RUBEM VALENTIM REPRESENTA A GEOMETRIA DO SAGRADO (2001)
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Valentim representa a geometria do sagrado
Folha de S.Paulo
24 jan. / 2001 - Das exposições inauguradas amanhã, na Pinacoteca, "O Artista da Luz", sobre Rubem Valentim (1922-1991), é aberta com tom de denúncia.
Um dos artistas mais importantes da arte brasileira, o que é atestado pelo crítico e historiador italiano Giulio Carlo Argan, Valentim sofreu descaso do Ministério da Cultura, e o Brasil perdeu a oportunidade de ter um espaço cultural na casa em que o artista vivia, no Lago Sul, em Brasília.
"Organizamos esta mostra para lembrar do descaso com Valentim", diz Emanoel Araujo, o diretor da Pinacoteca.
A família do artista tentou, na década de 90, transformar a residência do artista em museu e se dispôs a doar 150 obras para o espaço. Como o desejo não se realizou, algumas obras foram doadas para museus brasileiros, como o Museu de Arte Moderna da Bahia, que montou uma sala especial para Valentim, e quatro cedidas agora à Pinacoteca. Outras estão sendo vendidas.
"O Artista da Luz", com curadoria de Benê Rodrigues, é uma publicação com todas as obras que fariam parte do museu em Brasília. Destas, 60 estão expostas na Pinacoteca, na exposição de mesmo nome.
Antes de morrer, o curador conta que Valentim pediu a ele que continuasse como organizador de suas obras, sem montar retrospectivas, mas que mostrasse o caráter sagrado de suas peças.
"Ele não fez obras preocupado apenas com a estética, mas sobre o religioso. Valentim trabalhou arquétipos da cultura universal, desde a cultura egípcia, mexicana, até o candomblé", conta Rodrigues.
O nome do livro foi feito a partir de uma frase do artista: "Eu procuro a claridade, a luz da Luz" e também com a coincidência da Pinacoteca ficar na praça da Luz.
A exposição está organizada em três salas do museu. A primeira, com dois altares, um dedicado a Oxalá. Em outra sala, estão obras da década de 70, que representam, segundo o curador, "sua produção definitiva", inclusive o alfabeto iconográfico que marca a produção do artista. Na última sala, estão os objetos, entre eles os doados para a Pinacoteca.
O alfabeto do futuro de Rubem Valentim
(Severino Francisco*)
Cidade da Paz expõe 21 serigrafias e três esculturas do grande artista plástico que uniu brasilidade ao cosmo
A partir da próxima terça-feira, o brasiliense terá a chance de ver 21 serigrafias e três esculturas do artista plástico Rubem Valentim – falecido no último dia 30 – em uma exposição que inaugura uma galeria na Cidade da Paz, em promoção conjunta com a Fundação Cultural e a revista Bric-a-Brac. Na verdade, desde o ano passado, a Cidade da Paz já havia decidido dar o nome Rubem Valentim para a sua galeria. As serigrafias só foram mostradas até agora em uma exposição realizada em São Paulo. As três esculturas em madeira, medindo dois metros e meio cada, homenageiam Oxalá.
Considerado um dos mais importantes artistas brasileiros contemporâneos, Valentim sintetizou em sua obra a carga vivencial da cultura de tradição afro na Bahia e uma mirada universal. As serigrafias são quase que transposições de suas telas, mas impregnadas de uma exuberância de cores. Valentim começou a realizar esse trabalho em 1988: “Nas serigrafias, o trabalho de Rubem Valentim ganhou um sentido poderoso de cor – comenta Bené Fontelles, que está organizando a exposição e que organizará, no final do ano, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, uma grande mostra retrospectiva da obra de Rubem Valentim. “Nas serigrafias, Rubem Valentim realizou mais modificações na cor do que nas linhas. Existe o tradicional grafismo do seu trabalho, mas convivendo com um lado pictorial muito forte, de grande vitalidade. E neste sentido, eu acho que vários artistas brasileiros que chegam à idade dele no Brasil (Tomie Othaki, Volpi, Athos Bulcão) dão uma grande lição de vitalidade aos jovens”.
