu
em compacto onde se ouve ao final da música o coro da platéia
gritando: “Bicha!, Bicha”. E, ironicamente, no outro
lado do compacto a tranqüila Sabiá vencedora do III
FIC. Mas, ironia mesmo foi o lançamento do compacto
É proibido proibir que registra, na outra face, o
inflamado discurso de Caetano Veloso sob a vaia, e que receber
da gravadora o irônico título de Ambiente de
festival.
Paralelamente ao evento do festival,
Gil, Caetano e os Mutantes iniciam uma temporada de shows na Boate
Sucata, que era de Ricardo Amaral, o que Caetano ainda chama de
“festival marginal ao festival que se seguia”.
“Um espetáculo tropicalista.
Como parte dos elementos visuais de cena, destacava-se a bandeira
de Hélio Oiticica: ‘Seja marginal, seja herói’.
O show, a bandeira de Hélio, alguns acordes que os Mutantes
dedilhavam ao violão e que os censores confundiram com
o Hino Nacional, tudo isso, mas principalmente a campanha de delação
de um certo Randal Juliano, que todo dia pedia pela rádio
e tevê a prisão de Caetano Veloso, levaram à
proibição do show por um juiz, a ridículas
acareações entre Amaral e Caetano, e à prisão
do compositor”. (Zuenir Ventura).
Depois de inovar as capas de discos
e até hábitos de comportamento, os tropicalistas
querem inovar a imagem da tevê. E, na extinta, porém
saudosa TV Tupi no dia 26 de outubro de 1968, estreava o programa
“Divino Maravilhoso”.
No mesmo programa apresentavam-se
artistas diversos e tão diferentes como Nara Leão,
a ex-musa da Bossa Nova, Jorge Ben egresso da Jovem Guarda e recém-chegado
dos Estados Unidos e os Mutantes tocando com Tom Zé um
happening criado pelo poeta Torquato Neto. Descabelados,
exibindo roupas extravagantes, com Caetano dançando sensualmente
e literalmente lançando sobre o público presente
novos livros de poesia. E Jards Macalé, e Paulinho da Viola
mostrando suas primeiras composições.
Um dos grandes momentos foi quando
o produtor Fernando Faro teve a idéia óbvia. Virou-se
para Gil e Jorge Ben, cada um empunhando um violão mais
afinado e disse: “cês têm 10 minutos de programa.
Façam o que quiserem”. E assim foi feito, e preenchido
com a música Saí de mim, mulher de Jorge. Dez minutos,
enfim sós, afinados com uma linha musical mista do blues
ao samba, entrando no desafio nordestino, chegando ao rock ao
baião, enfim, muito tudo.
“'Divino
Maravilhoso' era muito bom, porque não tinha patrocinador
e eles deixavam a gente à vontade - diz Jorge Ben.
Uma festa que durou pouco.
A censura começou a dar em cima: “esse moço
dançando é uma pouca vergonha, não pode continuar
no ar” - o programa deixou de ir ao ar em novembro, e os
baianos “enterraram” o tropicalismo em seu programa.
Tom Zé, uns dois anos antes
(1966), fez uma composição que permaneceu engavetada,
sem título porque ele mesmo não gostava da música.
E talvez a situação permanecesse assim até
hoje, se não fosse o interesse de Rita pelos versos que
resolveu terminar a letra e mostrar aos Mutantes.
E no IV Festival de Música
Popular Brasileira da TV Record de São Paulo, os Mutantes
defenderam Dom Quixote com a colaboração
de Rogério Duprat, do pseudo-guru Bororó e do grupo
Anteontem 56 e meio - embrião do Joelho de Porco e ainda
2.001 a parceria entre Tom Zé e Rita Lee com a
participação de Gilberto Gil e Liminha ex-baixista
dos Baobás.
