Introdução
(Mário Pacheco)

No desenho "Yellow Submarine", o mundo estava em perigo ameaçado pelos "azulões", monstros de dedos duros que comiam aranhas e "filé de morcego", ajudados por espécimes que "amassavam gente inocente com imensas maçãs ácidas" ou "cortavam com a boca que tinham na barriga as cabeças das flores". No desenho, o mundo só não se perdeu porque um sábio embarcou num submarino amarelo e singrou para as ruas de Liverpool atrás de quatro rapazes.

Não havia previsão que permitisse a vitória da tripulação do submarino mas, para espanto do Azulão-mor, os Beatles tinham uma primeira linha de defesa: a úsica. Bombardearam os adversários com uma poderosa frase: Tudo o que você precisa é amor. Derrotaram o mal e regressaram, festejados, do mundo que haviam salvo. Ao fim da aventura, contudo, John, Paul, George e Ringo não davam a batalha por terminada e insistiam no valor de suas armas com um recado:

Psssst! / Temos um comunicado muito sério! / Novos azulões, cada vez mais azuis foram vistos

Na vizinhaça de sua casa, amigo / Gostaríamos de sugerir que você... / Comece a cantar!

Foi na casa do restaurador Warner LeRoy, um dos vizinhos de John, no Dakota, que Sean Ono Lennon soube pela primeira vez que seu pai tinha sido famoso como beatle: aconteceu dele ver Submarino Amarelo, na tevê. Quando voltou pra casa, ele veio direto perguntando porque o papai era famoso. John teve então de explicar...

Submarino amarelo resiste às intempéries
(Antonio Gonçalves Filho*)

A 17 de julho de 1968, estreiava, em Londres, "Yellow Submarine", pouco mais de um desenho psicodélico. Trinta anos depois, livre da Beatlemania, Submarino Amarelo pode ser visto como algo além de uma curiosidade arqueológica, tornou-se um desenho animado erudito, anos-luz à frente da xaropada kitsch tingida com a mesmice violento-infantilizante de Disney. A Pepperland revisitada parece muito mais interessante do que ao ser criada pelo roteirista Lee Minoff (parceiro de Stanley Kubrick em Doutor Fantástico) e o desenhista tcheco Heinz Edelmann, na época morando na Alemanha e considerado um dos principais artistas gráficos desse país.

Ao lado de Edelmann trabalhavam dois grandes profissionais de animação, Jack Stokes e Robert E. Baiser. Stokes era o homem que animava os desenhos da Rank. Baiser trabalhou na produção de A Volta ao Mundo em Oitenta Dias. Juntou-se ao trio o produtor Al Brodax e o experiente Charles Jenkins, especialista em efeitos especiais (é dele a melhor sequência do desenho, Lucy in the Sky with Diamonds). O resultado foi um desenho que, na época, custou US$ 1 milhão, levou cinco meses para ser feito e exigiu 40 animadores e 150 técnicos na sua produção.

Uma breve sinopse de Submarino Amarelo pode ser contada em duas ou três linhas. Pepperland, a terra da música, é invadida pelos Blue Meanies, monstrinhos depressivos que não suportam canções, e Fred, maestro da banda do Sargento Pepper, parte em seu submarino amarelo para pedir ajuda aos Beatles. Só que essa trajetória não é tão simples assim. Pepperland está no fundo do oceano, protegida simbolicamente pela água, o inconsciente freudiano. Para chegar lá os Beatles terão de passar pelo Mar dos Monstros e o Mar dos Buracos, duas regiões do cérebro que muita gente prefere evitar.

No caminho encontram o Nowhere Man, o homem sem identidade, escalam latas de sopa (referência à pop art, e mais especificamente, a Andy Warhol), topam com Albert Schweitzer, deliram com Lucy no céu e seus lisérgicos diamantes (Lucy in the Sky with Diamonds, tem as três letras inicias de LSD), passam por Eleanor Rigby e seu triste séquito, para finalmente atingir Pepperland. Isso depois de uma longa discussão sobre a teoria da relatividade de Albert Einstein e uma breve história do tempo que antecipou, em cores psicodélicas, o livro de Stephen Hawking.

Em Pepperland todos usam roupas do século passado, enquanto os Beatles surgem com os últimos modelitos da Swinging London. Minoff, o roteirista, brinca com as letras da canções do grupo, jogando como lado rudimentar de hits como Help! - no segmento onde se pede a ajuda de alguém, os próprios Beatles exigem do solicitante que seja mais específico. São onze canções ilustradas por desenhos, nem sempre favoráveis à imagem dos quatro garotos de Liverpool que após a morte de Brian Epstein viraram empresários. Os inimigos de Pepperland, por exemplo, usam maçãs verdes (logotipo da Apple, gravadora do conjunto) para combater seus habitantes de Pepperland. É uma parábola com múltiplas leituras, a mais cruel delas apontando a música dos Beatles como a antítese do som harmonioso de Pepperland (George Martin usa trechos de Bach).

Eles se deixam seduzir pela figura ambígua do Nowhere Man, monstro de face humana (na verdade, uma máscara que Edelmann insinua de troca facílima). O que isso significava efetivamente é um segredo que, pelo jeito, Lee Minoff achou melhor não revelar. De qualquer modo, o Nowhere Man pode ser visto como uma alegoria surrealista, exatamente como a garota que aparece cavalgando um cavalo de carrossel na sequência de Lucy in the Sky with Diamonds. O desenho está cheio de efeitos que não só prestam homenagem a Dalí e aos surrealistas como desenvolvem a linguagem da Op Art - enigmas visuais sobre fundo de desenho surreal-pop, então o máximo do psicodelismo com seu trompe l’oeil maroto.

Essa parecer a maior lição de Submarino Amarelo. Nada é realmente o que parece, tudo está sujeito a transformações, inclusive o tempo, que é subvertido por uma cavalgada dos Beatles nos ponteiros do relógio. Um inofensivo palhaço pode esconder uma carga explosiva de dinamite em seu nariz vermelho, assim como instrumentos musicais se transformam em armas de guerra. Porém da mesma forma que incorporou visualmente o procedimento da Op Art, Submarino Amarelo também confunde o espectador com um enredo básico maniqueísta. De qualquer forma, resistiu ao tempo. Como canções dos Beatles.

*F. S. Paulo, 25 jan. / 1990.