KYNOPERZPEKTYVA (2021)
- Details
- Hits: 723
Giro Carioca
“ÓRBITA HÉLIO” REÚNE OBRAS DE ARTISTAS QUE CONVIVERAM COM HÉLIO OITICICA
Na exposição também há uma foto inédita feita pelo Oiticica documentando a chegada de Caetano Veloso no exílio, em Londres, nos ANOS 1960.
Por Redação do Diário Carioca - 10 DE DEZEMBRO
THOMAS VALENTIN - Hélio Oiticica com Bólide área água, Ogramurbana MAM, Rio de Janeiro, 1970 - Fotografia Analógica - Impressão em gelatina de prata a partir de negativo
Hélio Oiticica influenciou uma leva de artistas que mantêm vivo seu estilo até hoje. Alguns deles estão na exposição ÓRBITA HÉLIO, que reúne imagens de grande experimentalismo da arte brasileira, nas DÉCADAS DE 60 E 70. Todos os artistas que participam da mostra conviveram com Oiticica e foram cúmplices em suas artes. Em alguns trabalhos, o próprio Hélio aparece retratado.
“Ele incentivava a produtividade, a criação a todo momento, sem fazer distinção entre a vida pessoal e profissional. Esses artistas beberam na fonte de Hélio, ganharam estatura e se firmaram com seus trabalhos”, conta Margareth Telles, fundadora do MT Projetos de Arte, que organiza a mostra.
A exposição traz ainda uma inédita foto tirada pelo próprio Hélio, documentando a chegada de Caetano Veloso ao exílio, em Londres, no FINAL DOS ANOS 60.
A exposição confere destaque a imagens de ex-alunos que assumiram, décadas após, o papel de parceiros artísticos: os irmãos Andreas e Thomas Valentin. A visita à exposição também permite reencontrar Hélio em companhia de Gal Costa, nos bastidores de show da cantora, de 1971, em registro de Frederico Mendes.
Neville de Almeida, conhecido parceiro do artista, também comparece. Roberta Salgado, autora dos POEMAS EM OBJETO que integram o Penetrável Tropicália, exibe um raro exemplar dessa série. Marcos Bonisson, jovem atraído pelas experimentações de Hélio, igualmente participa da mostra, com um lírico registro de criança em proposição do artista, no morro da Mangueira, em 1980. Ademais, marcante é a participação de moradores da Mangueira, em dinâmica interação com Bólides e Contrabólides. E também Parangolés. A cor, a obra, ativada pelo calor e movimento dos corpos: Nildo, Paulo Ramos, Nininha, Lilico e mestre-sala Delegado. A exposição conta, ainda, com imagens de Marcos Rodrigues, nos bastidores da última entrevista de Oiticica, concedida para o pintor Jorge Guinle e publicada na revista Interview.
Documentário sobre Helio Oiticica – Todas as terças-feiras é exibido, dentro da exposição, o minidoc HÈLIOPHONIA, que tem como base o quase-cinema de Oiticica e sua temporada em Nova York, na DÉCADA DE 1970. Com 13 minutos de duração, as gravações mostram a intimidade do artista, em um tom bastante informal. Marcos Bonisson, diretor do documentário e também expositor da ÓRBITA HÉLIO, participa de um debate após cada exibição. A presença é por agendamento via e-mail.
Expediente: MT Projetos de Arte, Av. Beira Mar 454, Centro, RJ (agendar visita pelo e-mail: This email address is being protected from spambots. You need JavaScript enabled to view it.)
Curadoria: Fernando Cocchiarale
Aberta até dia 28 DE JANEIRO DE 2022
Artistas: Hélio Oiticica Andreas Valentin Frederico Mendes Marcos Bonisson Marcos Rodrigues Neville de Almeida Roberta Salgado Thomas Valentin
Curadoria: Fernando Cocchiarale
Coordenação Geral: Margareth Telles
Direção Artística e Assessoria Jurídica: Lêo Pedrosa
Assistência de produção: Joana Marinho
O Blog da Turma da Coluna defende a diversidade, mas não esconde sua preferência pela democracia, pelo Rio, pelo samba, pelo Flamengo, pelas árvores, pelos bichos, pelo feijão com arroz e pela miscigenação - não necessariamente nesta ordem
REFORMADA, OBRA DO GRANDE HÉLIO OITICICA VOLTA A SER EXPOSTA NO MUSEU DO AÇUDE
Por ANCELMO GOIS – O GLOBO - 11/12/2021
Veja como ficou a obra de Oiticica, no Museu do Açude
Veja esta dupla exposição: na primeira foto o estado em que se se encontrava a obra INVENÇÃO DA COR PENETRÁVEL MAGIC SQUARE #5, de Hélio Oiticica (1937-1980), no Museu do Açude, no Rio. A outra, é como ficou agora depois da sua reforma.
