Havia Futebol em Brasília? Responde Pedro Wolff, 2021

Havia Futebol em Brasília?

Por Pedro Wolff

A trilha sonora do documentário, "Marreta dono da bola", foi feita por Bruno Z

 

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O time do Brasiliense - Arquivo pessoal do massagista Marreta

Em 1958 o Brasil celebrava seu primeiro título mundial e o entusiasmo era nacional. Brasília, antes da inauguração, compartilhava dessa euforia em meio às obras exaustivas para cumprir o deadline de 21 de abril de 1960. Nesse contexto, nossos pioneiros que trabalhavam nas empreiteiras promoveram o primeiro campeonato, em 1959. #DoProprioBolso resgata um pouco dessa história gloriosa que ficou no passado

No dia 16 de março de 1959, em uma sala do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários (IAPI), onde hoje é a SQS 105, reuniram-se representantes de dez clubes desportivos para fundar a Federação Desportiva de Brasília (FDB). Com informações do livro “Ponto de Partida”, de Luiz Roberto Magalhães e Paulo Rossi, no primeiro de abril do mesmo ano a bola rolou no primeiro Candangão da história. Foram 19 equipes divididas em zonas Sul e Norte. A chave Zona Sul reuniu Grêmio Esportivo Brasiliense, Taguatinga, Ipase, EBE, Expansão, AA Bancária (IAPB), Guará, Brasil (Coenge) e Brasil Central. Pela chave Norte da cidade disputaram Planalto, Nacional, Rabelo, Novo Horizonte, Assiban, AA Brasília Palace, Pacheco Fernandes Dantas FC, EC Radium, AA Kosmos e EC Brasília.

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Wander Abdala

Devido à árdua tarefa de correr contra o tempo para erguer uma cidade, chegaram ao fim do campeonato apenas dez times. “O único dia de futebol era no domingo porque trabalhávamos 18h por dia para cumprir o prazo. Das 6h até meia noite. Depois da inauguração o trabalho continuou, só que 8h por dia”, lembra Wander Abdala, 76 anos, ex-jogador e um dos fundadores do Defelê Esporte Clube. O destaque do nosso primeiro campeonato de futebol foi para o artilheiro Iris de Jesus Lopes Guimarães, cujo pai, Adonir Guimarães, empresta o nome para o estádio de Planaltina. Iris marcou 44 gols pelo Guará, mas não foi campeão. O troféu foi para o Grêmio Esportivo Brasiliense, que venceu do Planalto por 1X0, fechando o torneio em 22 de novembro com uma campanha invicta de dez vitórias e cinco empates.

Após a inauguração da cidade e durante as festividades, foi organizado o primeiro jogo de peso: a seleção de Brasília versus o Santos de Pelé. O Rei veio até a cidade, mas não jogou por conta de uma contusão. Nossa seleção perdeu de quatro a zero para a visitante. Desde seu pontapé inicial, o Candangão (apelido concebido na época) passou a ser disputado todos os anos e consagrou no início o time do Defelê com a campanha do tricampeonato de 1960 a 63; o time só voltou a ser campeão em 1968.

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Vestido com a blusa do CEUB, o massagista Marreta segura uma foto da seleção de Brasília

