SAÍ PELO TAPAJÓS E ELE PASSA POR ALTER DO CHÃO / PARÁ (2017)

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O rio Tapajós nasce no estado do Mato Grosso, segue para o norte, cruzando a divisa do Pará e desaguando no rio Amazonas, em frente à cidade de Santarém, a quase 700 quilômetros de Belém.

"A Vila mais famosa da Amazônia, com 810 quilômetros de extensão tem águas cristalinas de tom verde azulado que banham as praias do vilarejo e são as responsáveis por dar lugar o apelido de 'Caribe brasileiro'. Distante aproximadamente de 30 km de Santarém. Após cerca de 40 minutos de percuso que separam o viajante do aeroporto de Santarém a Alter do Chão, o 'clima' muda." (EDU DIAS – ALTER DO CHÃO 259 ANOS – JORNAL DE SANTARÉM E BAIXO AMAZONAS)

AMAZÔNIA PARAENSE ENVOLVE SENSORIALMENTE O VISITANTE COM A EXUBERÂNCIA DE SUAS MATAS, RIOS, PRAIAS E  ANIMAIS

por Mário Pazcheco
revisão de Roberto Gicello

SUCOS DE FRUTAS RICAS EM FIBRAS, ARTESANATO INDÍGENA E ERVAS MEDICINAIS

6 mar. / 2017 – No Pará, eu, mucho louco com Zanza. A onda do Pará me deixou mais doido (quem conhece sabe). No restaurante Caranazal e no Pier da Pousada Alter do Chão foi onde passamos as noites.

Hora do café da manhã: “O que você faz?”, perguntou o casal paulista "Eu sou escritor!", respondi à queima-roupa. "Escreve onde?", replicaram. "No Facebook!", tiro de misericórdia num diálogo sem salvação. Silêncio sepulcral. Emendei que colaborava no Jornal do Guará (na capital federal), tinha livros publicados, promovia bandas, comandava site. Humpf! Um escárnio silencioso e tapajônico soprou suavemente as cortinas de chita do refeitório, enquanto eu mastigava uma tapioquinha com manteiga derretida.

No cardápio, os sucos: acerola, maracujá, cupuaçu, graviola, cacau, taperebá, caju, murici, açaí e bacaba. No prato: pescada, aracu, surubim, tambaqui e tucunaré. Sempre servidos com farinha, feijãozinho manteiga; ou vatapá, tacacá e maniçoba.

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Ellen, a menina da janela, é uma das responsáveis pelo conforto e o café da manhã. Thaís(a) a “Paulistinha” é de Americana-SP, terra de Rita Lee, formada em Logística, vive numa maloca e trabalha no Restaurante Caranazal. Tudo gente finíssima.

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Traços da civilização tapajônica, com grafites etnográficos nas paredes da entrada da Vila de Alter do Chão revelam as preocupações peculiares da comunidade: a preservação das florestas, da fauna, da flora e dos povos originais, a luta contra a devastação dos recursos naturais e culturais. Lá a maioria das pessoas é consciente destes problemas com o adensamento populacional e as invasões às margens da Floresta Encantada. Contracultura total em luta com o sistema. Eu preferi conversar com os nativos a tentar entender os tantos estrangeiros que ali estão aos magotes. Suiços, portugueses, angolanos, poloneses, americanos, japoneses, besuntados de suor e sorrindo para selfies com bichos-preguiça, macaquinhos e araras domesticadas. Vi coisas aprendi coisas e fumei muitas coisas. Navegando em Alter do Chão, você pode esbarrar com Keith Richards ou Chris Martin. Claro, todos anônimos como nós.

No cais de Alter do Chão toma-se uma lancha (ou canoa) para curtir a areia mais branca e a água mais quente na Praia do Amor, que de fevereiro a agosto fica meio submersa.

No artigo evito propositalmente a situação fundiária: os índios paraenses disputam ouro, terras e madeiras com sem-terra, fazendeiros e garimpeiros.

Num mundo cada vez mais virtual, clonado e transgênico, Alter do Chão é a reserva das reservas naturais, assentada sobre o maior aquífero do mundo: congregando as bacias do Marajó (PA), Amazonas e do Solimões (AM) todas na região amazônica chegando até a bacias subandinas.

