Tom
escreve sobre mil Zés, Joãos e dimensões
da canção
(Sandro Alves - acancaoblogspot)
foto:
Roberto Wolfenson
Como quem está ali por que tinha que estar, porque
vai a padaria ou a uma manifestação política,
o texto de Tom Zé é um transeunte que pensa e faz
pensar.
Tom Zé é um artista
que nos apresenta uma produção extensa e diferente:
o trabalho dele provoca perplexidade por meio de uma variedade
que é rica em quantidade e qualidade. Um aspecto muito
interessante do seu trabalho é o trânsito que Tom
Zé têm nos campos discursivos que se dirigem à
canção, sejam aqueles que se valem de uma linguagem
com tonalidades coloquiais e se aproximam mais do que sai publicado
no universo literário dos mas media, jornais e revistas
especialmente, ou aqueles textos forjados em lugares reservados
a saberes especializados e aprofundados.
O
texto de Tom Zé deixa clara e estampada sua erudição;
as características dos leitores é que, por vezes,
fazem surgir algumas nebulosidades na recepção;
inevitáveis e ordinárias essas resistências
às compreensões, problemas prosaicos nos percursos
das intersubjetivades. Ele, entretanto, com humour cáustico,
em várias circunstâncias, nega que exista nele, em
sua obra, em suas declarações à imprensa
e em sua postura geral, preocupações teóricas
do tipo que "acomete" os acadêmicos. E ele está
certo. O pensamento acadêmico, cheio de perspectivas, temáticas
e potencial inventivo, é consideravelmente opaco e, digamos,
engessado, tal como se apresenta normalmente. Outra coisa, outra
história, outros quinhentos é a maneira pela qual
conceitos e aspectos diversos do pensamento tido como acadêmico
despontam descontraídamente no texto de Tom Zé.
Como
quem está ali por que tinha que estar, porque vai a padaria
ou a uma manifestação política, o texto de
Tom Zé é um transeunte que pensa e faz pensar. No
seu desempenho -- seja em textos escritos ou em declarações
faladas à imprensa televisiva --, os passos e saltos espocados
pelo texto fluído e passeador de Tom Zé é
bem diferente da opaca expressão dos círculos acadêmicos,
dos lugares dos "altos saberes". Nas palavras do artista
temas e problemáticas das "altas idéias"
figuram quase como um ator como outro qualquer (talvez não
chegue a ser um como outro qualquer porque as diferenças
induzem os quaisquer a terem a capacidade de nem sempre serem
como "os outros").
Algumas
vezes até mesmo como um simples coadjuvante, ou entidade
diluída em um discurso ímpar cheio de pares na arena
da luta de classes -- e das outras lutas relacionadas ao poder
--, as proteínas e sais minerais que vem do campo discursivo
da "alta cultura" é desfiado singular e proficuamente
no impacto que sobre ao se deparar com a fibra do discurso de
Tom Zé. João Ribeiro, o grande pensador da língua
portuguesa autor do modesto e maravilhoso Páginas de Estética,
diria que Tom Zé é um dos grandes estilistas brasileiros,
pois o estilo, no pensamento de Ribeiro, tem muito a ver com o
caráter (mas essa é uma linha que não será
possível desfiar agora, vai só relampejar por aqui
mesmo).
Nas
canções, "espalhar no céu/ Beatles a
graneu" ou "Descobrir as ancas das tradições
para o ferro em brasa dos anúncios" são formas
tanto mágicas quanto geradoras de reflexões; a noção
da forma como algo que não prescinde da deformação,
que é um aspecto da dialética da deformação
está na obra de Tom Zé de tal forma que, Chekovck,
se estivesse vivo, ficaria surpreso com esse caso prático
da arte que demonstra tão bem teses do seu pensamento formalista.
Pretendo
ir postando aqui algumas idéias que tem passarinhado nas
minhas descabrioladas cabeçadas na questão da canção
popular. Este pequeno texto é só um pretexto para
ir abrindo alas para pensar a canção a partir de
Tom Zé; posteriormente pensaremos a canção
a partir de outros autores.
Sandro
Alves