Tudo aconteceu graças a Maneco Müller Filho — diretor da galeria Mul.ti.plo — , com o apoio de artistas e colecionadores. O resultado pode ser visto a partir de amanhã, na reinauguração da obra. O Rio agradece.
CACÁ DIEGUES
GLAUBER ROCHA, BÁRBARO E BARROCO
O cineasta nos ensinou que o grande cinema, em nenhum momento ou lugar, se fez ou se fará
05/12/2021 - 03:30 / Atualizado em 06/12/2021 - 07:27
Glauber Rocha não foi apenas um de nossos maiores artistas, pensadores e cineastas nos ANOS 1960 E 1970, como também um dos mais competentes revolucionários do cinema mundial. Se seus filmes e textos começaram por surpreender e encantar os brasileiros, sobretudo os mais jovens, terminaram por contribuir de maneira decisiva na grande transformação que o cinema conheceu em seu tempo.
Glauber foi uma fonte de energia indispensável naquela revolução cultural. Documentos e declarações, assim como os próprios filmes, por exemplo, de Martin Scorsese, Bernardo Bertolucci ou Jean-Marie Straub, cineastas tão diferentes entre si, trabalhando como tantos outros em tão diferentes níveis, dão testemunho do significado generoso do que Glauber filmou e disse. Todos eles se tornaram devedores do que leram, ouviram e viram desse gênio brasileiro.
No Brasil, o mundo editorial nunca deu muita bola para isso. Sempre preferimos livros sobre a vida romântica das estrelas ou, na melhor das hipóteses, as aventuras de judeus europeus filmando em Hollywood para escapar do nazismo. De vez em quando, ganhamos o presente de uma antologia do grande Paulo Emílio Salles Gomes, quando ficamos sabendo que não é pecado dizer que “o Estado não é feito para dirigir a arte mas para servi-la”. Ou então que “destituídos de cultura original, nada nos é estrangeiro, pois tudo o é”.
Dois livros publicados pela editora da Fundação Clovis Salgado, de Belo Horizonte, circulam por aí. Eles ilustram a mostra GLAUBER – KYNOPERZPEKTYVA, realizada na capital de Minas. Os títulos são CRÍTICA ESPARSA e O NASCIMENTO DOS DEUSES, organizados por Mateus Araujo, doutor em Filosofia e professor de Teoria e História do Cinema na ECA-USP, com a colaboração de Albert Elduque, Arlindo Rebechi Júnior, Claudio Leal, José Quental. Todos doutores, uns em Cinema mesmo, outros em Literatura Brasileira, Jornalismo, História. Da tradução comentada de O NASCIMENTO DOS DEUSES ocupou-se Jacyntho Lins Brandão, professor emérito de Língua e Literatura Grega. O livro ainda traz desenhos de produção de Paula Gaitán, viúva de Glauber e mãe de dois de seus filhos.
O CRÍTICA ESPARSA é uma antologia de textos de e sobre Glauber. Nele, encontramos tanta coisa que o cineasta nos dizia, com a convicção de que devia nos alertar sobre o que precisávamos fazer. Gestos tão generosos quanto impositivos, na certeza do que ia acontecer. Lá estão também as simplificações de seu papel, como no Pasquim, depois de sua morte, que o cataloga como “apocalíptico, bárbaro e barroco”.
O NASCIMENTO DOS DEUSES é a íntegra do roteiro do filme sobre Ciro, a Lua do Oriente, e Alexandre, o Sol do Ocidente, que Glauber preparava para a RAI quando morreu. Com o projeto, a TV italiana pretendia estender uma programação que já tinha absorvido Roberto Rosselini e Pier Paolo Pasolini. Mas o filme de Glauber ficou no roteiro. Dizem que a RAI o recebeu e leu, mas preferiu não tocar o projeto para a frente, pois pretendia pedir modificações a um autor que já não estava entre nós.