Sapiência é caminhar silenciosamente nos atos e nas palavras dos guias e dos aprendizes da floresta (canoeiros, barqueiros, mateiros). O cenário do turismo em Alter do Chão atualmente é bem diferente do início do 80s, quando então era muito difícil encontrar alguém do sul do país na região.

A base da economia é o salário mínimo. Existe desigualdade social e cultural, porém a energia elétrica já chega às mais remotas comunidades. Os passeios de carro, canoa, lancha das associações completam a renda do morador. As lendas submarinas são o atrativo para as estrelas do judiciário e para os popstars. Gente de vários pontos do país anda pelas ruas e pousadas, vendendo artesanato, ou na praça palestrando rudimentarmente com gringos, através do gestual e da criatividade típica dos mercadores monoglotas. Um destes ambulantes, o carioca Mozart e sua cadela Mina oferecem, na praia, um show afiado com simpatia, lábia e peixeiras. O show de talentos é honesto e bom. Intercâmbio cultural de turistas, grupos de jovens mochileiros de todo o país, além dos moradores e músicos da própria cidade e de Santarém, que se reúnem na sexta-feira no Chorinho (casa de esquina onde se canta e dança animadamente). Uma viatura da polícia encosta, mas ocorrências são mínimas; de vez em quando prendem ladrões, nada mais que isso. Todavia, seria um ledo desconhecer os tentáculos da corrupção da Odebrecht: a empreiteira já planejou erguer espigões nas ruas de Alter do Chão.

Alter do Chão se destaca pelo apelo cinematográfico –como set de filmagens é deslumbrante, proporciona uma fotografia exuberante e de baixo custo, o que atrai produtores independentes e universitários.

Também em Alter do Chão acontece a A Festa do Sairé (a mais antiga manifestação cultural da Amazônia) com artistas plásticos, músicos, artesãos, ceramistas, poetas, compositores e maestros. 

alter 0Os chalés são 

Chalés são organizados por cores na Pousada Alter do Chão/PA

Endereço: Rodovia PA 457 | Dr. Everaldo Souza Martins Km 25 / 68100-000 Alter do Chão
Telefone: (93) 99128-0148
www.pousadaalter.com.br/
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IMAGINE UMA FLORESTA ENCANTADA NOS FUNDOS DE CASA

Tiririca é uma rama que corta; tucumã é um cacho fruto de uma palmeira com cor alaranjada e fibra grudenta; o bacuri precisa da presença dos pássaros para frutificar. É uma das frutas mais conhecidas do Pará, maior do que uma laranja e a cajarana: tudo para uso culinário ou cosmético. Juntem-se às frutas pássaros, peixes, sapos, macacos, porcos-do-mato, antas, jabutis e cobras. O cenário já é prodigioso, e os igarapés, furos e os iapós debuxam as curvas do mistério e da beleza. Qualquer habitante ou visitante pode descrever o próprio encanto. A própria floresta se proteje como dá e as pessoas que não são aceitas podem sofrer eventuais hostilidades.

Há também os rituais de ayahuasca.

REPELENTE DE FORMIGA

"Kika" também atende pelo nome de Ideorlano é descentende do grupo indígena Munduruku, povo de tradição guerreira que dominava culturalmente a região do Vale do Tapajós. Brincalhão passou repelente natural de formiga, usou um cipó (muuba?) para cingir a vara de pescar para enganar o peixe e falou de outro cipó, a escada-de-jabuti que ajuda na diabetes. “Kika” é o guia, braço direito, amigo e pau para toda a obra, especialista na opípara Piracaia (peixe na brasa).

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Aida, a canoeira, rema no primeiro passeio pela Floresta Encantada e sua filha Amorinha, nos acompanha.

