Glauber Rocha: últimos meses do cineasta

Cultura / Entrevista - 15/12/2009

 

Amar e perder Glauber Rocha: viúva do cineasta estreia filme sobre os últimos meses do artista

Por Letícia González
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Paula fotografa o marido pelo reflexo de um espelho

“Diário de Sintra” é um documentário, mas um diferente da maioria do gênero. Não há nomes que apresentem as pessoas na tela, indicação de data ou um discurso linear. No filme de Paula Gaitán, viúva e mãe de dois filhos de Glauber Rocha, quem fala é a voz de uma mulher que perdeu, 25 anos antes, um grande amor.

Para fazê-lo, Paula voltou a Sintra, a pequena cidade portuguesa onde viveu com o cineasta e as crianças em uma espécie de autoexílio. O ano era 1981 e a época foi de intensa produção para Glauber. A família viveu lá até que ele, doente, teve de ser trazido de volta ao Brasil. O diretor morreria no dia seguinte ao desembarque.

Como a própria Paula explica, “Diário de Sintra” não é um filme sobre o Glauber Rocha. É um jogo de memória que, poético, pode emocionar qualquer pessoa que já viveu uma perda. Foi o que ocorreu no festival de Tribeca, em Nova York, no ano passado, quando Paula viu muitas pessoas comovidas no fim de uma sessão do filme. “Poucas pessoas ali já tinham visto um filme do Glauber”, diz ela.

Marie Claire Online conversou com a artista sobre a época que inspirou o filme, que estreia nesta sexta-feira em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador.

Marie Claire - O Diário de Sintra é um filme sobre um passado pessoal seu. Por que fazê-lo?
Paula Gaitán - Eu tinha esse material, feito em 1981, que tinha ficado no passado. Eu nunca havia mexido. Aí passados 25 anos, participei de um edital do Itaú e ganhei. Eu sempre fui correta sobre o tema: não é um filme sobre o Glauber, é uma construção minha a partir dele. E quando você faz um filme, é porque existe uma necessidade vital de fazê-lo, uma pulsão que te leva. Foi o que aconteceu.

MC - Nele, o fluxo de narração dele não é linear. Por que?
PG - Porque a memória não é linear mesmo. Ela é cheia de faltas e vazios, partes escuras que você não consegue alcançar. Para falar de memória, você parte do esquecimento e constrói essa coisa fragmentada, feita de associações livres. A memória é muito sensorial, olfativa. E o filme é sensorial também.

MC - Assistí-lo é como remexer em uma caixa de lembranças para você?
PG - No começo, quando fiz o filme, a questão da produção se impunha. Viajamos a Portugal e acontecia de acordar às 5h para trabalhar, tinha uma rotina. Ele ficou pronto em 2007 (eu o montei muito rapidamente). O que acontece agora é que, cada vez que vejo o filme me emociono mais. É como se visse filme de outra pessoa. Porque todo mundo tem perdas - às vezes nem é por morte, pode ser um namorado que foi embora ou a relação que acabou, e você tem que viver aquele luto. O filme fala delas, da ausência, não só da viuvez.

 

 
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Glauber, a pequena Ava e Paula

MC - Por que vocês estavam em exílio em Sintra?
PG - O Glauber tinha feito “A Idade da Terra” e nós fomos com ele para Veneza, eu ele e as crianças. O filme não teve uma boa acolhida no Brasil, pois tinha uma proposta muito à frente de seu tempo. E ele sofreu muito com isso, teve muitas decepções. Se sentiu exilado de novo. Então decidiu ir para Sintra, queria ficar isolado.

MC - Como eram esses meses em família?
PG - Foi um período muito interessante, bonito. Sintra é bucólica, é pra onde iam os poetas românticos, como o Lord Byron. Foi fértil. Ele escreveu vários roteiros. O Glauber tinha uma disciplina inacreditável, era muito rigoroso e certinho. As pessoas têm uma visão de que ele tinha uma personalidade exuberante, mas ele começava a trabalhar na máquina de escrever às 8h, ia até as 12h, almoçava e depois retomava.
O problema é que havia sido uma longa batalha mesmo. E aquilo afetou a saúde dele. Eu costumo dizer que, às vezes, o quando o guerreiro repousa, o seu corpo não resiste. Ele não resistiu.

MC - Você esteve com Glauber nos últimos anos da vida dele. Como é sobreviver à morte de um grande amor como esse?
PG - Caracas, é difícil. Foi para isso que fiz o filme. Eu tenho muitos amores, sou uma mulher apaixonada. Mas os grandes amores permanecem.

MC - Você guarda muitas coisas do Glauber?
PG - Guardo porque ele foi um homem importante. Ele não foi um grande amor só para mim, mas também para quem ama o cinema dele, para quem segue suas ideias. Não é um privilegio meu, que fui companheira dele... [Paula se desculpa por não conter o choro]. Eu fico emocionada. Esse amor não me pertence, é um amor coletivo, porque ele é um homem público.

MC - Assim como ele, você é uma artista [Paula é cineasta e poeta]. O que Glauber lhe ensinou sobre arte?
PG - O Glauber deixou uma lição para muitos artistas, que é a possibilidade da invenção, da liberdade, e de lutar por isso. De ter coragem, ter uma ética e uma estética. Na história da humanidade você vê gente que aderiu a movimentos de extrema direita e teve obras artísticas revolucionárias. Mas é essa coerência [que esses artistas não tiveram] que o Glauber deixou.

MC - O mundo conhece o Glauber intelectual, cineasta. Como era o Glauber pai e marido?
PG - Ele era muito dedicado. Era generoso, carinhoso, como os pais têm de ser. A generosidade é do carater do Glauber, ele sempre se doou muito aos amigos também. É muito bonito a parte [do filme] em que ele canta com as crianças. A Ava fica repetindo, e agora ela se tornou uma cantora incrível.

MC - Você se apaixonou novamente depois de Glauber?
PG -
Sim, me apaixonei. Eu tenho uma filha de 20 anos que é fruto de outra paixão. Eu sou uma mulher de grandes paixões, espontânea e intuitiva. É a minha maneira de me dedicar às coisas de coração aberto.

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Glauber em foto feita por Paula. No filme, a imagem é dada a moradores da pequena cidade, que falam sobre a identidade do fotografado
 
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