Rubens Gerchman: no coração do Tropicalismo
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Morre o artista plástico Rubens Gerchman
J.F. Diório/AE - Estado de S. Paulo
Artista faleceu em decorrência de tipo raro de câncer.
29 jan. / 2008 - SÃO PAULO - O artista plástico Rubens Gerchman faleceu às 6 horas desta terça-feira, 29, no Hospital Einstein, em São Paulo, em decorrência de um tipo raro de câncer. O velório será realizado no Einstein e o corpo será cremado ainda nesta terça no Cemitério de Vila Alpina.
Rubens Gerchman nasceu em 10 de janeiro de 1942 no Rio de Janeiro e vivia em São Paulo desde meados de 2003. Ligado a tendências vanguardistas como a pop art e o happening, conquistou em 1967 o prêmio de viagem ao estrangeiro do Salão Nacional de Arte Moderna, que o levou a viver até 1972 em Nova York.
O artista foi co-fundador e diretor da revista de vanguarda Malasartes (1975-1976) e dirigiu com sucesso a Escola de Artes Visuais - INEART do Parque Lage, no Rio (1975-1979). Entre 1979 e 1980, incentivado pela bolsa da Fundação Guggenheim e premiado na Bienal Ibero-Americana, trabalhou nos Estados Unidos e México, onde deu aulas na Universidade Nacional.
Premiado em Bienais no Brasil e no exterior, tinha participado de inúmeras exposições individuais e coletivas, e possui obras em coleções e museus do mundo.
Rubens Gerchman
No coração do Tropicalismo
Diário do Nordeste - Fortaleza/Ceará
Rubens Gerchman, inaugura hoje na Multiarte a exposição “Pinturas e Objetos”
13 mar. / 2007 - A arte ao encontro do cotidiano. Concursos de miss, a sinalização das cidades, trânsito, elevadores, operários da construção, desempregados, jogadores de futebol, uma ou outra personagem da crônica policial como uma fetichizada ´Virgem dos Lábios de Mel´. Elementos trabalhados na série Caixa de Morar e em outras tantas da obra de Rubens Gerchman, um artista plástico que participou ativamente dos principais momentos do movimento tropicalista, ao lado de nomes como Hélio Oiticica, Antonio Dias, Rogério Duarte, Lygia Clark, Lygia Pape, Carlos Vergara, Agripino de Paula, quase todos eles ´injustiçados´ como Ivan Serpa e Wesley Duke Lee.
Também famosa, além da personagem de José de Alencar, a capa do ´Tropicália ou Panis et circensis´ e a ´Bela Lindonéia´, verdadeiros marcos do Tropicalismo. Ou a série de palavras em fórmica sobre madeira, alguns deles presentes nesta exposição na Multiarte. Pinturas em acrílica e óleo sobre técnica que ainda tentavam adaptar-se ao formato mais tradicional das exposições, mesmo em uma mais transgressora como a ´Opinião 65´, transformada em mais um happening pelo ´anárquico´ Hélio Oiticica. ´Ele não pôde entrar porque a Carmem Coutinho disse que preto não entrava no MAM´. Vinte e nove anos depois, conforme conta Waly Salomão no ´Hélio Oiticica - qual é parangolé e outros escritos´, seria a vez do curador holandês Win Beeren espantar a ´negrada´ aos gritos de ´sua´ Bienal.
Para Gerchman, ´apesar de ser um movimento que não tenha resolvido nada´, o Tropicalismo retoma idéias de Osvald de Andrade e dos modernistas de 22, sendo caracterizado também por uma tomada de posição política. ´Dentro do engajamento possível, ele tinha uma pitada anarquista também´, diz, alegando a necessidade de ampliar o leque de referências quando se fala no movimento. Contemporâneos de rupturas como o Maio de 68, o Cinema Novo, a música de Gil, Caetano, Tom Zé, Mutantes, os boicotes a bienais, os painéis como ´Loucura e Cultura´, eles assistiram Gerchman também criar e dirigir a Escola de Artes Visuais do Parque Lage. ´Artes visuais, não só plástica´, ressalta, entre muitas outras considerações em nome do futuro. ´A escola não teve continuidade, apesar de formarmos muitos novos artistas, amalgamando muitos outros. Então, o legado do Tropicalismo são essas utopias, essa inquietação´.