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MUIRAQUITAN MUIRAQUITÃ

"Amuleto, talismã verde ou esverdeado, atribuído às Icamiabas (Amazonas), mulheres sem marido, que enjeitavam ou sacrificavam os filhos varões. Os mais conhecidos em jadeite e representavam uma rã. As verdes sãos disputadas a preços elevados, como verdadeiras 'joias de arte lítica amazônica'. Reside a sua fama no mito que o envolve, sintetizado por Frederico Barata no capítulo As artes plásticas no Brasil: 'Nas fontes do rio Jamundá, naa serra Yacy-Taperê (Serra da Lua), há um famoso lago, consagrado à Lua, denominada Yacy-Uruará (espelho da Lua)'. Anualmente, em certa fase lunar, as Icamiabas que na serra habitavam faziam em determinada época uma festa, consagrada à Lua e a mãe do Muiraquitã, que habitava o fundo do mesmo lago. Dias depois de contínua festa, na ocasião em que as águas estavamserenas e a Lua nela se refletia, as Icamiabas que estavam em torno do lago, nele se precipitavam e, mergulhando, iam ao fundo receber das mãos da mãe do Muiraquitã os preciosos talismãs, com as configurações que desejavam. Recebiam-nos ainda moles, porém, logo depois que saiam d'água, endureciam. Com essas pedras mimoseavam elas os homens com quem se relacionavam. Os muiraquitãs são encontrados principalmente na área Tapajós-Trombetas, constituindo um produto artesanal dos antigos grupos indígenas que habitavam a batraquiana (os mais afamados). Mas existem igualmente, e em maior número, os de textura leitosa e de cor escura, dependendo do material que a mão artífice empregava em sua confecção: ardósa, diodrito, esteatite, jadeite, nefriete, pedral-cristal, etc."

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 Restaurante CaranazalPier da Pousa Alter do Chão onde passamos as noites

ESCOLA DA FLORESTA MOSTRA ATIVIDADES E SEUS CANTEIROS

A Escola da Floresta é um complexo gigante, dirigido por uma nova administração de técnicos agrícolas e outros profissionais. As pessoas que nos atenderam foram gentis e atenciosas. Seria necessário, para uma descrição mais precisa, um guia impresso com a lista de plantas de lá, e todas com cores diferentes das que você conhece.

A Casa da Farinha, a Casa de Seringueiro, o viveiro de peixe, a marcenaria, os inúmeros canteiros, as mudas, as trilhas e o observatório inserem as crianças nos conceitos de desenvolviemento sustentável. Uma outra parte da população utiliza as dependências da Escola. Tudo fluindo nos 33 hectares de área da Escola de Floresta. 

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Nos 33 hectares de área da Escola de Floresta

AO ESTILO DE KRAJCBERG

Argus e Nonato Cruz moradores da Floresta Encantada são artistas e ambientalistas. Quando as águas baixarem frente à moradia, eles exibirão obras feitas com trocos e raízes calcinadas, denunciando a destruição do homem na natureza – arte que grita contra queimadas e desmatamento. Essas comunidades exibem fósseis, e cada casa é um museu vivo de paleontologia que combina a própria arquitetura à sua identidade. 

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Os lotes às margens do igarapé da Floresta Encantada/Alter do Chão possuem suas próprias galerias, dentre elas surge a da Pousada dos Arcos, onde trabalha o pintor Nonato Cruz que vendeu seu primeiro quadro em Brasília, ao embaixador mexicano.

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 Esse caboclo aí é o Nil. Existem os aprendizes de feiticeiro, ele é o aprendiz da floresta, voltado para a preservação da sua ancestral cultura indígena. Músico de sopro nas flautas, também prepara o sapó e joga capoeira. Sua conversa é a mais esclarecedora e estruturada além da mensagem da floresta, ademais ele fala francês, pois viveu na Europa. Seu tempo é ocupado no preparo de adereços de patchuli e fibras originais, ervas, defumações, jardins, embalagens e rótulos de óleos. Cultiva seus próprios sonhos, e como aprendiz, dedica-se a causa sem parecer individual ou misantropo e sim resguardado. Preocupa-se com as queimadas e como inserir o povo do Pará na preservação do meio ambiente e na obtenção de uma renda agrícola próspera.

Suas inquietações:

perda de produtividade agrícola em várias regiões;
alterações na precipitação de chuvas;
elevação do nível dos rios;
desparecimento de espécies vegetais e animais no bioma;
einterferências nas atividades de caça, pesca e da lavoura

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 NA ESTRADA COM ADEMAR

Na Casa de Saulo, restaurante nas barrancas com vista privilegiada para o rio Tapajós. Além da natureza, outro destaque é o prato da casa com frutos do mar, com o nome do chef.