HISTÓRIA DO DEFELÊ

Wander Abdala já havia jogado no Bela Vista de Sete Lagoas (MG). Em abril de 1959, ele chegou à cidade e foi procurar emprego por intermédio do futebol. Primeiro jogou no time mais antigo da nossa cidade, o Clube de Regatas do Guará, que, segundo sua memória, foi fundado em 09 de janeiro de 1957. Depois jogou no Grêmio Esportivo Brasiliense, segundo Wander o segundo mais velho da cidade, fundado em 1959. Os dirigentes desse clube lhe arrumaram um emprego na Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap) – nota que naquela época tudo girava em torno da Novacap. Até que ele foi encaminhado para o Departamento de Força e Luz (DFL), atual CEB. Wander conta que na hora do almoço brincava de futebol com um uma bucha de laranja, depois um colega providenciou uma bola de meia. “Daí começaram a nos perturbar para montarmos um time. Escrevi uma carta para o Dr. Cássio Damásio, presidente da Empresa Brasileira de Engenharia (EBE) no Rio de Janeiro, empresa da qual o DFL fiscalizava o trabalho de implantação da iluminação da cidade. E o chefe da EBE enviou de volta 11 uniformes”. Mesmo tricampeão, Wander reconhece que o melhor time da época foi o Guará, tanto tecnicamente quanto individualmente. “Nosso primeiro título foi ganho na vantagem de um empate de 1x1 contra eles conquistado por um pênalti no final do segundo tempo”, lembra.

Essa primeira década de Brasília foi gloriosa para o futebol da cidade. “Era a única coisa que fazia a cidade vibrar. As arquibancadas de madeiras ficavam lotadas”, lembra o massagista Raimundo Ribeiro Campos, o Marreta, figura praticamente onipresente na história do futebol da cidade. Tanto Marreta quanto Wander lembram que na época só havia dois campos de grama na Vila Planalto, o resto dos campos do DF era “barrão”. “E o primeiro de grama iluminado foi do Defelê”, acrescenta Wander.

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Ceub jogando no Pelezão - Arquivo pessoal do massagista Marreta

ERA CEUB E DECADÊNCIA DO NOSSO FUTEBOL

Segundo Marreta e Wander, a década de 1960 foi marcada pelo amadorismo, enquanto na de 70 foi a vez do profissionalismo. “O Ceub foi a coqueluche da época e o primeiro a trazer medalhões”, recorda Marreta. Em suas fileiras já atuaram Garrincha, Fio Maravilha, Dario, Kité, Rildo, Jads, Noé, Kisté, Alencar, Rogério, Marco Antônio, Paulo Victor, entre outros. Outro time que conseguia causar euforia na época era o Taguatinga, ao ponto de seus torcedores levarem folhas de bananeiras para o estádio em alusão ao jogador de apelido Banana.

Após o sucesso do CEUB na década de 1970, o futebol Candango foi perdendo um pouco do peso, até chegar ao que é hoje. Questionado sobre como é a emoção de fazer parte da história, Wander muda o tom e retruca: “não temos história. Fomos apagados. Nossa história é oral, ninguém se preocupou em nos preservar”. Inconformado, ele cita o triste e decadente fim do estádio do Pelezão. “Era o único estádio da federação de Brasília. Ao fim virou favela e hoje no local há condomínios verticais”, lamenta.

PONDERAÇÕES

Cláudio Ferreira, um dos co-diretores do documentário “A história que o futebol não conta” (2012), que fala sobre o futebol de Brasília, expõe suas reflexões geradas a partir da pesquisa, que podem explicar a decadência do futebol local. A primeira coisa que chamou a atenção foi a média de público nos últimos cinco anos ser de 2 mil pessoas. “Uma das razões que eu aponto para a falta de interesse pelo nosso próprio futebol é a falta de raiz. Por exemplo, o filho de carioca irá torcer pelo Flamengo”. Cláudio vai mais adiante e crê que a televisão tem sua parcela de culpa por transmitir jogos de fora em detrimento aos locais.

Outro fator considerado por Cláudio é que o Plano Piloto, elite econômica, não sediou jogos e nem se deslocava para as cidades satélites. E cita também dificuldades encontradas durante a confecção do seu documentário na própria Federação Brasiliense de Futebol. “Eles só tinham documentos de 2000 para cá. Tivemos que ir atrás de pessoas”, dispara.

Para ele, uma opção para reviver o futebol local, aproveitando o entusiasmo do novo Mané Garrincha, seria trazer de volta nomes que surgiram aqui, como Amoroso, Kaká, Paulo Victor, Lucio entre outros, “além de investimentos, é claro”.

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