Serviço:
Abertura da exposição ´Rubens Gerchman: pinturas e objetos´ - Hoje, para convidados, a partir de 20h, na Galeria Multiarte (Rua Barbosa de Freitas, 1727, Aldeota). Visitação aberta de amanhã a 7 de maio, de terça a sexta-feira, das 14 às 20h. Amanhã, a partir de 19h, Rubens Gerchman conversará com os artistas locais. Agendamento de visitações escolares: 3261-7724.
FIQUE POR DENTRO
Quem é Rubens Gerchman
Ter convivido com os nomes de peso das décadas de 60, 70 poderia ser suficiente para satisfazer qualquer interessado em artes plásticas. Foram poucos, no entanto, que fizeram a escolha de integrar, como artista, esse grupo diversificado. Um dos corajosos foi o pintor Rubens Gerchman, que apresenta a exposição Rubens Gerchman: Pinturas e Objetos, na Galeria Multiarte.
Carioca de 1942, Gerchman começou, ainda menino, pelas mãos do pai desenhista, a pensar por imagens. Freqüentou a Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro entre os anos de 1959-1961, quando aproximou-se do ateliê de gravuras de Adir Botelho. Cinco anos depois estava dirigindo uma exposição de Hélio Oiticica na Galeria G-4, em São Paulo. Chegou também a integrar, entre outras, as mostras Tropicália e Nova Objetividade Brasileira - quando expôs Lindonéia, obra síntese do tropicalismo dos anos 1960.
Gerchman não chegou a sofrer, diretamente, as conseqüências do AI-5, pois estava no Estados Unidos. Lá, intensificaram-se as relações do pintor com outras linguagens: ele criou a capa do disco Panis et circensis e o pôster do filme Copacabana, me engana, de Antônio Carlos Fontoura. A partir da metade de 70, Gerchman volta ao Brasil e assume a direção do antigo Instituto de Belas Artes, transformando-o em Escola de Artes Visuais do Parque Lage. A mente inquieta se volta para o cinema, e produz, nesse mesmo ano, o filme Mira, o imigrante, em homenagem ao pai.
Depois de algumas viagens mais extensas, o pintor se depara com o convite de Lina Bo Bardi para criar um mural de azulejos para o Sesc Pompéia em São Paulo. E no final da década de 80 lança o primeiro livro sobre seu trabalho, com textos do crítico de arte Wilson Coutinho. Depois dessa produção editorial, vieram mais duas: Double Identity, em 1993 e Caixa de Fumaça, em 2002. Sobre ele, Fábio Magalhães lançou, ano passado, o Rubens Gerchman, pela Lazuli Editora em parceria com a Companhia Editora Nacional.
O pintor hoje se divide entre Rio e São Paulo, pois mantém, em cada cidade, um ateliê.
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ENTREVISTA - RUBENS GERCHMAN
A arte ao encontro do cotidiano
"Evidentemente que a arte se limitou, os espaços ficaram muito mais restritos. E tem agora a geração digital, muito mais rápida” (Foto: Neysla Rocha)
Um dos principais representantes da arte visual tropicalista, Rubens Gerchman, 65, expõe pela primeira vez em Fortaleza. ´Até vim para a exposição de esculturas efêmeras organizada pelo Sérvulo Esmeraldo, há uns 15 anos, mas minha obra acabou sem ser montada´, comenta. Hoje, 16 pinturas atuais (2005/6) e a histórica ´Lou´, de 1975, além de cinco objetos (dois deles representativos do neoconcretismo brasileiro: ´Lute´ e ´Ar´), recebem convidados da galeria Multiarte para minimizar essa inacreditável defasagem. Cuidadosamente montados pelos amigos Max Perlingeiro e Maria Beatriz Castelo Crispino, os trabalhos podem ser vistos entre vídeos sobre a obra do artista carioca, um dos mais importantes em atividade no País. Uma estrutura que o surpreendeu e incluindo até uma belíssima plotagem fotográfica de um de seus ateliês, servindo de moldura para a projeção dos filmes e para cenário do bate-papo de Gerchman (nome de ascendência judia ucraniana), amanhã, com a classe artística da cidade. A seguir, ele faz algumas outras considerações sobre sua arte, óleos e acrílicas de grande intensidade criativa, com texturas e cores vibrantes e que não perde seu vínculo com o cotidiano, entre beijos, carros, bicicletas e outras figurações anônimas, abençoadas por duas tropicalíssimas iemanjás.
