PRIMEIRA NOITE

Era uma sexta enlouquecida pela ansiedade.

Depois de um mês de muito namoro virtual, apenas quatro encontros presenciais, sendo que três deles foram focados no objetivo de ver a saúde em tempos de pandemia, e o primeiro foi marcado apenas de breve ósculo e um leve toque mais ousado por parte deste casal, digamos... Safado, enfim eles se encontram para deleitar-se nos corpos um do outro.

A busca de local tranquilo onde pudessem montar seu ninho de amor e luxúria, o cenário escolhido para a festança foi o Ele & Ela, situado no setor de motéis, do Núcleo Bandeirante. O local foi eleito pelo conhecimento prévio do moço sobre aquele lugar. Tal informação em nada agradou a moça, mas esta, decidida a não reclamar de muita coisa, após uma breve notificação sobre tal sentimento, partiram para a diversão. E que diversão!

A acomodação é bastante simples, garantindo apenas a privacidade tão desejada. Estava quase vazio, uma demonstração dos tempos difíceis que a cidade passa.

No quarto de paredes brancas e azuis a refletir em seus espelhos a lascívia que impregnava o ambiente. A cama redonda de alvenaria garantiria a firmeza necessária para todo o frenesi que tomaria conta daqueles corpos.

A um canto duas cadeiras, uma, hospedeira para o belíssimo vestido preto especialmente escolhido a dedo para a ocasião.

Nem a lingerie rendada, garimpada com todo o esmero e a preço de ouro na lojinha especialmente aberta para a senhorita cheia de “boas intenções”, conseguiu ser amparada junto ao vestido; a urgência do momento não permitiu tal arranjo.

Compondo com as cadeiras, somente uma mesinha de dois lugares que naquela noite não serviu somente para apoiar o aparato de utensílios que a moça bem-intencionada levou, mas sim para ampará-la enquanto o faminto comensal a degustava com a gula permitida somente aos amantes vorazes.

Não havia na decoração nada mais a acrescentar, apenas uma iluminação que promovia certo mistério, e um som sem a devida qualidade para fazer a trilha sonora do enlace físico.

De conforto, o ar condicionado funcional para aplacar o torrencial calor que abrasava a alcova, mas não resfriava os ânimos desejosos de satisfação.

O lento escoamento da pia da toalete trazia uma sensação de déficit de higiene para o quarto.

Depositado a um canto um pacote singular de camisas de Vênus, que se acaso fosse usado, não seria suficiente para saciar o entusiasmo promovido pela deusa; o casal certinho pensou antes e se testaram para que naquela noite pudessem se entregar totalmente desnudos a Afrodite.

Nenhum acessório como kit higiene, guloseimas, brinquedos, roupinhas... tinha sido disponibilizado, somente as toalhas e o sabonete assistiram o casal em sua primeira noite de amor e picardia.

Por sorte a moça tão precavida e carregada pela euforia, havia levado uma cesta de acampamento, com tudo e muito mais, daquilo que ela julgava necessário para uma noite especial e segura.

Não consultaram o menu de bebidas ou comidas, já que no “kit primeira noite” constava uma tábua de frios esmeradamente montada pela Guria, e um belo vinho para brindarem a Eros, este promovido pelo Cabra.

Sem nenhuma distração que pudessem desfocá-los da atenção um ao outro, viram-se instigados a procurar a beleza e o glamour em seus próprios corpos, a enxergar suas almas naquela impetuosidade irrestrita e ver com mais paixão a beleza da entrega mútua, inteira e despretensiosa que ali se impôs.

Depois que desfrutaram das audácias tão previamente sonhadas, devidamente saciados se entregaram ao cansaço, à alegria da satisfação e foram amparados pelos braços fortes de Morpheus para sonharem com o próximo colóquio daquilo que eles vislumbram ser um encontro de almas por muito tempo e em muitos motéis.

Justine de Sade

ALCOVAS DE ALUGUEL

Motel Ele & Ela - Rua SMPS Conj. A, Lote 125 - Núcleo Bandeirante - Brasília - DF.