"Em
'e no quarto Festival, Liminha' (Arnolpho Lima Filho); Liminha
foi um dos que adquiriram guitarras de minha manufatura. A dele
era instrumento sólido, a seu pedido uma cópia da
Fender Jaguar - e bem melhor que a original. Muito mais tarde,
Liminha veio a tocar e fazer várias gravações
com a Guitarra-baixo de Ouro, lavorada em Jacarandá, que
criei para o Arnaldo. Esse instrumento aparece em foto e som no
elepê de Rita 'Hojé é o primeiro dia....'".
(CCDB©).
Os Baobás grupo de Liminha
e Tico Terpins (Joelho de Porco) lançaram dois compactos
produzidos por Roberto Carlos Real para o selo Rozemblit: Bye
bye my darling / Pintando de preto versão
de Paint it black e Happy together / Down
down. No único LP lançado pelo grupo, os integrantes
partiam para uma viagem psicodélica através de temas
dos Doors (Light my fire) e Rolling Stones passando pelo
soul de Otis Redding.
Os Baobás “um dos enigmas
do rock brasileiro” se associou, ainda que indiretamente,
à Tropicália. Caetano Veloso ficou sem banda de
acompanhamento, pois o conjunto argentino The Beat Boys, que acompanhara
Alegria, alegria, acabara por se revoltar contra as condições
impostas por Guilherme Araújo e decidira voltar para o
iê-iê-iê, para o trabalho independente. E não
se sabe como, Caetano descobriu os Baóbas para a vaga.
Com os Baobás Liminha passou a freqüentar os programas
de tevês no Rio e São Paulo e lá conheceu
Gilberto Gil.
Após Liminha deixar os Baobás,
Gilberto Gil o convidou para dividir um banquinho no festival
- tocando 2.001 em forma
de dupla caipira: Gil e Jiló. Gil na sanfona e Liminha
na viola fazendo o suporte sonoro para a eletricidade e roupas
de plástico dos Mutantes assessorados por Rogério
Duprat que tocou o piano.
Para defender Dom Quixote,
Rita vestiu-se de “Dulcinéia”,
segurando agora um teremim - um tetravô dos sintetizadores,
instrumento eletro magnético, baseado no princípio
do radar, cujos sons são obtidos por movimento das mãos
aproximando-se ou afastando-se dele. Mas o destaque mesmo ficou
por conta de 2.001, onde
Os Mutantes fizeram a primeira experiência trazendo o tom
do som caipira par ao palco da tevê, na cidade, o que daria
origem ao rock rural brasileiro dos anos 70.
"Em
'para defender D. Quixote', o teremim em questão
foi o primeiro que se montou no Brasil e um presente meu para
Rita, o qual me custou semanas de trabalho para confeccionar e
ajustar. Você pode procurar artigos recentes de Theophilo
Augusto Pinto, os quais contam a história desse e doutros
teremins brasileiros. O primeiro teremim foi inventado pelo russo
Leon Theremin, em 1928 e era à válvula. Robert A.
Moog fez o dele a transistores, e também transistorizado
era o meu. Por falar nisso, Arnaldo não o proibiu na música...
Novamente, eis a tecnologia condicionando a música; e eu,
músico! Mas não gosto nem desse rótulo. Um
dos motivos de ter escrito Géa
foi mostrar que ninguém é apenas aquilo que dizem:
músico, fabricante de guitarras, pedreiro e tal. Nem os
mais cruéis assassinos o são, embora alguns desses
não saibam... No supremo escrito, Géa,
o "construtor de etérilas" (as guitarras do seu
planeta dele) revela suas experiências, que refletem a Verdade
das palavras acima, úteis à Leitora, ao Leitor”.
(CCDB©).
"Eis
a minha tecnologia criando o 'roque rural brasileiro'! E fundindo
tal já recém-nado rótulo em músicas...
para as pessoas poderem parir mais rótulos! Toda essa fusão
de rótulos era o meu caminho na época, rumo à
Verdade no interior de Tudo, que é una. Minha obra literária
Géa conta como o personagem Clausar alcançou essa
Verdade e serve de guia para quem a procure, mas saiba seguir
a sua própria senda. O mesmo 'desligamento' mental que
os Mutantes revelavam não era em verdade ingênuo;
sim, o fruto de muita conversação comigo e da própria
busca de cada qual dessa mesma Verdade una, que já nos
fazia propositadamente assumir aquela postura". (CCDB©).