Desde o INÍCIO DE 1981, estávamos todos preocupados com o “desaparecimento” de Glauber na cidade de Sintra, cidade histórica vizinha de Lisboa. Com o apoio de companheiros do Cinema Novo, fui a Portugal tentar trazê-lo de volta ao Brasil, para se tratar aqui, cercado de parentes e amigos que o amavam e procuravam entendê-lo. Minha missão foi um fracasso. Ele estava convencido de que, além da produção de “O nascimento dos deuses”, ainda tinha muito o que fazer na Europa. E, segundo ele, não estava interessado no Brasil, o que seus textos e declarações não confirmavam.
CULTURA
CACÁ DIEGUES – O GLOBO
GLAUBER ROCHA, BÁRBARO E BARROCO - PARTE 2
Nosso grande cineasta nos fala sobre o mistério da dor na criação artística
12/12/2021 - 04:30
Nos dois livros sobre os quais escrevi aqui na semana passada, CRÍTICA ESPARSA e O NASCIMENTO DOS DEUSES, publicados pela Fundação Clóvis Salgado, do governo de Minas Gerais, com edição organizada por Mateus Araújo, Glauber Rocha, nosso grande cineasta, nos fala sobre o mistério da dor na criação artística. Podemos ouvi-lo como numa montagem de cinema, com as citações do que diz.
Glauber diz que “Machado de Assis é decadente”, porque “Dom Casmurro, Bentinho e Rubião sofrem e se acabam desesperados”. Fala de uma paixão desbundada desde que viu, em Paris, “Une femme est une femme” e escreveu um artigo com o título de “A mulher de Godard é uma mulher”. No Pasquim, protesta contra filmes “que debocham do povo”. Depois, escreve uma carta para Celso Amorim em que rompe com todos os cineastas brasileiros. Mas diz que o Cinema Novo não vai acabar nunca, porque é a favor do povo. E anuncia um filme que pretende fazer, sobre a viagem que não aconteceu de Kennedy à América do Sul.
Nos Cahiers du Cinéma, afirma que o cinema nasce da fome, que não tem pena nem vergonha, que o mergulho na realidade é o seu estilo. No final de 1971, quando o Chile está em estado de emergência devido ao golpe em marcha contra Allende, Glauber condena revoltado a declaração de Fidel Castro, em visita a Santiago, contra a democracia. Ensina a Straub, Bertolucci e Miklos Jancso como se faz a revolução no cinema e diz que “a África é a mãe do Brasil” e que “o Terceiro Mundo é um museu em Paris”.
Em Lisboa, Glauber afirma que “o populismo só comunica analfabetismo”. Embora no exílio, Glauber quer ser governador da Bahia; mas, na volta do exilio, diz que “o charco burocrático não cria”. “Não me exijam coerência”, diz ele. O ESTADÃO: “Glauber diz que vai salvar o cinema nacional”. “Glauber aconselha o lenocínio aos produtores de pornochanchada”, diz no Rio Grande do Sul. Em 1978, anuncia no GLOBO que “o futuro do cinema está na televisão”.
“A campanha contra a Embrafilme é mais um episódio da velha luta do imperialismo contra o nosso cinema”. Com Glauber censurado e proibido, “a Embrafilme recorre”. “Brazil’s Glauber Rocha pledges fight for laws vs. US films, says they’re basically racist”, no Variety. Glauber: “Sou democrático, liberado e libertário”. “Cabezas Cortadas’: morte ao patriarcado”. Em Veneza, Glauber briga com Louis Malle e o chama de “fascista medíocre”. Folha: “Glauber vai filmar a vida de Marx na Alemanha”. Antonioni sobre “A Idade da Terra”, em Veneza: “Lição de cinema”.
A IDADE DA TERRA em Veneza: “Um vulcão baiano cospe fogo sobre a cultura europeia”. Glauber Araujo Neto: “Sou um proletário intelectual desempregado” e “Cultura no Brasil é discutir a sunga do Gabeira e o sutiã do Caetano”. “Para entender ‘A Idade da Terra’, basta ter dinheiro para comprar o ingresso”, declara em O GLOBO. E, em Brasília, “Glauber Rocha prega a Revolução Atlântica”. E: “Figueiredo pode ser o líder do Terceiro Mundo”, ainda em O GLOBO. Oito dias antes de sua morte: “Gênio da raça: a história de Glauber Rocha, o artista das metáforas”. “Apocalíptico, bárbaro, barroco”, compilação de declarações, publicadas pelo Pasquim.