Hoje, a sua intenção de comunicação, esse contato com o público que era uma busca daquela geração, esse direcionamento ainda é o mesmo?
Não, eu seria mentiroso... Não é o mesmo, mas eu mantenho esse canal aberto. Quer dizer, uma vertente do meu trabalho continua querendo que a obra seja conhecida não só por algumas pessoas. Mas, infelizmente, estabeleceu-se uma outra coisa. A nova geração é muito mais pragmática do que a gente, os colecionadores são caras exclusivos, querem ter obras únicas, mas sempre que eu posso, faço uma pequena tiragem do meu trabalho, ou via obra gráfica ou via objetos que eu tiro até oito cópias e tal. Agora, evidentemente que a arte se limitou, os espaços ficaram muito mais restritos. E tem agora a geração digital, que é muito mais rápida, então eles estão pelo mundo inteiro, viajando para tudo que é exposição. Então, é uma geração que cultua a personalidade, mas também quer ser conhecida. E eles estão muito mais conhecidos que a gente.
E essa realidade muda a sua produção?
Não, os jovens sabem que houve alguma coisa estranha nos anos 60, mas eles ainda não conhecem totalmente. Conhecem pelos livros, com linguagens simples. Eu acho que a formação continua, agora como espaço que a gente ocupa, eu acho que têm outras pessoas que até ocupam mais. A intenção sofre as mudanças da época, devido ao mercado, antes não se vendia tanto. Mas minha forma de lidar com isso continua a mesma, no sentido de não pegar ícones importantes, sempre preferindo a realidade dos anônimos, antes de um país meio rural, e hoje mais urbano. Meus heróis eram anônimos do cotidiano.
Hoje o que mais lhe intriga na linguagem da arte como um todo?
Eu acho que uma coisa belíssima da nossa época, que me interessa muito, primeiro, o barateamento das fontes de comunicação, você tem livros sobre qualquer assunto de arte hoje, muito bem impressos, com preços mais baixos. A gente estudo em reproduções em preto-e-branco... Hoje há uma democratização da cultura. Eu acho que é a primeira vez que os artistas podem viajar pelos séculos. Porque eu sou artista do final do século, e estou de observador na janela, mas vejo que maravilha é poder viajar através dos séculos, nesta viagem mais compreensiva por qualquer artista, em livros, DVD, internet. Ninguém pode dizer que é ingenuidade, a pessoa não conhece só porque não quis se informar.
E a arte brasileira vai ocupando seu espaço, ainda por vocês?
Também, muito suavemente, mas é mais pela outra geração. Eu acho que tenho uma cotação internacional acho que muito aquém... Tudo bem, faz parte. Mas tem gente jovem caríssima.
Como você sente isso?
Eu aceito, acho legal. Estou torcendo que seja cada vez mais, eu acho que isso tudo depois caminha como um todo. Mas tende a aparecer também uma geração nova de negociadores de arte, que viajaram muito, foram para feiras de arte, outro grande fator de divulgação, muito mais do que as bienais.
Mas se a gente citar como exemplo um Romero Brito, um cara que nos últimos 20 anos apareceu com muito estardalhaço, mas que a gente nota que não existe uma história...
Eu acho que ele está em outro mercado, ele é um artista gráfico, um publicitário, ele não tem essa atuação que a gente tem, nem pretende, eu acho. Ou talvez ele almeje fazer parte desta plêiade de artista, mas ele, infelizmente, não tem história. Nem no Brasil, nem fora. Eu sei que ele coloca obras porque ele tem muita inclinação econômica.
Ainda tem lugar para se construir essa história hoje no mundo, podem acontecer ainda movimentos?
Eu acho que não, serão sempre esforços de mercado. Você vê um cara como o Romero Brito que é um cara até mais bem sucedido do que outros que estão inseridos em um contexto, fazendo parte de um movimento, possivelmente de renovação... Ou de uma determinada região que durante muito tempo estava reprimida e de repente apareceu um grupo de artistas...
