Rogério Duarte: — Qual a tiragem do jornal?
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Meu dia começou matinalmente na cadeira do dentista, antes no “Correio Braziliense” li: “A volta do tropicalista”. Depois do expediente, nesta mesma sexta-feira, passei na sua casa e gritei: — Rogério! Ele pôs a cara na janela e abriu a porta. Isto é Rogério Duarte “Gil e Caetano são grandes artistas, que já se consagraram e que realizaram um dos aspectos importantes da revolução tropicalista, mas que não é o único. Eles estão continuando o trabalho que começaram. Porém não podemos cruzar os braços achando que a revolução está complementada apenas como parte de um trabalho. Ela foi um movimento coletivo. Só agora determinados aspectos da obra de Tom Zé estão aparecendo e do próprio Gereba, que também participou da Tropicália. Tentamos revelar coisas que estavam ocultas, sem negar a obra de Caetano e Gil, que também é fundamental. O Gil participou do nosso disco. Queremos, inclusive, a colaboração deles. O sucesso tem esse poder, como aconteceu com o Roberto Carlos, de ser conformizante. Você cria fama e deita na cama. Parece que venho dando declarações que são contra o Caetano mas só têm o objetivo de provocar e mostrar que a revolução não terminou. Não bastou o sucesso comercial para consolidar os ideais do movimento tropicalista***”; "Tom Jobim era grande músico, mas também grande plagiador****"; "Nunca postulei grandes espaços na mídia, por que o que faço não é muito conhecível ou digerível****"; "Paulo Coelho é apenas um comunicador de textos que leu de outras pessoas****"; "Na área de programação visual não vejo ninguém mais importante que eu no Brasil****"; "Andy Warhol não fez nada além do que fiz no Brasil. A diferença é que ele circulou no 'jet-set' internacional e isto ajudou na difusão do trabalho dele****"; "Sou um homem razoavelmente perseguido, fiz concurso na UnB e só consegui ensinar depois de impetrar mandado de segurança****"; "A academia não consegue me engolir, vive me chamando de charlatão. Mas desafio qualquer acadêmico que me desacate para debate público sobre qualquer área do conhecimento. Sou mais eu****"; "É melhor um inimigo revelado do que um falso amigo****"; "Vivo em angústia permanente. Nunca se chega a lugar nenhum. Não estou mais maduro hoje porque cheguei aos 60 anos****"; "Jorge Mautner fracassou ao tentar fundir o popular com o erudito****"; "Já fui convidado até para ser ator de novela, mas preferi manter compromisso com a liberdade e a privacidade****"; "O que morreu foi o falso comunismo, o comunismo real não. O ideal de igualdade entre os homens não. O ideal de igualdade entre os homens não vai morrer nunca****".
Soneto (Rogério Duarte) (Poema, ditado ao repórter Rogério Menezes, 'Correio Braziliense', está entre os muitos textos inéditos de Rogério Duarte****)
"Eu, por exemplo, gostei muito mais do filme do Paulo César Saraceni ('O VIAJANTE'). Mais sério, mais profundo. E briguei pelo filme do Sganzerla porque sou intelectual e gosto de ver filmes que satisfazem a minha inteligência, e não apenas que estimulem minhas glândulas lacrimais*****"; "Cacá Diegues faz uns filminhos interessantes, mas conformistas. Falta a ele a grandeza de Glauber*******". "Todos atuavam em todas as frentes, fazendo poesia, música, teatro, cinema, artes plásticas, artes gráficas. Fazíamos militância política e cultural******"; "Tinha a visão que minha participação no movimento seria muito mais em nível de atuação filosófica e teórica******"; "Quando conheci Caetano e Gil, em 1965, pressenti que o Tropicalismo estava sendo gestado. Não havia um plano pré-determinado, mas sim um desejo de fazer tudo novo******"; "Os genes, os espermatozóides, vieram da Bahia, certamente daqueles encontros no Colégio Estadual e na Escola de Teatro, se multiplicaram no Rio de Janeiro, no Centro Popular de Cultura da União Nacional de Estudantes. A reprodução foi em São Paulo, a matriz da cultura de massa******"; "O movimento está vivo até hoje. Seus participantes estão aí, atuando nas mais diversas áreas, até mais que naquela época. E estão surgindo muitas coisas que vão lançar mais luzes sobre o Tropicalismo******"; *Correio Braziliense, “A volta do tropicalista”, 14 nov. / 2003. Texto: Tiago Faria.