No dia 21 DE AGOSTO DE 1981, Glauber chega ao Rio deitado no chão de um avião, desenganado, e morre no dia seguinte. Em seu funeral, Darcy Ribeiro diz que os filmes de Glauber eram “um lamento, um grito, um berro. Uma herança de indignação”. Bia Lessa faz um filme a partir de fragmentos da obra de Glauber, com planos de seus atores dizendo o que ele sentia. Como o grito de Antonio Pitanga, em CÂNCER: “Acorda, Humanidade!”.
TV
BIA LESSA CRIA SÉRIE INSPIRADA NA INDIGNAÇÃO DE GLAUBER ROCHA: 'ELE É UMA FERIDA ABERTA'
Criado em parceria com nomes como Ailton Krenak, Flora Süssekind e Guilherme Wisnik, CARTAS AO MUNDO aborda crise social e ambiental
Luiz Fernando Vianna, Especial para O GLOBO
10/12/2021 - 03:30 / Atualizado em 10/12/2021 - 07:27
IMAGEM DA SÉRIE 'CARTAS AO MUNDO', DA BIA LESSA Foto: Divulgação
No enterro de Glauber Rocha, há 40 anos, Darcy Ribeiro disse, em discurso emocionado, que os filmes do cineasta são “um lamento, um grito, um berro”. E continuou: “Fica de Glauber a herança de sua indignação. Ele foi o mais indignado de nós. Indignado com o mundo tal qual é”.
Para a diretora Bia Lessa, a série audiovisual CARTAS AO MUNDO, que acaba de concluir, é “um grito, um manifesto” diante da situação (social, ambiental) do planeta. Ela escolheu Glauber para ser o eixo que atravessa os três episódios.
— É uma figura extraordinária, que morreu jovem (aos 42 anos, de complicações decorrentes de uma broncopneumonia). Ele é uma ferida aberta — afirma Bia, para quem o estilo incendiário do cineasta se aplica ao presente. — Não estamos num momento em que cabe muita reflexão. É um momento de ação.
O cenário da série é São Paulo, e a estreia está prevista para o aniversário da cidade, 25 de janeiro, em diversas plataformas: Globoplay, Canal Curta!, sites do Sesc São Paulo, da Pinacoteca de São Paulo e do Instituto Inhotim. Do projeto — patrocinado por Sesc e Curta! — também participam Instituto Goethe e Consulado da França em São Paulo.
CARTAS AO MUNDO é apresentada, na abertura dos episódios, como “ocupação virtual do Largo do Paissandu em três capítulos” e “exercícios de futuros a partir de fragmentos da obra de Glauber Rocha”. Como indicam as imagens desta página, não há atores ou cenas. São colagens feitas com fotografias e diversas interferências gráficas — tudo em computador.
O primeiro episódio, “Asfixia”, mostra por que o largo do centro da capital paulista foi escolhido como “microcosmo do mundo”, de acordo com a diretora. É uma área em que, por exemplo, um cinema histórico está fechado e duas outras salas foram transformadas em estacionamento. Ao todo, são sete estacionamentos numa região em que falta moradia e há pessoas em estado de pobreza extrema. Em 2018, um prédio onde existia uma ocupação desabou, deixando sete mortos e 291 famílias desabrigadas.
Na tela passam frases como “Tem país na paisagem?”, da poeta Marília Garcia, e “Não consigo respirar”, dita por George Floyd enquanto um policial branco de Minneapolis pressionava o joelho sobre seu pescoço, em maio de 2020. Em trecho do último filme de Glauber, A IDADE DA TERRA (1980), Tarcísio Meira diz que “a qualquer momento poderemos desaparecer no fundo de um abismo”.
— “Asfixia” é o que aconteceria com aquele lugar de São Paulo caso nada mudasse. Com a pandemia, tudo se agravou. Não é distopia, já é o presente — diz Bia.