Você encara isso naturalmente?
Não, eu acho que não é nada natural, é o poder econômico. O Romero Brito é um produto. Uma coisa Disney, da publicidade...
Falta uma alma, que a gente vê na força desses trabalhos...
É, e isso eu faço um a um, o Romero Brito pinta dez por dia, e ele agora tá também combinando com técnicas de multiplicação. Outro fenômeno mais interessante é a fotografia. A foto está substituindo a pintura. Uma ampliação fotográfica pega vinte mil dólares. Quando é que você podia pensar que o Thomas Farkas, o Roberto Maia ou o Walter Firmo, o Walter Carvalho, aqueles pioneiros da fotografia no Brasil, com seus pequenos 30x40, 18x24, poderiam ser vendidos por vinte mil dólares. O Man Ray vendeu por cento e cinqüenta mil dólares, mas Man Ray é um ícone maravilhoso da arte.
Por falar em ícones, quem eram os seus? Nas artes e na literatura, na palavra, na filosofia?
São muitos, lá atrás Caravaggio e tal... Depois, Goya, Velásquez. Aí chega nos impressionistas, que a grande figura do Monet, Cézanne, Van Gogh, tudo isso é importante, é história. Picasso, Matisse , que é uma coisa muito especial. Depois chega Brancuse, em tanta gente... Depois, me apaixonei pelo construtivismo latino-americano do Torres-García, mais do que Mondrian, resultando no neoconcretismo carioca e na série ´Caixa de Fumaça´, que expus há alguns anos... Também o foi para Ligia Clark, Amilcar de Castro, outras influências maravilhosas na minha vida. Na filosofia, a gente era encucado com Sartre, e fui ler recentemente e acho que ficou muito datado. Mas sempre fui muito ligado à poesia dos modernistas brasileiros e franceses. Agora, filosofia, só para pegar um que faleceu agora, o Baudrillard, que pensou o hoje, fez uma reflexão sobre a realidade, o modelo, a réplica, esse mundo digital todo que está aí. E os frankfurtianos, Eco, tudo isso foi muito importante pra nós. Na palavra, também fui muito marcado pela poesia do Armando Freitas Filho, de quem fiz as capas de seus livros. Ele praticamente me ensinou o que era literatura. Mas Baudrillard é meio complicado (risos). Ele fala que no final a realidade desaparece, então é bom o artista continuar no seu canto, é uma atividade anacrônica, meio jurássica. Quem resolver pintar hoje, tem que dizer que ele vai pegar uma vida toda de trabalho e não espere grande coisa... Faça seu trabalho, agora, até descobrir uma linguagem, tem muita água passando debaixo... E o pessoal não tem tempo, eles querem uma coisa imediata. Eu acho que as facilidades do mundo digital são uma tentação. Eu acho que poderão ter coisas híbridas... Agora, uma coisa que eu acho que está muito esquecida é o desenho. Eu acho que nesse caldo todo, quem tiver uma ligação com o desenho, vai ter uma ferramenta a mais. E eu tenho trabalhado muito com fotografia digital, gostaria de trabalhar com cinema, mas depois para fazer a parafernália eletrônica exige uma pequena equipe. Mas também fui marcado pelo cinema, via muitos filmes de vanguarda na Cinemateca do Rio.
A sua primeira coleção de jóias, como a série ´Caixa de Fumaça´, também reflete muito intimismo mnemônico. Como foi envolver-se com esta técnica?
Eu tive um prazer estético muito grande porque eu descobri a cor das pedras brasileiras. Eu não sou um grande desenhista de jóias, mas eu gostei de misturar, descobrir... Dependendo sempre de um ourives porque montar jóia é uma complicação danada. Mas eu gostei muito de pegar pedras brasileiras brutas. Eu estava na Bahia, e de repente botavam umas 500 pedras na mesa e eu ficava brincando com aquilo, acabei fazendo bocas, brincos... Mas não eram pedras lapidadas no último estágio, tinham um lado meio bruto. Talvez por causa dessa vontade de botar junto, fazer uma assemblage, o artista é um brincoleur, pega pedacinhos de coisas e tal...
HENRIQUE NUNES
Repórter