Filme expõe intrigas da Factory
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Filme expõe intrigas da Factory
Folha de S. Paulo - Silas Martí (Colaboração para a Folha)
Documentário sobre amante de Andy Warhol relembra a rotina conturbada do estúdio do artista
Vencedor do Teddy mostra fortes críticas de integrantes da Factory a Warhol
O Cineasta Danny Williams na Factory
16 nov. / 2007 - Num filme sobre a vida de seu tio, a cineasta norte-americana Esther Robinson expõe as entranhas da Factory, célebre estúdio de Andy Warhol, e revela um mundo em que as pessoas se destruíam para sobreviver. Os protagonistas estão ausentes: Warhol morreu em 1987, e Danny Williams, tio da diretora e amante do artista, desapareceu em 1966.
Telefonemas entrecortados, 'barulhos de fundo e imagens desfocadas são o fio condutor de uma trama que dá voz aos coadjuvantes do glamour.
Mais do que um documentário sobre o desaparecimento e a filmografia obscura de um dos tantos habitantes da Factory, "Desaparecido: Danny Williams na Factory de Warhol" estréia de Robinson na direção, vencedor do Teddy de documentário neste ano (2007) em Berlim e em cartaz em SP no Festival Mix Brasil - dá contornos humanos a contos desbotados do underground de Nova York.
O grupo dos "glitterati", que ardeu sob a ditadura de anfetaminas e purpurina de Warhol, hoje lembra com amargura de ter vivido sempre à sombra de quem, a julgar pelos relatos do filme, nunca foi tão genial quanto pareceu .
"Imagine que tudo o que você fez virou Andy Warhol. Pense que, pelo resto da sua vida, só queiram falar com voce sobre Andy Warhol. Ninguém quer saber de você, querem saber dele", disse a diretora à Folha, por telefone, de Nova York.
Ela conta que tentou iluminar por outro ângulo a história apagada pelo sensacionalismo de livros e revistas sobre a época, que anularam a identidade própria desses personagens.
Eles ficaram à margem da personalidade magnética de Warhol, suas crises e peculiaridades, junto do poder de sua arte, Paul Morrissey, Edie Sedgwick, Billy Name, Brigid Berlin, Nico e o Velvet Underground são alguns deles. Agora, todos querem um pouco da sua individualidade de volta.
"O Andy era muito limitado. Não foi autor de nada. Era inseguro demais, aceitava qualquer sugestão", disse Paul Morrissey, produtor dos filmes de Warhol, à Folha "Ele era vazio. Era psicologicamente incapaz de fazer qualquer coisa."
No documentárío, Morrissey aparece falando sobre sua relação com Williams, com quem disputou o poder no estúdio.
Hierarquia na Factory
"Era um duelo de forças", lembra John Cale, guitarrista do Velvet Underground, que testemunhou uma briga física entre Morrissey e Williams nos bastidores de um show em Chicago."No fundo, eram todas pessoas incompletas, que encontravam na Factory um papel que não encontravam na sociedade, mas era tudo drama. A vida era uma performance."
Brigid Berlin, que aparece em "Chelsea Girls" injetando anfetaminas, diz que o modo de Warhol demonstrar amor era perguntar se o amante da noite anterior "tinha pau grande".
A briga pelo poder e atenção dentro da: Factory revela esse lado sombrio de Warhol. "Todo mundo amava Andy e ele manipulava todo mundo para amá-lo", lembra Danny Fields, produtor musical, em seu depoimento. "Mas era óbvio que ele transava com Danny, porque ele nunca precisava dar explicações, justificar nada."
O tio da cineasta foi amante de Warhol no auge de sua carreira. Ganhou uma câmera de presente e foi viver na casa do artista, despertando o ciúme de outros integrantes da Factory. Entre 1965 e 1966, Williams fez 20 filmes que jamais saíram de lá e agora aparecem em trechos do documentário de Robinson.
Vazio
Com versões dissonantes da mesma história e verdades colocadas em dúvida, Robinson diz fazer um filme sobre a "não lembrança", um relato sobre a última atitude do tio, que escapou da Factory para desaparecer para sempre.
O filme começa e termina com uma vista do mar e a paisagem vazia do precipício onde foi encontrado o carro de Williams. Em seus diários, Warhol refere-se a ele apenas como o "eletricista de Harvard".
Diretora faz acerto de contas tardio
Cássio Starling Carlos - Crítico da Folha
Homenagem sincera ou ressentimento vingativo? A ambigüidade domina o projeto de Esther Robinson em "Desaparecido: Danny Williams na Factory de Warhol", que tira do limbo o personagem-título, tio da diretora.
Não é apenas uma operação nostálgica familiar, Danny Williams foi amante de Warhol e registrou, em pequenos filmes, imagens do grupo reunido em torno do ícone da pop arte, com destaque para as primeiras apresentações do Velvet Underground.
Só o fato de restaurar e apresentar este material já agregaria valor ao trabalho de Robinson. Além disso, a diretora indaga vários sobreviventes do grupo, operação que traz à tona a personalidade agressiva e manipuladora de Warhol.
Em certo sentido, trata-se de uma estratégia de culpabilização pela morte e esquecimento de um familiar, marcada por um sentimento questionável e movida pela intenção de abalar um mito.
Neste acerto de contas tardio, a diretora devolve ao tio um lugar público importante e recoloca em circulação uma memória afetiva e estética plena de significados. (CSC)