250 Bowery - NYC
Rubens/Oiticica/Hélio/Gerchman


     "O Hélio Oiticica morou um ano comigo em Nova York. Em 69 ou 70, veio de Londres e não tinha onde morar, aí ficou lá. No Brasil a gente já tinha feito capas de parangolés porque ele tinha assim uma profunda admiração por mim. Ele me abriu a cabeça para muitas possibilidades da participação do espectador. Então não era um artista ligado nessa coisa: ainda era um pintor, um artista gráfico" Depoimento a Interwiew - dezembro de 1994
     - O Hélio marcava o leite com fitas delimitando a quantidade de consumo diário. A carne também - Rubens Gershman conta, para dar a idéia do que era ser um artista de vanguarda sem público no Brasil e no exílio. Depoimento a Toni Marques, correspondente do jornal 'O Globo' em Nova York, 25/09/2002
      "Ele participou de uma importante exposição no Museu de Arte Moderna de nova York, a "Information". Mas nunca conseguiu realizar nada além disso. Vivia das traduções que fazia. Nos seu últimos tempos lá, todo mundo sabe disso, fazia tráfico. Tanto que seu atelier foi invadido por um bando, destruíram e arrasaram tudo e ele foi se esconder noutra parte de Manhattan, virou um foragido. Ele sempre foi genial. Mas, quando o Hélio voltou de Nova York, ninguém mais deu bola pra ele.  O Hélio, coitadinho, vivia aqui meio doente, sempre, dizendo: "Agora estou purificando meu nariz, pego ar puro da praia, estou até nadando". Mas a saúde já não era boa e ninguém ia às suas manifestações, como a do "Caju" e a do "Buraco Quente na Mangueira". Sempre fui a todas elas, mas e os outros? Sua morte foi um exemplo deste abandono. Depois de entrar pela janela da cozinha, Lígia Pape, amiga da vida inteira, encontrou-o desacordado atrás de um sofá. Ele teve um aneurisma e ficou dois dias desmaiado no chão. Como não teve socorro imediato, acabou morrendo pouco depois". Rubens Gerchman em depoimento a Interwiew - dezembro de 1994

     'O marginal iluminado'


     
"Solitário, Oiticica viveu seus últimos dias. Na última noite em que foi visto, o artista bebia cerveja sozinho na boate 'Dancing Day's', no Morro da Mangueira. Ao chegar ao seu apartamento, teve um derrame cerebral que o paralisou. Durante três dias, ele tentou se arrastar pelos poucos metros que o separavam do telefone. Sua amiga Lygia Pape, estranhando a ausência prolongada do artista, foi ao apartamento e bateu na porta - sem obter qualquer resposta. Pela janela do vizinho, ela entrou na sala de Oiticica, que estava enrolado em suas próprias obras. Um projetor de slides iluminava seu rosto. (...)
     
Levado para fora do prédio, Hélio Oiticica pareceu recuperar-se. 'Seu rosto iluminou-se quando ele viu a rua', lembra Lygia Pape. No hospital, o artista ainda tentou falar com a amiga, mas não conseguiu. Entrou em coma e morreu no dia seguinte, 19 de março de 1980. Oiticica foi enterrado no Cemitério de São João Batista. A bandeira da Mangueira cobria o caixão e um surdo da escola entoava o canto fúnebre em homenagem ao passista, ao companheiro de tantos carnavais". Wilson Coutinho in Veja 5 fev. / 1986.

1972 À esquerda, na escada de incêndio do ateliê do artista no 250 Bowery, Soho, Ivan de Freitas, Roberto Delamonica, Hélio Oiticica, Amilcar de Castro e Rubens Gerchman.

Acima, em foto de Ivan Cardoso, Glauber Rocha, Hélio Oiticica e Rubens Gerchman, em conversa informal, discutindo os destinos da cultura brasileira em Nova York.