A Fundação Cultural está editando um catálogo que homenageia Rubem Valentim, com um texto de Bené Fontelles. E, nos próximos meses, deve ser publicado um livro sobre Valentim, com texto de Bene Fontelles e fotos de Luiz Humberto. “Nós preparamos este livro já há algum tempo, mas até agora não foi possível publicá-lo. Os mais importantes críticos do país e alguns dos mais importantes críticos do mundo – é o caso do italiano Giulio Argan – escreveram sobre a obra de Rubem Valentim. Ele não queria mais reconhecimento crítico. Ele queria um livro que fosse um registro poético do seu trabalho”.
O crítico Olívio Tavares de Araújo afirma em texto para O Estado de S. Paulo, que, ao lado de Volpi e Tarsila do Amaral, Rubem Valentim fica sendo um dos grandes artistas da brasilidade, sem provincianismo, sem limitação de horizontes, mas como projeto estético e de vida. E Bené Fontelles comenta: “Ele criou ideogramas, alfabetos para o futuro. Eu acho que vai demorar um pouco para as pessoas aprenderem isto. Para além da carga da cultura afro-baiana, ele tenha uma cultura universal fantástica. Teve formação cristã, e foi profundamente tocado pela cultura oriental. Isto tudo se espelhava no trabalho dele. Cada obra dele era um altar. Um quadro não era só um quadro. Era um religioso sem religião. Não é só o candomblé que estava codificado em sua obra.
Bené está organizando, desde o ano passado, uma exposição retrospectiva da obra de Rubem Valentim para o Masp, a ser realizada em novembro, quando o artista baiano completaria 70 anos de existência. A exposição vai mostrar somente as peças criadas por Rubem Valentim, mas também uma série de objetos de arte popular e de candomblé onde o artista buscou idéias para a sua obra: “Os brinquedos populares influenciaram muito o uso da cor na obra de Rubem Valentim. Eu quero mostrar todo um lado lúdico nordestino, de onde o Rubem veio, ao lado dos adereços mágicos do candomblé. Ele não queria uma exposição crítica, organizada de forma tradicional, em seqüência linear cronológica. Ele queria uma exposição para que o espectador entrasse no espaço e se sentisse envolvido pela magia”.
Muitos críticos vincularam a obra de Rubem Valentim ao construtivismo. Mas, Bené Fontelles conta que o próprio Rubem Valentim não concordava com esta classificação, pois embora ele incorporasse as informações do construtivismo, este não era o elemento essencial de sua arte: “A sua arte era muito mais intuitiva – comenta Bené. O seu construtivismo vinha de nossos índios, que por sua vez, vem de uma cultura ancestral da China ou das cavernas. Ele dialogou com a cultura europeia, mas a carga mais forte era da cultura afro, dos tempos de moleque na Bahia”.
Uma das frustrações e uma das mágoas de Rubem Valentim foi não poder viabilizar o sonho de criar uma fundação de arte em Brasília para abrigar a sua obra e, ao mesmo tempo, funcionar como um centro cultural de pesquisa para os artistas mais jovens. Valentim chegou a adquirir uma casa para esta finalidade, constituiu uma fundação, registrou os princípios que norteariam a sua ação, mas o projeto não pôde se efetivar em razão da falta de apoio oficial: “Eu acho que as autoridades deveriam retomar esta fundação em Brasília – comenta Bené Fontelles. Valentim reuniu um arquivo precioso de artigos, livros e revistas sobre a arte brasileira. E, depois seria uma maneira de manter a sua obra aqui”.
Lúcia Valentim, viúva do artista plástico baiano, explica que a ideia do museu não pôde se efetivar em razão da falta de apoio de substrato cultural e participação das pessoas da cidade. “Era uma obra para muitas pessoas, não apenas para uma, - diz Dona Lúcia. A idéia dele era não apenas conservar a sua obra, mas também criar um centro de estudo e pesquisa de uma riscadura brasileira. Se a arte é expressão humana de uma sociedade.
*Jornal de Brasília, 12 jan. / 1992
MANIFESTO
Um desesperado em busca da divindade
(Rubem Valentim*)
“Minha linguagem” plástico-visual-signográfica está ligada aos valores míticos profundos de uma cultura afro-brasile-ira (mestiça-animista-fetichista). Com o peso da Bahia sobre mim – a cultura vivenciada; com sangue negro nas veias – o atavismo; com os olhos abertos para o que se faz no mundo – a contemporaneidade; criando os meus signos-símbolos procuro transformar em linguagem visual o mundo encantado-, mágico, provavelmente místico que flui continuamente dentro de mim. O substrato vem da terra, sendo eu tão ligado ao complexo cultural da Bahia: cidade produto de uma grande síntese coletiva que se traduz na fusão de elementos étnicos e culturais de origem européia, africana e ameríndia. Partindo desses dados pessoais e regionais, busco uma linguagem poética, contemporânea universal, para expressar-me plasticamente. Um caminho voltado para a realidade cultural profunda do Brasil – para suas raízes – mas sem desconhecer ou ignorar tudo que certo impossível com os meios de comunicação de que já dispomos, é o caminho, a difícil via para a criação de uma autêntica linguagem brasileira de arte. Linguagem plástico-vérbico-visual-sonora. Linguagem pluri-sensorial: O sentir Brasileiro.
