Paulo Iolovitch: azul a cor do desapego
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Paulo, eu e Bukowski (na camiseta) no 'Beira'
Paulo Iolovitch ou Azul a cor do desapego
escrito por: Igor Miguel Pereira*
“Artista de rua? Que nada! Eu sou é vendedor de galinha d’angola.” A apresentação ecoa na praça central do CONIC através da caixa de som defeituosa. Logo viriam versos e com eles os “ornitorrincos plácidos”, a “máquina hieroglífica do caixa eletrônico” o “homem com nozes na cabeça”. As galinhas d’angola reproduzidas numa série de quadrinhos diminutos são oferecidas ao público de semelhantes proporções. Algumas são vendidas, outras são dadas. É segunda-feira e chove na hora do almoço.
Cenário e plateia mudam à noite. Percorre os bares tradicionais da Asa Sul com seus quadros em pano, sem moldura, trinta reais cada. Figuras difusas, mulheres e taças, Dons Quixote alternam-se em suas mãos e nos olhos da freguesia. Muitos adquiriram o costume de convidá-lo a sentar. A idade do hábito determina o nome pelo qual o chamam. Iolovitch para os antigos, Azul para os recentes.
O sobrenome veio do pai ucraniano. O apelido é fonte geradora de palpites pelas mesas. “É a cor dos olhos dele.” “Uma fase, tipo aquela do Picasso.” “Homenagem à Nossa Senhora Aparecida”. Um dos poucos que sabem da história real é Paulão de Varadero, jornalista e compositor do bloco Pacotão. Paulão é co-autor do batismo. “Estávamos discutindo essa coisa do uso da cor pelos partidos. Falaram que o azul merecia um dono melhor do que o Roriz. Como era a cor da camisa do Iolovich sugeri, meio de sacanagem, que ele adotasse.” “Pois então esse passa a ser meu nome,” foi a resposta de Iolovitch.
Azul prefere o vermelho para suas telas. Já o matiz de sua ideologia é uma incógnita. “Ele sempre foi meio conservador, mas na velhice está se aproximando do anarquismo,” conta o livreiro Ivan Presença. Azul diz ser apolítico, numa justificada imprecisão. Seu discurso, que mistura Niemeyer, Walt Disney, Marx, Dalí e Coca Cola, possui uma ideologia bastante consistente. Só falta um bom nome pra ela.
“Me aposentei como artista”
Iolovitch inclina a cabeça sem sorrir. Escuta outro pedido misturado com promessa para a realização de uma exposição. “Isso não me interessa mais. Meu negócio é a produção”, comentaria um pouco depois. No bar reencontrou seu primeiro ofício. Quando criança, em Porto Alegre, vendeu de refrigerantes e carrinhos de rolimã até broches comemorativos do retorno de Getúlio à presidência.
O encanto com os desenhos ocorreu ainda no colégio. Freqüentou cursos de vitrinista, xilogravura e belas artes, teve como mestres Iberê Camargo e Aberto Guignard. Tornou-se ilustrador e diagramador da Globo, editora gaúcha. Por um dos carnavais dessa época conheceu Ivone Silva, mulata e musa (com perdão da redundância). Pouco depois a moça viria trabalhar em Brasília. Iolovich largou o emprego em Porto Alegre e veio atrás dela. Tinha 26 anos, era o ano de 1962.
O cenário da capital recém construída não se assemelhava ao velho oeste apenas pela abundancia da poeira vermelha do deserto. Feito na corrida do ouro, o número de oportunidades era proporcional ao de golpes. Após sofrer alguns tombos e calotes aprendeu as manhas da cidade e se estabeleceu na publicidade local enquanto fazia seu nome como pintor.
Suas telas ganharam à casa de embaixadores e a Esplanada dos Ministérios. Recebeu prêmios diversos (“só entrava em concurso pra ganhar,” afirma) e usou o dinheiro para viajar. Conheceu Londres, Barcelona, expôs em Paris e Lisboa. “Ele era o pintor da corte, o retratista do cerrado,” define Mário Pacheco, autor do documentário “Paulo Iolovitch, o Pintor de Entrequadras”.
Os motivos que levaram ao desencanto com o mercado da arte são nebulosos. Ressurgem os palpites. Alguns falam do esquema de corrupção nas galerias, outros da viuvez precoce ou da ligação com a espiritualidade hindu. Azul explica-se da seguinte forma. “Me criticavam por eu não ter uma linguagem própria. Eu fui pintando, estudando até que encontrei uma. Fiz mil quadros com ela, então me aposentei como artista.”
“Ele deixou a arte pra se transformar na própria arte. É um outdoor vivo, quando mostra suas obras parece Moisés abrindo o Mar Vermelho”, entusiasma-se Mário Pacheco. Além dos quadros em pano, o gestual característico e as tiradas de improviso fizeram Azul cair nas graças da boemia brasiliense. “É um personagem criado pela cidade e que cria através dela, ” opina Jorge Ferreira, dono do Bar Brasília e do Bar do Mercado.
Sua criação é em ritmo acelerado. Produz quadros em série, poemas na velocidade dos repentistas do Nordeste ou dos dadaístas da França. Se desfaz de suas obras com igual facilidade. “A arte só é a coisa mais importante do mundo pra quem tem ego muito saliente.”
Cirilo Quartim e Paulo Iolovitch dia desses
O jornalista, Igor Miguel Pereira formado pela UnB, persegue o Azul à noite