por Heloída Dutra

Março / 2021

Ele te empurra da cama quase todos os dias e nem pensa em se desculpar. Ele te diz “você está atrasada pra cacete” sem ao menos medir as palavras. Ele te faz perder a paciência, se esconde quando você menos quer procurar. Ele te pede “vamos embora, vamos logo, vamos correr” quando você quer ficar parado. Ele te amola muito cedo, se justifica quando já é tarde. Ele te faz companhia.
Ele caminha com você, em você, por você. Ele te informa sobre o tempo, comenta sobre o calor, te protege da chuva. E também manda bom dia, te faz responder com “obrigada”. Ele está sempre presente para incomodar; quando se ausenta é puro incômodo. Ele te dá a notícia,  te põe a par da fofoca. Ele é mensageiro, secretário, empregador, subordinado.
Ele te conecta. Te liga, te reanima, te ressuscita. Ele te corrige, te emudece e te faz falar. Ele toma seu tempo sem pedir, te devolve quando der. Ele nunca te devolve. Te apressa por nada, faz barulho por coisa alguma. Ele te leva pra casa. Ele fica ali, parado, te perguntando por que você não faz o favor de se mover. Ele te move.
Ele provoca, te apressa, te manda ir. Ele cruza a rua por você; a rua e o mundo. Ele te faz vibrar, te deixa silencioso. Ele cai, se joga, pula, quebra mas não te abandona. Ele é a sua cara. Ele é melhor que o do seu chefe, pior que o do seu amigo. Ele te faz um recluso em público, prende sua atenção. É egoísta.
Te dá música, texto, vídeo. Quer atenção, quer seu dinheiro, quer crédito. Te pede por tudo o que você nem sempre pode dar. Te transforma num número. Ele te incomoda, te preocupa. Ele te distrai. Te faz esquecer da vida, faz a vida esquecer você. Ele te liga. Te faz desligar, ser desligado. Ele te toca, se toca, te faz tocar. Agora com licença, o meu está tocando... Ahh como adoro meu celular!!