Revolver, o LP psicodélico
(Mário Pacheco)
A
quantidade de novidades em experimentos, instrumentação
e técnicas inseridas em Rubber Soul abriram
as fronteiras para os momentos de maior criatividade que a música
passaria a experimentar. Além de ser comparado ao LP "Fith
Dimension" dos Byrds, também foi um ponto de referência
para Brian Wilson dos Beach Boys compor as canções
do disco Pet Sounds o qual impressionou Paul McCartney
a tal ponto que ele declarou ter sido a principal inspiração
na criação de "Sgt. Pepper’s".
O livreto que acompanha a edição em CD remasterizado
do "Pet Sounds" mostra através de
comentários de Brian e de Paul, o quanto os dois estavam
coligados em seus trabalhos neste período.
Norwegian Wood a primeira
canção dos Beatles feita com uma cítara
era a primeira vez que George gravava o instrumento hindu. Em
composições posteriores, o citar manteria sempre
um significado essencial.
Em março de 1966, John
Lennon recebeu alguns amigos em sua casa e, dentre eles, uma
jornalista que não estava a trabalho. Na ocasião,
surgiu o assunto sobre a proibição de rapazes
usarem jeans, camisetas e tênis, e das garotas usarem
mini-saias e maquiagem durante as missas da Igreja católica.
No entanto, os jovens tinham a liberdade de assistir a um show
de rock da maneira que quisessem, e isso não impediria
que eles, por meio da música, estivessem em contato com
Deus ou Jesus Cristo. John relatou que, se as coisas continuassem
daquela forma, até os Beatles seriam mais populares que
Cristo, porque a igreja não estava sabendo como lidar
com os jovens. A declaração foi suficiente para
que em 4 de março de 1966 o tablóide sensacionalista
inglês Evening Standard trouxesse uma reportagem
de Maureen Cleave atribuindo a John a sentença: Os
Beatles são mais populares que Jesus Cristo.
Essa manchete precedia e anunciava
uma virada espetacular na carreira dos Beatles, transcendendo
a imagem inofensiva de produto comercial para adolescentes,
John, Paul, George & Ringo, afirmariam-se mais do que músicos,
como artistas criativos, refletindo melhor que as tentativas
anteriores, os grandes temas da época.
A 5 de agosto de 1966 aparece
o LP "Revolver", no qual se podia ouvir finalmente,
letras mais trabalhadas resultadas da expansão da consciência.
George Martin, lembra que por causa das drogas os rapazes
não eram muito claros no que estavam fazendo. Um dos
maiores problemas, com John e Paul, principalmente o John, era
tentar descobrir o que estava acontecendo em sua cabeça.
A última peça Tomorrow
Never Knows, (originalmente The void) ouvem-se
trechos do Livro tibetano dos mortos, proferidos por John com
o acompanhamento (zumbido) de uma tamboura, a fim de se assemelhar
a um monge falando do alto de um morro. Constituía-se
a ponte de união com a fase seguinte, na qual LSD e as
místicas orientais lhes iriam servir de mediadores para
a procura de novas dimensões. Novamente
George Harrison utiliza o sitar na sua composição
Love you too. Afirma-se que Harrison conheceu o instrumento
durante um estudo intensivo de cultura hindu. Desde então,
precisava freqüentemente de músicos hindus para
as suas gravações, o que em Londres era muito
difícil de conseguir. Mas pouco a pouco, foi capaz de
explicar-lhes aquilo que desejava com o auxílio de notas
hindus.
She Said She Said - As
guitarras estão ótimas. Foi escrita em Los Angeles
depois de uma viagem, durante um intervalo de uma temporada
dos Beatles. Peter Fonda tomou um ácido com os Beatles
e começaram a viajar pelo que seria a noite inteira e
a maior parte do dia seguinte; todos eles, inclusive os Byrds,
acabaram dentro de uma banheira enorme, vazia, balbuciando tudo
que passava pelas suas cabeças. A atmosfera da viagem
foi incrível, os Beatles não paravam de encontrar
garotas escondidas debaixo de mesas e coisas assim; alguém
entrou na sala de bilhar por uma janela e encontrou Ringo,
viajando adoidado de ácido, jogando com o lado errado
do taco. Lado errado?, disse ele. —
E
que diferença faz, porra? Paul, George e Peter estavam
falando sobre a morte, e Peter Fonda estava explicando que tinha
morrido uma vez numa mesa de operação. Eu
sei o que é estar morto falou, e exatamente nesse
momento John passou perto e disse: —
Quem
pôs essa merda na sua cabeça? John nem sabia
quem era esse sujeito: Peter ainda não tinha feito "Easy
Rider" (Sem destino) e John conhecia vagamente
o pai, Henry Fonda. Jane ainda não tinha se convertido
num símbolo sexual ou político. E Peter continuava
dizendo eu sei o que é estar morto. Era assustador.