IMAGEM DA SÉRIE 'CARTAS AO MUNDO', DA BIA LESSA Foto: Divulgação
O arquiteto Paulo Mendes da Rocha (1928-2021) — a quem a série é dedicada — lhe disse que estamos vivendo as últimas consequências de decisões que tomamos ao longo de séculos. A destruição da natureza e a aposta no consumo como motor do mundo estão nos levando a uma situação terminal, segundo ela.
— O (físico) Luiz Alberto Oliveira diz que com as leis da física e da química não tem jogo. É uma sentença. Se não reduzirmos o consumo agora, acabou, fim. Não dá para começar daqui a dez anos — afirma a diretora. — A pessoa tem um sapato baixo, um de salto, um amarelo, um vermelho... Virou uma coisa completamente deslocada da nossa realidade. É fundamental nos livrarmos da ideia de sermos reduzidos a consumidores. É uma batalha quase inglória, mas, se a gente não entrar nessa batalha, aí será inglória mesmo.
“Mercadoria”, o episódio 2, toca diretamente na questão do consumo. Bia partiu das famosas explosões do filme “Zabriskie point” (1970), de Michelangelo Antonioni, para fazer voarem objetos pelas janelas, como carros, eletrodomésticos e roupas. Numa loja de departamento está escrito: “Deixe o que não precisa. Pegue o que precisa”. E é citada uma frase do livro “A queda do céu”, de Davi Kopenawa e Bruce Albert: “Os brancos costumam empilhar seus bens de modo mesquinho e guardá-los trancados”.
O escritor e líder indígena Ailton Krenak, autor de IDEIAS PARA ADIAR O FIM DO MUNDO, é uma das pessoas que conceberam CARTAS AO MUNDO com Bia. As outras são a crítica literária Flora Süssekind, o ensaísta (sobre arquitetura e cidade) Guilherme Wisnik e o arquiteto Vitor Garcez, todos professores universitários. O projeto ainda contou com vários consultores.
Das muitas conversas surgiram planos que estão no terceiro episódio (“O comum”) e poderiam fazer da região do Largo do Paissandu, na visão de Bia, um laboratório para um novo futuro. Estacionamentos virariam hortas comunitárias. Prédios abandonados se tornariam moradia para quem precisa. E no próprio largo seria plantada uma floresta.
— O Paulo Mendes dizia que não é preciso construir mais nada na cidade. Tudo pode ser refeito com o que já está aí — diz ela.
Na série, ainda aparecem reproduções de obras de 80 artistas plásticos. Elas estão nas ruas e nos cinemas, onde também passam filmes de Glauber. Cenas pontuam todos os episódios, com frases como a de Jardel Filho em TERRA EM TRANSE (1967): “Até quando suportaremos?”. E o grito de Antônio Pitanga em CÂNCER (1972): “Acorda, Humanidade!”.
Diz o sociólogo Sérgio Lessa na parte final de “O comum”: “A gente vive um momento que pode ser uma enorme alegria ou uma enorme tragédia. É tudo ou nada. É isso que faz esse momento tão fascinante”.
Em JANEIRO, CARTAS AO MUNDO se tornará também uma exposição no Sesc da Avenida Paulista.
RESISTI À DITADURA, MUDEI O CINEMA BRASILEIRO E SIGO NA ARTE AOS 83 ANOS
A atriz e diretora Helena Ignez foi musa do chamado cinema marginal dos ANOS 60 e 70 e atuou em filmes como O BANDIDO DA LUZ VERMELHA (1968)
Divulgação/Leo Lara/Universo Produção
HELENA IGNEZ, EM DEPOIMENTO A ANAHI MARTINHO
Colaboração para Universa - https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2021/12/11/helena-ignez.htm
11/12/2021 04h00
"Nasci na Bahia, em Salvador. Vivi lá até os 22 anos. Meu primeiro filme foi PÁTIO, o primeiro do Glauber Rocha, que hoje é um clássico. Eu tinha 18 anos. Naquele ano de 1958, nos casamos.
A Bahia era muito efervescente, havia um clima extraordinário. Tinha todos esses músicos: João Gilberto, Caetano, Gil, Tom Zé. Mas todo mundo teve que sair de lá. Todo mundo amando a Bahia, mas não dava para ficar lá.
Era uma sociedade altamente machista, muito provinciana. As mulheres tinham que se comportar de uma forma aprisionada. Eu sentia na pele esse machismo. A minha figura, a imagem com a qual eu trabalhava nesse período, era uma coisa incomum. E uma mulher que sai do comum vai ser visada de todos os jeitos possíveis. Foi nesse período que surgiu a feminista Helena Ignez.