- Uma linguagem universal, mas de caráter brasileiro com elementos de diferenciação das várias, complexas e criadoras tendências artísticas estrangeiras. Favorável ao intercâmbio cultural intensivo entre todos os povos e nações do mundo, consciente de que as influências são inevitáveis, necessárias, benéficas quando elas são vivas, criadoras, sou entretanto contra o colonialismo cultural sistemático e o servilismo ou subserviência incondicional aos padrões ou moldes vindos de fora.Intuindo o meu caminho entre o popular e o erudito, a fonte e o refinamento – e depois de haver feito algumas composições, já bastante disciplinadas, com ex-votos, passei a ver nos instrumentos simbólicos, nas ferramentas do candomblé, nos abebês, nos paxorôs, nos oxês, um tipo de “fala”, uma poética visual brasileira capaz de configurar e sintetizar adequadamente todo o núcleo de meu interesse como artista. O que eu queria e continuo querendo é estabelecer um design (RISCADURA BRASILEIRA), uma estrutura apta a revelar nossa realidade – a minha; pelo menos – em termos de ordem sensível. Isso se tornou claro por volta de 1955-56 quando pintei os primeiros trabalhos da seqüência que até hoje, com todos os novos segmentos, continua se desdobrando.Não pertencendo ou me filiando a nenhum dos movimentos ou correntes artísticas das muitas que surgiram e surgem no estrangeiro e aqui chegavam e chegam e são mais ou menos diluídas – tenho a impressão de que criei e construí luma estrutura totêmica, um ritmo, uma simetria, uma emblemática, uma heráldica, um hieratismo, uma SEMIÓTICA/SEMIOLOGIA NÃO VERBAL, VISÍVEL. Isso tudo partindo das formas vivas da “fala” não verbal do nosso povo, de uma poética visual brasileira, da iconologia afro-ameríndia-nordestina. Enquanto muitos dos nossos artistas criadores se voltavam para os Ismos internacionais, cosmopolitas, eu defendia (nem sempre compreendido ou ouvido) uma tomada de consciência cultural da Nação Brasileira, do Povo Brasileiro. Eu defendia e falava sobre a Cultura do Nordeste, sobre Cultura do Índio, a Cultura Negra (e mulata, mestiça e cabocla), eu defendia o barroco como um produto da nossa criatividade multa, eu defendia um sentir brasileiro manifestado nas carrancas do Rio São Francisco, nos ex-votos, na cerâmica popular, nos signos litúrgicos dos rituais afro-brasileiros, na xilogravura de cordel, nos humildes e inventivos brinquedos populares. Achava e continuo achando que o Brasil tem de fazer uma arte mestiça como a do Aleijadinho, como a dos santeiros e ferreiros da Bahia. Reconheço que sou um obcecado por uma cultura genuinamente brasileira, apesar da famigerada aldeia Global. Eu não nasci na Europa (óbvio), não tive educação européia. Não sou punhos de renda, não nasci para ser diplomata. Não sou bem nascido, pelo contrário, sou um homem desesperado que procura a Divindade, o Ser dos Seres. Assim o que eu tinha para me apegar era o Brasil.Minha arte tem um sentido monumental intrínseco. Vem do rito, da festa. Busca as raízes e poderia reencontra-las no espaço, como uma espécie de ressocialização da arte, pertencendo ao povo. É a mesma monumentalidade dos totens, ponto de referência de toda a tribo. Meus relevos e objetos pedem fundamentalmente o espaço. Gostaria de integrá-los em espaços urbanísticos, arquitetônicos, paisagísticos.
- Meu pensamento sempre foi resultado de uma consciência de terra, de povo. Eu venho pregando há muitos anos contra o colonialismo cultural, contra a aceitação passiva, sem nenhuma análise crítica, das fórmulas que nos vêm do exterior – em revistas, bienais, etc. E a favor de um caminho voltado para as profundezas do ser brasileiro, suas raízes, seu sentir. A arte não é apanágio de nenhum povo, é um produto biológico vital.