John não queria saber como era estar morto. Desse monólogo
surgiu a canção He Said He Said; logo
transformada em She Said She Said!
A idéia básica para
entender uma mudança ainda mais radical que a ensaiada
nas inovações de "Rubber Soul" e "Revolver",
discos anteriores, segundo George Martin, estava na própria
trajetória dos Beatles. Eles vinham fazendo um som
bem chiclete, analisa. Ao mesmo tempo estavam bancando
os palhaços da mídia e perdendo o controle sobre
suas carreiras. Iam ladeira abaixo e ninguém pisava no
freio, observa.
Era tudo tão extenso,
tão demorado. Caíamos numa autêntica monotonia
enquanto viajávamos pelo mundo. Se bem que, em cada dia
tivéssemos um público diferente, repetíamos
o mesmo repertório e isso já não era do
nosso agrado. Ninguém era capaz de ouvir qualquer coisa.
Tudo aquilo era um enorme tumulto e mais nada. Como músicos,
cada vez éramos piores. Cada dia que passava era uma
repetição das mesmas mediocridades. Não,
aquilo já não nos satisfazia - George Harrison.
O último concerto dos Beatles
teve lugar a 29 de agosto no Candlestick Park em de San Francisco.
Os Merry Pranksters tinham vindo propositadamente, no seu ônibus
colorido, saudar aqueles que onsideravam ser os novos heróis
da idade psicodélica. Eles não encontraram mais
que a organização habitual do circo “Beatles”,
quatro marionetes perdidas no fundo de uma sala imensa, realizando
uma paródia deles próprios para única satisfação
de milhares de teenyboppers.
O avulso Paperback writer
/ Rain - É a primeira revertida em disco de que
se tem notícia. John estava tão ligado naquele
dia que chegou em casa e tratou logo de ouvir o que tinha gravado.
Ficou sentado ali, fones nos ouvidos, perplexo: o negócio
estava de trás pra frente! Voltou a tocar no dia seguinte,
e pensou: Eu sei o que vou fazer com isto! Toquei novamente
para que todos ouvissem - John. Era o sinal, o LP "Revolver"
fora o antecessor das ousadias e agora Penny Lane/Strawberry
Fields Forever, um compacto impressionante evocando os
mundos perdidos da infância uma utopia muito estranha
no caso de Paul, um lugar onde nada é real e onde
nada se perde, no caso de John. Foi a maior contribuição
ao rock, os Beatles sintentizaram a essência do psicodelismo,
a segunda revolução do rock’n’roll
depois da introdução da guitarra elétrica
no rhythm and blues. O que viria além?
Harmonicamente, Strawberry
Fields começou com um simples acompanhamento de
guitarra acústica por John, passando depois para o som
acid de San Francisco com a entrada dos outros Beatles. E, para
complicar ainda mais as coisas, Martin fez um arranjo mais melódico,
na base de trompetes e violoncelos. Lennon gostava do começo
de uma versão e do fim da outra.
John, queria um som adocicado,
sonhador, mas o resultado obtido era demasiado duro. Perguntou-me
se lhe podia preparar uma nova versão para os instrumentos
de corda. Concordei, escrevi uma nova partitura e gravamos.
Ainda desta vez não consegui entusiasmá-lo. Não
era o que tinha imaginado. Pediu-me que lhe desse a primeira
parte das novas gravações pois iria tentar montá-las.
Respondi-lhe que era impossível, dadas as diferentes
tonalidades em que tinham sido tocadas e os compassos distintos
em que tinham sido escritas - George Martin.
Diante da sua indecisão,
George Martin aumentou a velocidade de uma das gravações
e conseguiu casualmente a tonalidade exigida, cortou-as ao meio
e juntou as duas partes de que Lennon mais gostava. John contentou-se
com isso e a partir de então compor música, significava
para ele, montar convenientemente pequenos fragmentos.