Com 22 anos, me separei. Na época não existia divórcio, fui desquitada. E fui para o Rio em busca de uma vida mais independente. Na Bahia isso era impossível, acho que eu seria apedrejada.
Eu queria agir de uma forma nova, feminista. Ser independente, pensar com a própria cabeça, se não, me aniquilava. Teria virado outra pessoa, se tivesse me deixado subjugar.
Cheguei no Rio e fiz ASSALTO AO TREM PAGADOR (1962). Foi um sucesso extraordinário, o maior do ano. Nesse período também fiz televisão. Apresentava o programa de domingo na TV Rio, que era anterior à Globo. Recebia no palco Tom Jobim, Vinícius. Fiz coisas históricas no teatro também, com Lina Bo Bardi, Martim Gonçalves. Só o nosso atual Secretário da Cultura que não conhece a Lina Bo Bardi.
Meu trabalho com o Rogério [Sganzerla] começou com o O BANDIDO DA LUZ VERMELHA (1968). Foi aí que eu rompi com o cinema clássico ao qual eu pertencia e entrei nessa história do cinema experimental.
Depois veio A MULHER DE TODOS (1969), que é um marco feminista. Esse título é uma ironia total, ela na verdade é mulher de ninguém. Essa personagem causou um efeito nas pessoas que até hoje não sei explicar. Todo mundo fala de uma forma linda do filme, principalmente as mulheres. Eu não esperava que isso fosse tão profundo, mas vai ali na identidade da mulher. Era a revolta. Na época se matava as mulheres livres. Matavam em nome da honra, que coisa vexaminosa. O machismo é vexaminoso, essa é a verdade.
HELENA IGNEZ EM 'A MULHER DE TODOS' (1969) - Reprodução - Reprodução
E esses são os primeiros filmes, com essa mão extraordinária de Rogério. Ficamos juntos logo depois. Nessa época era uma loucura total o Rio de Janeiro. Em 1970, fomos para Londres e aí tudo mudou, fui entendendo que eu amava Rogério. Estávamos sozinhos e eu amava ele.
Dois anos depois, tive minha primeira filha com ele, a Sinai. Passei três anos fora do país, depois fiquei mais um tempo isolada na Bahia. Nessa época a ditadura já tinha se mostrado muito forte, os filmes estavam sendo censurados, ninguém queria se arriscar. Nesse período, o Rogério pesquisou sobre Orson Welles. A ditadura veio em cima profundamente da obra dele. Era muito difícil para ele trabalhar, então tivemos esse período em off.
A ditadura foi horrorosa, pior do que agora. Era militar, né. Ninguém tinha coragem de mexer em nada porque estava mexendo com os militares. Não dá para comparar com agora. Morreu muita gente. Por outro lado, hoje temos um extermínio dos povos indígenas, é pavoroso. E uma pressão muito forte sobre os gays, os trans, os negros, as mulheres.
RESISTÊNCIA E DESBUNDE
A ditadura empurrou para um desbunde, obrigou toda a gente de bem a se revoltar contra aquilo de uma maneira ou de outra. O desbunde foi uma forma de resistência, não foi só a luta armada. Acho que é isso que temos que encontrar, a saída é essa.
A questão do machismo está mudando. Existe uma resistência muito grande dessa nova geração. As mulheres que estão com 30, 40 anos, não se deixam mais abater por coisas como essa obrigação de ser mãe, por exemplo. É uma geração fortíssima. Mas tudo começou lá com a gente, em 1968.
A Heloísa Buarque de Hollanda é a grande feminista da minha geração. O livro dela EXPLOSÃO FEMINISTA é absolutamente extraordinário.
ARTE CONTINUA FORTE
DJIN SGANZERLA EM CENA DE ‘LUZ NAS TREVAS - A VOLTA DO BANDIDO DA LUZ VERMELHA’ - Divulgação - Divulgação
Meu trabalho como diretora surgiu naturalmente, quando o Rogério teve câncer e ficou oito meses sem poder trabalhar, imóvel numa cama. Aí eu resgatei dez anos de trabalho dele, com LUZ NAS TREVAS. Com a morte dele, em 2004, eu vi aquela preciosidade nas minhas mãos e falei: 'não vou impedir que isso seja visto. Vou me cercar do que eu puder para levantar esse filme'. E foram três anos assim, tive uma produção muito digna para fazer esse filme.