Eu acho que a nação brasileira continua. Por isso trato sempre em termos de povo brasileiro. Estou consciente de que os sistemas políticos passam, os problemas econômicos são substituídos por outros, a dialética da existência é um fato. Portanto, essas coisas são efêmeras se nós as encararmos em termos de perenidade de povo, de continuidade de Nação, de continuidade histórica, no tempo e no espaço. Como dizia Rui Barbosa (a citação não é literal), um povo pode ser dominado economicamente, o seu território pode até ser ocupado e conquistado pelas armas. Mas o que ele não pode fazer é entregar a sua alma, seu sentir, sua poética, sua razão de ser. Se isto acontecer ele deixará de existir historicamente como Nação, como povo. Assim eu acho que o Brasil, hoje, temos de defender nossa alma. É o que faço, transpondo todo este sentir, esta poética, para uma linguagem contemporânea, evitando cair nas coisas caricatas, nos “tropicalismos” no nefando Kitsch como tanto outros artistas brasileiros”.
*Manifesto ainda que tardio – Fragmentos, assinado por Rubem Valentim em 1976.
Jornal de Brasília, 12 jan. / 1992
A geometria das mágoas na arte de Valentim
(Conceição Freitas*)
Um dos maiores mestres da pintura brasileira deixa as esculturas e cores e sobrevive aos modismos
Rubem Valentim já foi citado como um dos cinco mestres da pintura brasileira, ao lado de Tarsila do Amaral, Volpi, Milton da Costa e Arnaldo Ferrari. O mestre Valentim, 68 anos, 23 dos quais vividos em Brasília, abandonou a capital do país cheio de mágoas e há dois anos vive em São Paulo, num ateliê da Rua Pamplona, a poucos passos da Avenida Paulista. Valentim está na Praça da Sé, numa escultura de nove metros de altura, está na Casa das Roas, numa galeria estadual recém-inaugurada e é ponta de lança de uma exposição itinerante pelas principais cidades do interior paulista.
Os sinais coloridos e geométricos transpostos da simbologia do candomblé estão agora retratados em grafite e serigrafia. Valentim deixou de lado, por enquanto, esculturas e cores, “O artista é mais ou menos pendular, vai e volta”. Não importa muito o material por onde expressa sua linguagem. “O suporte passa a ser secundário. Pode ser madeira, tela, alumínio, escultura, posso fazer o que quero”. A brasilidade – baianidade na obra de Rubem Valentim sobrevive à margem dos modismos.
O crítico Olívio Tavares de Araújo, na apresentação da exposição que percorre o interior de São Paulo, alerta: “É fundamental guardar a consciência do papel e da posição de Rubem Valentim na criação de uma identidade plástica brasileira, através de experimentos visualmente sofisticados, absolutamente eruditos, sem nenhum folclorismo, nem qualquer ingenuidade”. As figuras geométricas de Valentim são, diz o crítico, “um achado análogo” ao das bandeirinhas de Volpi. “Só não coloco Volpi e Valentim exatamente no mesmo plano porque no caso do primeiro há um elemento maior, mais misterioso e provocante de revelação transcendente; Volpi não sabia exatamente o que estava fazendo; agia guiado pelos deuses. Valentim age guiado por sua inteligência”, explica Olívio Tavares de Araújo.
O candomblé, as festas populares da Bahia, a capoeira compõem as reminiscências de Valentim. “Amei muito aquilo tudo, tenho saudade imensa da minha mocidade, da minha meninice. Participava daquilo tudo com grande intensidade, achava que aquilo tudo era poesia – e é poesia, continua sendo grande fonte poética, me inspirou e eu parti para interpretar aquilo à minha maneira”. Valentim mostra que para ser um bom artista é preciso muito mais que inspiração. “Eu lia muito, discutia muito, me informei muito, aprendi com muita gente. Tive contato com muitos bons artistas da Bahia. Tive convivência com artistas importantes como Goeldi, Guignard, Aldo Bonadei, Milton da Costa, tantos que não dá para falar”.
Rapazote, Valentim se espelhava em Cezanne, discutia o cubismo, o futurismo, o expressionismo alemão, copiava as naturezas mortas de seu ídolo “até que bateu que eu deveria olhar mais para a realidade, e a maneira melhor era através dos símbolos-sinais. Então, eu me meti nisso”.