Naquele 9 de novembro de 1968, era
divulgada a classificação final, Os Mutantes obtêm
um modesto quarto lugar com 2.001, considerada como a melhor letra
do festival. E Tom Zé seria o vencedor com a música
São São Paulo (“São oito milhões
de habitantes de todo canto e nação / Que se agridem
cortesmente”).
Um mês depois Tom Zé,
lançaria o mais satírico LP de todo o movimento
tropicalista, pelo extinto selo Rozemblit. O LP conta com arranjos
excelentes dos maestros Damiano Cozzela e Sandino Hohagen, e apresenta
Os Versáteis e Os Brazões como músicos acompanhantes.
As músicas: São São Paulo, Curso
intensivo de boas maneiras, Namorinho de portão,
Não buzine que eu estou paquerando,
Parque industrial, Sabor de burrice e outras.
Caetano e Os Mutantes, acompanham
Gal Costa em seu primeiro LP, que recebeu o título de
“Só” e trazia músicas conhecidas
como Divino Maravilhoso, Baby, The lost
in paradise com letra de Caetano, em inglês.
Em
um final de ano exaustivo, a temporada na “Sucata! é
interrompida, o programa cancelado, quando no Natal de 68, Caetano
e Gil foram presos em suas casas por motivos que “desconhecemos”
até hoje. Os baianos passaram dois meses de reclusão
domiciliar, vivendo apenas em um círculo pequeno de amigos
e parentes.
“O
movimento decaiu com a ausência de Gil e Caetano. É
a falta de perspectiva. O próprio grupo inicial, que foi
chamado de tropicalista, queixava-se de que a palavra estava gasta,
contaminada por outros significados. Havia quem colocasse até
Mário de Andrade e sambistas cariocas entre os tropicalistas”.
(Rogério Duprat).
"Em 'O movimento decaiu' vê-se
um dos problemas dos rótulos. Não se confundam as
minhas acepções de 'palavras" e 'rótulos':
a palavra é a melhor aproximação da Verdade;
o rótulo, uma verdade imposta". (CCDB©).
Os Mutantes figuram em duas coletâneas:
IV Festival da Música Popular Brasileira, Volume I, realizado
pela TV Record de São Paulo, com a capa marrom, letras
pretas, eles defendem Dom Quixote, LP simples e no Volume
II do mesmo IV Festival da Música Popular Brasileira, capa
rosa, letras pretas Os Mutantes reaparecem com 2.001.
No dia 13 de dezembro de 1968 -
Costa e Silva assina o Ato Institucional
N.º 5 (AI-5) e Ato Complementar N.º38, colocando
o Congresso em recesso por tempo indeterminado. São presas
em todo o país pessoas ligadas à oposição.
Em cadeia nacional de rádio
e televisão no mesmo dia às 20h30min, o ministro
da justiça, Luiz Antônio da Gama e Silva, anuncia
a resposta do governo à sessão do Congresso Nacional:
passa a vigorar por tempo indeterminado o AI-5, que possibilita
ao governo entre outras medidas, decretar o recesso parlamentar,
intervir nos estado sem as limitações previstas
na Constituição, cassar mandatos e suspender direitos
políticos. E 31 de dezembro, também em cadeia
nacional de rádio e tevê, o presidente Costa e Silva
afirma que o AI-5 era a única solução para
combater a “ansiada restauração da aliança
entre corrupção e subversão”.
“São
raros os anos que permanecem como referência, varando o
tempo e ultrapassando outros anos. Muitos anos bem mais próximos
já dançaram em nível de lembrança.
Os efeitos de 1968 continuam na história e até hoje
se discute a herança que ele deixou, sendo tanto para a
juventude anêmica de hoje, quanto para qualquer outra aventura”.
(Zuenir Ventura).
1968
ccdb.gea.nom.br