Foi um trabalho bem executado:
além de realçar a música, ninguém
notou que tinha havido uma emenda mantendo a característica
do som de John, um ritmo estranho e oscilante como o ritmo atravessado
de sua guitarrra-base no palco.
Penny Lane é um
passeio nostálgico de Paul no mundo de uma pequena praça,
em uma rua de Liverpool colorida pelas fantasias da memória.
É poesia pura, uma espécie de manifesto de fidelidade
a um passado visto a distância através de uma névoa,
mas sempre presente e otimista, como afirma o refrão:
Penny Lane is in my ears and in my eyes/ Wet beneath the
blue suburban skies.
Em Penny Lane, o ponto
de partida orquestral foi a predileção de Paul
por uma passagem de trompete picollo nos Concertos de Brandenburgo
de Bach. Foi convocado o trompetista da Orquestra Sinfônica
de Londres, que ficou a postos enquanto Paul ia cantarolando
as notas que desejava e Martin as colocava na pauta.
Nós realmente entramos
numa de imaginar Penny Lane... lá estava o banco,
os abrigos da estação dos bondes, as pessoas esperando,
o fiscal em pé, os carros dos bombeiros. Foi uma reminiscência
da infância - John Lennon.
Já ancorando-se em escritores
como Lewis Carrol e Joyce, Lennon criou Strawberry Fields
Forever, (um orfanato) onde o beatle nos convida de saída
a incursionar pelos territórios de seus sonhos, dividimos
a viagem: Let me take you down... em direção
a uma espécie de País da Cocanha em que nothing
is real/ nothing to hungabout (nada é real/ nada
com que se preocupar.
Estabelecem-se as comunicações
paralelas, interpretações pessoais e análises
filosóficas sobre as músicas dos Beatles que os
perseguiriam nos próximos anos. Com canções
como verdadeiras “cartas abertas”, praticamente
cada facção ou pessoa acreditava identificar uma
mensagem determinada em cada letra da dupla Lennon & McCartney,
e em cada nota musical tocada pelo grupo ou ao contrário.
Jonathan Cott — O que é Strawberry
Fields?
John — É um nome, um nome
agradável. Quando eu estava compondo In My Life -
na época eu estava tentando Penny Lane -, nós
estávamos tentando falar sobre Liverpool, e eu fiz uma
lista de todos aqueles nomes que soavam bem, arbitrariamente.
Strawberry Fields era um lugar perto de onde morávamos,
que por acaso era um lar do Exército da Salvação.
Mas Strawberry Fields... quer dizer, eu tenho visões
de Strawberry Fields. Depois foi Penny Lane, e
Cast Iron Shore, que só agora eu consegui botar numa
música, e eram apenas bons nomes... apenas nomes bacanas.
Que soavam bem. Porque Strawberry Fields é onde
quer que você queira ir.
Jann Wenner — E a letra de Strawberry
Fields?
John — De olhos fechados, quando
não se entende o que se vê (...) A idéia
que eu acho que queria expressar era, digamos, que eu sempre
fui de certa forma sabido. Era sabido no jardim de infância,
diferente dos outros. Fui diferente toda a minha vida. O segundo
verso diz: Acho que não há ninguém
na minha árvore. Bem, eu era muito tímido
e inseguro. Ninguém é tão diferente quanto
eu, era o que eu queria dizer. Devo ser, portanto, ou um louco
ou um gênio. Acho que ser tudo ou nada, diz o verso seguinte.
Era assustador, porque eu não tinha como me expressar.
Nem minha tia, nem meus amigos, ninguém via o que eu
via. O único contato que eu tinha era com a leitura de
Oscar Wilde, Dylan Thomas ou Vicent van Gogh - todos, livros
da minha tia, falando do sofrimento daquelas pessoas. Pessoas
torturadas pela sociedade por tentarem expressar o que eram.
Eu sentia o que era a solidão. por causa da minha atitude
os pais de todos os meninos, inclusive o de Paul, diziam: Afastem-se
dele. Talvez eu tivesse inveja de não ter aquilo
que se chama um lar”. Rolling Stone, dez. / 1970
- jan. / 1971.
George Martin em seus livros sobre
os Beatles deixa transparecer uma admiração um
pouco maior do que em relação aos outros por John.
Os demais, mesmo Paul McCartney, eram músicos como ele.
A inteligência de Lennon, no entanto, o instigava.
Primeiro
de junho