Tristeval de Brasília do mau cinema brasileiro
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Tristeval de Brasília do mau cinema brasileiro
(J. Pingo depoimento a Mário Pacheco)
Jornalista e ator, J. Pingo escreveu um artigo com este título, convidado por Glauber para fazer um papel em a Idade da terra. J. Pingo foi internado para tratamento psiquiátrico, e o filme rolou enquanto ele estava em cana na clínica. A sua não-participação deixou-o na época bastante frustrado, “porque era interessante ter na biografia da gente feito um filme com o Glauber, mas não aconteceu comigo”.
Eu tive pouco contato com Glauber, fui amigo dele no Rio de Janeiro. A gente saía junto na época que a irmã dele teve aquele acidente, e ele estava muito indignado, e então ele estava fazendo uns discursos bastante rancorosos até em relação à vida e às pessoas.
Era um negócio pessoal, de um amor muito grande por uma pessoa que ele adorava, aliás não era só ele, a Anecyr era uma pessoa adorável, todo mundo, a amava profundamente, ela era um amor de pessoa. A dor dele era pessoal, assim de amor, de paixão, inclusive no discurso dele, eu achei até que ele foi um pouco injusto, pois ele achava que o Walter Lima Júnior tinha algum tipo de influência nesse negócio, e realmente o Walter não tinha nada a ver com isso, mas na época ele estava muito perturbado.
Depois nós voltamos a nos encontrar aqui em Brasília, naquele festival em que ele veio e fez aquela bagunça toda, e eu dei uma ajuda para ele, baguncei junto com ele. Meu contato com ele foi só esse.
Fui ao Hotel Nacional encontrá-lo e aí ele começou a fazer o discurso lá dentro do saguão do hotel e começou a gritar e a esbravejar, e eu fiquei ao lado dele. O pessoal se afastou, a maioria dos cineastas que estavam lá deixaram-no sozinho, gritando, porque todo mundo estava lá de certa maneira se aproveitando das benesses de estar participando de um festival de cinema com a mordomia toda que Brasília oferecia.
Eu fiquei do lado dele porque eu sempre gostei de bagunça, então fiquei junto. Enquanto ele esbravejava, esbravejei junto; ele falava uma coisa, eu dava força; falávamos outras coisas juntos.
Aquilo era uma indignação política, uma indignação ética, estética, contra os rumos que a cultura brasileira estava tomando e em particular o cinema, do qual ele era o grande inovador.
Glauber apareceu para dar porrada em Brasília, justiceiro maluco. Ele estava maravilhoso, cheio de vida, ele estava doido como sempre foi, ele estava cheio de vitalidade, estava gritando e falando alto.
Depois do Hotel Nacional, nós saímos de lá e fomos juntos para o Festival de Cinema, e lá ele fez outro escândalo...
Só participei por gosto pessoal, era a volúpia da transgressão e da bagunça que sempre fez parte do meu prazer, da minha necessidade vital mesmo.