Às vésperas de completar 70 anos, Rubem Valentim ainda não conseguiu ver um livro publicado sobre sua obra – merecimento habitual nos países que respeitam a arte de seu povo. “Há muitas promessas de livro sobre mim”... mas não é com um tostão ou dois que se faz um livro desses”. Cansado das filas para conseguir patrocínio, do jogo de influência, da guerra surda dos bastidores, Rubem Valentim desistiu: “Não tenho mais saco”, diz em bom português.
Por sua própria conta, o artista está recolhendo depoimento seus para juntar numa única publicação que pretende editar, “nem que seja em preto e branco”. O equipamento para colecionar as gravações, ele ganhou de uma amiga. É um minigravador Panasonic importado que já foi destrinchado tecla por tecla com a curiosidade de um garoto. Nesse gravador, Valentim vai guardar a sua história e no capítulo destinado às mágoas Brasília certamente será citada.
Rubem Valentim veio para Brasília em 1966, vindo de Roma, depois de passar três anos usufruindo o prêmio de viagem ao estrangeiro no 11 Salão Nacional de Arte Moderna. Visitou museus em toda a Europa, freqüentou galerias e exposições conheceu a arte negra e a dos povos primitivos. Convidado a dar aulas no Instituto Central de Artes da UnB, Rubem Valentim deu início a um período desgastante e infeliz de sua. Prensado pelo regime militar de um Aldo e pelas idéias de uma esquerda que ele à época já considerava ultrapassada, de outro, o pintor conta que viveu “uma situação de conflitos de ordem ética, política e espiritual”.
Afastado como tantos outros por suspeita de subversão, Rubem Valentim conviveu com duas Brasílias: a que lhe deu luminosidade e tranqüilidade para criar e a que não deu valor ao seu trabalho. “Durante os vinte anos de ditadura nunca fui chamado para fazer nenhum trabalho”, reclama. A São Paulo de tanta disputa pelo mercado lhe deu um lugar na Praça da Sé. As exposições em Brasília ainda que grandes e belas, ficavam às moscas. “Fiz uma grande exposição atrás da Torre de Televisão que foi considerada pelo Museu de Arte Moderna do Rio como a melhor exposição já feita no Brasil. Montei um templo, com relevos, esculturas e objetos, uma coisa que ficou meio morta atrás da Torre porque ninguém foi ver.
Se companheiros seus conseguiram retornar à UnB, como Athos Bulcão, Valentim até hoje não conseguiu saber o que foi feito do recurso impetrado para sua reintegração à universidade. “Toda vez que eu ligo lá, pra a reitoria e para uma dona Geralda, cada um dá uma versão diferente, e ainda não me ressarciram desse prejuízo de ordem ética, de ordem moral”. Os entraves se estenderam ao Ministério da Educação, onde durante algum tempo, Valentim teve um ilustre aliado, o ministro Eduardo Portela, do governo Figueiredo. Mas nem isso lhe garantiu a satisfação de seus projetos.
Um desses projetos, talvez o maior deles, era a transformação de sua casa no Lago Sul num centro de cultura, com a doação do acervo.
Mesmo sendo um dos poucos artistas que consegue vender sua obra nesse período de galerias vazias, Valentim engrossa o rol dos desiludidos com seu país, com a ausência de política cultural desde a posse do atual presidente. “No que pese os erros, a Lei Sarney era uma boa saída”. Sérgio Paulo Rouanet, o novo secretário de Cultura, é bem-vindo – “um homem culto, que tem uma visão nacional e internacional da cultura, uma grande esperança”.
Passados esses dois anos longe de Brasília, Rubem Valentim ainda não sabe o que fazer da casa que deixou no Lago Sul e das recordações dessa cidade cheia de artistas de muito bom nível, “excelentes, que não ficam a dever a nenhum artista nacional”. Ele se diz “num impasse meditativo” sobre o seu futuro. Nos momentos de reconstituição de sua história, o artista se reconduz à encruzilhada entre Roma e Brasília, “Tive convites para ficar em Roma, escreveram sobre mim, tive reconhecimento da crítica romana, talvez tivesse feito uma grande burrice de voltar par ao Brasil. Às vezes fico numa dúvida danada. Por que eu não fiquei lá?”.
*Correio Braziliense, 31 mar. / 1991.