Foi depois da visita à fazenda natal e do retrato do bisavô peludo que acabou por me sugerir reencarná-lo. Caricatura do meu passado me tornei porque caricaturei a busca de mim mesmo indo atrás dos detritos que o meu caminho deixou à margem. Estranho às vezes ao meu corpo assusto-me frente ao espelho na vã tentativa de captar-me outro e recebe-lo na minta ternura ou, menos ainda, procurando especular sobre a aparência nova e suas possibilidades de realizar o paradoxal embuste de parecer humana, coisa aliás que se não se realiza é apenas em função da minha recusa. Terá que ser desta mesma guitarrística maneira o continuar no ato de fazer a ladainha dos pães de cada dia. Talvez tenha descoberto eu hoje uma maneira nova: não se trata de cometer o verbo mas sim de esgotar-se no só afã de comete-lo, ou de convencionar-se para si a fatalidade de cumpri-lo. Isto poderia se compreender imaginando-se a ação de modo a não diferencia-la da não-ação. E é tangível quando tragicamente se cai na penumbra da unidade; ou zona do fenômeno. Talvez, se a fidelidade a cada dia me compra o direito da depuração contínua, eu chegue a escutar a viva voz que articula a vibração do manifesto. Guitarristicamente tecendo em dedos e espera-deflagração. Que chance? O meu destino desenvolveu-se enquanto eu mantinha os olhos tapados e já nem me reconheço nele. Brutalmente a qualquer momento pode surgir a vida, eu sei que não estou preparado. O medo que é sombra da luxúria, aproveitou-se do meu corpo inteiro como morada do seu escuro. Eu sinto, quando estou falando com alguém, nitidamente a sensação de não controlar a espontânea linguagem de loucura e sofrimento que torna como que desconcertantemente ridícula (já que a cobre e nega) a comunicação esboço-vomitada. É absolutamente igual à fé na chegada do Messias o prognóstico sobre a passagem de um Cometa. Se nos voltamos para o grande corpo, sem um sequer leve cilício, tomamos o líquido aviso, confundimos a nossa alma com Ele. Daqui a alguns anos a moral será uma ciência misteriosa ao alcance apenas de uns poucos iniciados que, de resto, ninguém viu. A Fé, as Leis, etc... serão no Futuro não muito distante de uns duzentos anos como hoje são a alquimia, astrologia e lá vai fumaça... Eu sou amigo do Rei, eu me dou bem com o Rei. Eu sou o outro Rei. Hereafter all will be different, you need to get a very human face… O viúvo chora suas lágrimas são como grãos de mostarda que caem no solo seco dos ladrilhos enquanto isso vinte milhões de crianças desesperadas bolinam nas varandas.
Estabelecer conexões o mais imediatamente possível com o mais próximo ou bem você está ostentando sua careta usufruindo os privilégios da morte ou bem você está se esgueirando entre os mausoléus correndo sempre o risco de resvalar na trincheira das covas se eles constroem a parede sua missão é infiltrar-se pelas ranhuras com a instintiva como é que é meu caro ezra pound? vou acender um cigarro daqueles para ver se consigo lhe dizer isto. andei fazendo um pouco de tudo aquilo que você aconselhou para desenvolver a capacidade de bem escrever. estudei homero; li o livro de fenollosa sobre o ideograma chinês, tornei-me capas de dedilhar um alaúde; todos os meus amigos agora são pessoas que têm o hábito de fazer boa música; pratiquei diversos exercícios de melopéia, fanopéia e logopéia, analisei criações de vários dos integrantes do seu paideuma. Começaste a enlouquecer de novo não é cobrinha multicor? Quando parares de te agitar tanto talvez eu permita que tu me dês uma mordidinha, tá? Daqui até à casa de Bernarda Alba ainda faltam muitos quarteirões. Poderemos nos distrair pelo caminho a lamber os paralelepípedos orvalhados pois a manhã que está pintando começara a me incendiar de forma progressiva até o escândalo do meio-dia. Nem me fale dos olhos que crescerão nas órbitas até o horizonte das paisagens, nem da erva verde que acompanhará para sempre os nossos pés para os pecados deflagradores. Afogaste-me na piscina, no caldeirão das tintas e deixaste o mel da tua boca lasciva escorrendo pelos meus ouvidos atordoados. Deixe esta absurda Guanabara servir como pavilhão solene. Darei algumas voltas em torno dos teus cabelos que são a tua única possibilidade de se confundir com o vento. Crescerão feios sóis de gordura nas narinas do bicho papão. O força maior tem o dom de amarrar os membros e iniciar um diálogo verdadeiramente tropical e terapêutico.
Texto de Gilberto Gil psicografado por Rogério Duarte |