O bom, educado e prudente motorista Ademar nos conduziu aos mais longos passeios ecológicos. Dele obtivemos todas as informações sobre os principais pontos turísticos, a fauna e a fauna da região.

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Denize Rezende nasceu no Mato Grosso, mas viveu boa parte de sua vida em São Paulo, antes de abraçar o Pará. Grande incentivadora do ecoturismo e responsável por momentos inesquecíveis de poesia e elegância. Denize cantou profissionalmente e hoje é a dona da Pousada Alter do Chão, e como é dura a rotina de receber e cuidar de turistas do mundo todo!

"A música paraense é um hibridismo de merengue, bolero e samba-canção, com ramificações pela toada, o choro, a marcha-rancho, o samba-enredo e a lambada", descreve o jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto.

 

O carimbo, ritmo popularizado por Pinduca, não chega a ter novos representantes de peso na cena musical paraense, mas ainda influência desde bandas pop aos bregas e tecnobregas. Artistas jovens, como Juca Culatra, ou experientes, como dona Onete, representam a simpatia e a música febricitante da região.

O que presenciamos foi o chamado carimbó pau-e-corda, em que não participam instrumentos elétricos, apenas os curimbós (atabaques) de marcação e ritmo, o ganzá, a flauta, o clarinete, o saxofone, o violão, o reco-reco e o pauzinho. Esse formato é tido como o mais autêntico. Luizinho do Restaurante Caranazal é a pessoa certa para uma explicação da origem dos passos da dança. Ele aponta um viés de aculturação do carimbo, mas apesar disso, todossão unânimes em reconhecer que o ritmo tem poder ideológico, é um canto e um folguedo de resistência, um atestado de identidade contra a cultural de massa que devora as raízes do que o país tem de mais original e ancestral em nome do lucro, através da uniformização das artes e dos costumes.

 

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Banda do mestre Osmarino ou dá-lhe guitarrada, chorinho, carimbó (sambão tipo Banda de Ipanema) e muita gente pela estrada. Em meio a essa mixórdia musical – Luizinho produtor e dono do Restaurante Caranazal – e grande expoente defensor da cultura nativa. Malucos no carimbó às margens da floresta encantada em Alter do Chão.

NO MERCADO MUNICIPAL EM SANTARÉM/PA

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No Pará, tudo é lisérgico com gosto diferente, e num timing absolutamente amazônico: tudo é grande, vasto e saboroso. O tapuio rubro-negro na direita vende a farinha do piracuí, o bolinho típico do Pará, que comíamos antes da cerveja Tijuca. Acreditem: lá a cerveja paraense tem charme carioca e os feirantes são muito diferentes dos da capital federal.

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O menino Edu ou Dudu, Andrei e Denise De Rondônia para Alter do Chão/Pindobal/Santarém – fizeram contato com as bandas Merda Seca e Covereiros (ambas de Porto Velho): família corajosa e companheira de longas viagens. O povo acolhedor tocou o pendrive de heavy metal.

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Interior da loja Muiraquitã de artesanatos da Amazônia e do Brasil em Santarém/PA (Rua Senador Lameira Bittencourt, 131 CEP 68005-010 Santarém-PA), na orla do cais. Aqui comprei coisinhas para a casa como uma máscara indígena. O dono é o João, que mantém a loja aberta desde 1980, num admirável ato de resistência cultural. Ele me explicou que por estar há muito tempo no ramo possui o acervo maravilhoso que encontramos. Tudo no Pará é mágico. Faltou espaço e grana. Jamais pensamos em trazer nenhuma muda de nada.

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 Com os pés na canoa, de camisetas que atraem a atenção, num dia pode começar nublado, mas é Amazônia e o Sol inevitavelmente surgirá, soberano e benfazejo.

Agradeço a minha filha, Ana Luíza, pela dica; a Zanza Meneses, por me carregar por aí; e a todos que participaram dessa viagem que ficou ainda por ser completada.

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