     "O que me interessa nessa evolução de Gerchman é exatamente essa superação de uma época de superlação da imagem, para formulação de uma síntese necessária hoje.  (…) Em Gerchman, a tendência crescente ao uso do objeto é bem significativa (havia a tendência a um uso semântico da imagem, na maneira em que era exposta antes). Em 68 dizia eu, sobre isso (Correio da Manhã, 9 nov. / 1968), que havia uma tendência do ‘esvaziamento do mais sensorial para o objeto essencial ou probjetessência, já que a estrutura aberta não se fecha no significado dirigido, mas se abre na redundância’. Era um processo claro, em Gerchman, e se mostra cada vez mais como sendo a espinha dorsal de suas experiências.” Hélio Oiticica, Jornal do Brasil, 21 mar. / 1970.

 


    


À meia-noite com Glauber, um filme de Ivan Cardoso
(Mário Pacheco)


   Colorido. 35mm com 16 minutos, montagem de Francisco Moreira. Telecineclipe sobre a obra de Glauber Rocha, Hélio Oiticica, José Mojica Marins e Rogério Sganzerla em depoimentos tomados na década de 70, originalmente o título era À meia-luz com Glauber na zona proibida. A intenção inicial de Ivan Cardoso era realizar um média-metragem sobre o encontro de Glauber Rocha com Hélio Oiticica, no apartamento de Daniel Más, no Rio de Janeiro ao final de 1978. Ivan Cardoso, fotografou este encontro, que saiu como reportagem especial da revista Vogue, de janeiro de 1979.
      Durante o desenrolar do processo Ivan Cardoso percebe que o documentário tem que ter Glauber Rocha como figura central e Hélio Oiticica como interlocutor de Glauber e do texto que Haroldo de Campos escreveu especialmente para os dois. Segundo o diretor:
      — O filme se transformou num filme sobre a Estética da Fome somada a Estética da Vontade de Comer. Nesta vertente — Eu coloco o Mojica e o Sganzerla, especialmente. Por isto há imagens no meu curta também do Zé do Caixão e de O bandido da luz vermelha. O diretor também quis utilizar trechos do curta Di-Glauber, mas não pôde.
      Quando dona Lúcia soube que tinha o Zé do Caixão e que não era exclusivo sobre Glauber Rocha, estrilou: — Deus me livre, não tem nada de Zé do Caixão. Se ele colocar Zé, eu tomo o filme e mato ele.
      — Na verdade é um diálogo virtual com a experimentação no cinema. Ivan Cardoso. (...) Mais que engajado, Glauber foi amante da experimentação, seus filmes são trash, B. Os piores filmes brasileiros. Mas por serem os piores, são os melhores. (...) O lado desconhecido de Glauber o lado pop, trash, experimental, psicodélico.




Rubens/Rocha/Glauber/Oiticica/Hélio/Gerchaman


     “A preocupação principal de Gerchman centra-se no conteúdo social (quase sempre de constatação ou de protesto) e na procura de novas ordens estruturais de manifestação de modo mais profundo e radical (no que se aproxima das minhas em certo sentido): a caixa-marmita, o elevador, o altar onde o espectador se ajoelha são, cada uma delas, ao mesmo tempo que manifestações estruturais específicas, elementos onde se afirmam conceitos dialéticos como o quer seu autor.
   
  
Daí surgiu a possibilidade de criação do Parangolé social (obra em que me propus a dar sentido social a minha descoberta do Parangolé, se bem que este já o possuísse latente desde o início, e que foram criadas por mim e Gerchman em 66, portanto mais tarde.” Hélio Oiticica (primeiro à esquerda). “Esquema Geral da Nova Objetividade”, in Nova Objetividade Brasileira, Rio de Janeiro, Museu de Arte Moderna – MAM-RJ, 1967.

