Heustória vista de dentro

por Mário Pazcheco

“Foi dado o corte epistemológico, eles têm que ver.” 

(Glauber Rocha)

Este será um prefácio intenso, meio atlas, meio calendário: um mapa para identificar personagens e locais. Escaparam as praças, as árvores, os bancos e a sinuosidade das curvas – a visão da estrada. Aqui, os ônibus serão, essencialmente, o meio de transporte mais usado. Trata-se de um faroeste – “caboclo” –, faltará, talvez, erudição para pegar essas brevidades como em certos pratos refinados falta apresentação aristocrática. Ainda assim, como nos ônibus lotados, os fragmentos de vida atravessarão a condução a tempo de descer na próxima parada, a determinação lhes abrirá passagem. Em Os Miseráveis, de Victor Hugo, há o inusitado e o burlesco. Leiam-no. Opere o parto, meta a faca e faça a circuncisão.

A Heustória constitui-se de lembranças, de locuções dos domingos de futebol paulista no rádio, de recortes de jornais e revistas, de capas de discos, de vislumbres do cotidiano soterrados pelas perdidas implosões que a vida detona e não filma. Uma onda 

radiofônica regional, local (e brutal) transmite o linguajar beat – assoprado em sílabas e carregado pelas ventanias urbanas.

O perímetro é a vastidão do Centro-oeste – o mítico “Planalto Central” de JK –que masca pessoas, os retirantes do Brasil pós-paroquial, que, após conseguirem transformar ocupações em lotes, se encontraram no Bar Esperança.  

Aquela coisa burlesca como salgados de boteco

O crime – A Heustória é a desorientação da História, através da memória do processo de regredir para ilustrar a vida vivida com palavras e imagens às vezes inéditas – ou através de suas reminiscências, frequentemente incertas, profundamente sinceras. Heustória é o processo de uma história apaixonada – exaltada; sem os vergalhões que sustentam as construções históricas, acadêmicas, com respaldo judicial, oficial, cartorial, eivada de impressos imprecisos. Sua escrita será intangível. Deve ser uma história nova, um novo departamento à parte. Além das lendas urbanas é uma história sobrevivente, trazendo à tona fatos que foram colunas nas páginas policiais (jamais pousamos nossos olhos nas sociais). O trabalho será escorado pelos caras mais competentes e loucos que a mixaria pode abarcar. Tudo é insuficiente e escasso e mingado e regrado. Será uma história trancada (não confundir com hermética), que talvez jamais soltaremos – não somos fitas magnéticas. A Heustória desagradará os  donos do poder, desagradará favoritismos, desagregará amigos e desapontará os ávidos de babados fortes. Porém, em com precisão cirúrgica atingirá e acalantará aquele público diminuto com aquelas quase extintas histórias daquele arrabalde, que tornam a Heustória o ramo mais promissor das memórias da sobrevivência do Homem. Só Brasília, a capital em seus 57 anos oferece material tão comum, insólito, e tão vivenciado e tão marcado em nossos sentidos. 

De agora em diante só beberei nos puros blues gasosos da própria bica, aqueles que se parecem com lágrimas. Cotidianamente (re)escrevo passagens subterrâneas, fugas espetaculares e anedotas amargas – espremendo o limão, contemplando o passado com bastante sarcasmo, registrando como os beats datilografaram, escrevendo com três pares de mãos. Nesta jornada, todo dia aprosa deverá seguir para a gráfica, mesmo que ela não saia do lugar.

Heustória é a fusão histórica com a particular, o prosaico, com o que aconteceu na sua vida – ou ainda com 45 anos de irrupção arrependimento e contraculturas. É aquela história que vem de berço, da trajetória em fotos, recortes, daquelas ações de adquirir os pedaços do sonho. A conquista de materiais. As informações seriam levadas do além-túmulo essa é a ideia. 

Estou na busca por histórias dissipadas dos meus outros pares. Essa ideia de dar rosto e vazão aos pares é vital no processo de catalogação das emoções.