Foi maravilhoso, tinha cem pessoas no set, foi marcante. Mas antes eu já tinha feito CANÇÃO DE BAAL (2007), com um elenco maravilhoso: Simone Spoladore, Carlos Careca, Djin Sganzerla, minha filha. Aí as pessoas passaram a acreditar mesmo em mim, o filme inteiro era meu. Ganhei prêmio de melhor roteiro adaptado.
Isso foi em outro período do Brasil, com Lula presidente e Gilberto Gil ministro da Cultura. A arte era forte, prestigiada por eles. Agora ela continua forte, mas está recebendo pedradas, todo dia é uma pedrada.
Mas vejo um futuro bom para a arte brasileira. Ela está bem, apesar de toda amarrada desse jeito. A gente tá se saindo, tem coisas aparecendo, estamos nos manifestando. O cinema tá levando uma pedrada horrorosa, mas continua resistindo.
Teve uma grande aceitação o "Marighella", dirigido pelo Wagner Moura. Gosto do filme, acho que ele é claro e honesto. Ele não engana. Não tenta se passar por filme de arte, por cinefilia. Essa é a honestidade dele. Ele fala ao público. E encheu os cinemas, o que é bom.
Em 2007 recebi uma homenagem extraordinária na Suíça. Acompanhei também uma homenagem na Nova Zelândia, onde "O Bandido da Luz Vermelha" foi considerado um dos 50 melhores filmes do século 20. Existe um despertar desse trabalho feito no Brasil, nós é que não falamos nisso. Teve também uma mostra chiquérrima em um cinema cult de Nova York. Mas é aquilo: jamais poderemos competir com a televisão, com a grande mídia, com os streamings.
CHEIA DE TRABALHOS
Meu filme mais recente como diretora foi FAKIR (2020). E fiz um filme de pandemia para o Instituto Moreira Salles. Tive a honra de ser convidada pelo Kleber Mendonça Filho. É um curta de cinco minutos, muito lindo, feito aqui em casa, comigo fazendo uma performance e ele dirigindo. Chama FOGO BAIXO E ALTO ASTRAL, com a fotografia do André Guerreiro Lopes, meu genro e grande parceiro artístico.
Estou cheia de trabalhos. Estou ensaiando um filme com o Evaldo Mocarzel, chama VIVEIRO DE VOZES, comigo e a Vera Holtz. É o filme mais estranho de toda a minha vida. É uma proposta muito cabeça. Eu gosto.
E tem o L.O.R.C.A., do André [Guerreiro Lopes], que estreia dia 10 DE DEZEMBRO no YouTube. É um trabalho experimental, lindíssimo. De alguma maneira se conecta com esse livro que foi lançado agora, HELENA IGNEZ, ATRIZ EXPERIMENTAL, do Pedro Guimarães, que é um acadêmico brilhante, junto com o Sandro de Oliveira.
Estou trabalhando num roteiro sobre a sexualidade feminina, chamado "A Alegria é a Prova dos Nove". O título é de Oswald de Andrade, faz parte do Manifesto Antropófago. Me baseei na sexóloga americana Betty Dodson. Ela fazia workshops de masturbação, dizia que a mulher deveria conhecer o seu prazer e assim seria mais livre para escolher um companheiro.
É um filme queer com um humor extraordinário, atrizes maravilhosas com quem já trabalhei muito e o Ney Matogrosso. Tem também o personagem do Negro Léo, que é um padre canabista, inspirado no padre Ticão. É linda a história desse padre. Não sei se Deus é maconheiro, mas por essa planta passou a saúde.
Hoje moro só. Vivo em São Paulo desde 2001. Vim para fazer uma peça, comprei um apartamento e fiquei. Tenho três filhas, a Djin e a Sinai, com o Rogério, e a Paloma Rocha, com o Glauber.
Na Wikipedia tem uma biografia minha que é totalmente louca, inclusive me tiraram três anos de idade. Quero retificar: nasci em 1939. Tenho o maior orgulho de ter 83 anos e espero ter muitos pela frente. Ainda há muito a fazer."
Helena Ignez, 83 anos, é atriz e cineasta