    


Gerchman: rolimã artístico
       (Mário Salimon*)



     "A bordo do cargueiro 'Netumar', que o levava à cidade de Nova York onde gozaria o prêmio da viagem oferecido pelo MEC em 1968, escuta pelo rádio a promulgação do AI-5. Na 'Grande Maçã', aluga um apartamento na West 71 e participa de várias coletivas, dentre elas a 'Fashion Poetry Eventa', do qual faz parte o papa do pop Andy Warhol. Juntando-se com outros artistas, funda o 'Museu Latino-Americano' e logo vê suas obras sendo adquiridas para coleções particulares e museus dos Estados Unidos. Em Nova York, vai morar no apartamento 250 da rua Bowery, esquina da Spring Street e vê nascer o Soho, ponto de encontro artístico. Em seu ateliê, onde mora até 1973 com a mulher e dois filhos, hospeda Hélio Oiticica, Lygia Clark e Glauber Rocha. Antes de voltar para o Brasil, experimenta com a linguagem de vídeo em uma peça de seis horas com Glauber Rocha. O trabalho, que teve trilha sonora de Naná Vasconcelos, foi considerado uma das primeiras produções latino-americanas de vídeo alternativo-cultural e abriu caminho para um segundo 'Triunfo Hermético', com música de Airto Moreira e a participação de Flora Purim e do baixista Stanley Clarke, então um dos pupilos de Miles Davis. De volta ao país do futebol e do carnaval, passa a co-editar a revista 'Malazarte', criada por um grupo de artistas do Rio e de São Paulo e a dirigir a 'Escola de Artes Visuais do Parque Lage'.
     *Correio Braziliense, 6 nov. 1990.

     1970 Ateliê do artista no número 250 Bowery, Soho.


     "Aí, como eu era o único em quem confiava, fiz uma edição dos seus parangolés. Levei-o no melhor impressor, o Claus Oldenburg, que atendia o Roy Lichtenstein, para fazer a gravura do Hélio. Era uma foto que ele me deu, com o Luiz Fernando vestindo a capa no cais da rua 42. Mas ele não gostou do resultado, achou uma merda. Por causa de um preto, cara, refizemos a impressão cinco vezes. Era um off-black complicadíssimo, com quatro impressões de preto, mais um cinza, um prata, vários grises no fundo, mas no final ele ficou satisfeitíssimo. Aí ele assinou aquilo tudo, eram umas 100 gravuras, tirou uma prova de artista para ele e me deu uma, que está emoldurada aqui em casa. Até ai, tudo bem...

     (...) Guardei o trabalho e trouxe-o comigo para o Rio. Combinei com o Hélio: quando você puder ou quiser, vamos fazer um lançamento no Brasil. Passaram-se uns oito anos até que um dia o Hélio me ligou, nervoso, gritando: "Gerchman, cadê aquela edição? Você está me roubando!" Ele estava puto, era dado a iras assim, mas consegui dizer: "Porra, Hélio, tá tudo aqui guardado, vou levar agora aí na sua casa". Quando ele viu o pacote fechado, ainda com o carimbo da alfândega, intacto, começou a chorar. (...) Um artista abandonado pelo mundo das artes plásticas, mas que depois de morto foi endeusado. Em vida, ele nunca vendeu nada, a não ser uns meta-esquemas que o Vergara vendeu para o Gilberto Chateaubriand. Depois fizeram esta Fundação Hélio Oiticica e aí sumiram com algumas coisas. Como aquela tiragem de 100 gravuras que fizemos em Nova York - edição lindíssima, investi uns 5 mil dólares, hoje seriam uns 20, delas nunca recebi um tostão -, andou sendo vendida lá fora por um alto preço. Esta Fundação H.O., vendeu muita coisa, levantei a lebre, tentei publicar isso no 'Globo', contra esse cara que monta todas as exposições, o Luciano Figueiredo, mas fui sabotado. Estão vivendo em cima do cadáver dele. São os vampiros do Hélio Oiticica. Fizeram exposição dele, em Paris, no Petit Palais, no Grand Palais, no Jeu de Paume, tembém em Sevilha, hoje, depois de morto, virou um grande nome mundial".

(Rubens Gerchman em depoimento a Interview - dezembro de 1994) 


Edição serigráfica realizada a pedido de Hélio Oiticica por Rubens Gerchman (100 exemplares impressos sob supervisão do artista, numerados e assinados, Editora Ludos).