Rogério Duarte: 25 anos após nosso primeiro encontro (1999-2024)
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REESCRIÇÕES são formas de expressão escrita nas quais o autor recria ou reinterpreta um texto preexistente, muitas vezes com o objetivo de melhorar sua clareza, precisão, coesão ou adequação a um público-alvo específico. Essas reescritas podem envolver mudanças estruturais, substituição de palavras ou frases, reorganização de ideias ou qualquer outra alteração que aprimore o texto original. As reescrições podem ser utilizadas em diversas situações, como na revisão de trabalhos acadêmicos, na adaptação de textos para diferentes públicos, na tradução, na criação de resumos ou na simplificação de linguagem técnica para leitores leigos, entre outras.
O SUCESSO PESSOAL E A VALIOSA CONTRIBUIÇÃO DOS PRÓPRIOS ERROS: UMA PARÁFRASE DE OSWALD DE ANDRADE
“Inventaria-te antes que os outros te transformem num mal-entendido.” (Rogério Duarte)
“Rogério tem arte até no nome!” (Edvar Ribeiro)
“Acompanho com reverência a sucessão de tempestades que tem sido sua vida literária oculta, de romantismo incrivelmente profundo.”
(Caetano Veloso, no prefácio de A DIVINA CANÇÃO DO MESTRE)
por mário pazcheco
Desde 1991, ano da publicação do meu livro BALADA DO LOUCO, por falta de informação, não mencionei Lanny Gordin e Rogério Duarte, mas minha redenção veio quando conheci este último!
Em MAIO DE 1999, lendo uma matéria de capa no segundo caderno do Jornal Correio Braziliense, telefonei para o jornalista Rogério Menezes e pedi o número de telefone de Rogério Duarte.
De JULHO A OUTUBRO DE 1999, filmamos o documentário TROPICAOS, um vídeo de depoimento e apresentação com Rogério Duarte, que aguarda financiamento próprio.
Em 2000, gravamos ao vivo a apresentação para a trilha sonora do documentário - Rogério Duarte vestindo um terno italiano, suportando o calor do meio-dia impecavelmente, tocando seu violão espanhol com as janelas e portas fechadas - para que o som exterior não se sobrepusesse.
Como em muitas ocasiões, João Alves, o Pedreiro, foi recrutado para ser o assistente e segurança - neste sábado, eu vivia o ápice da crise de grilagem da minha terrinha... e enquanto o mestre dedilhava... João dormiu...
Paulinho dirigiu o carro, testemunhou e documentou nossa visita à sua chácara em Águas Lindas.
Na minha ânsia por informações, Rogério Duarte (assim como Paulo Iolovitch) também perdia a paciência e me repreendia... Essa era a minha maneira de pedir uma pausa na estrada íngreme, movimentada e perigosa, nas encostas do Reservatório de Água Natural da Barragem que ligava a sua chácara.
Durante anos, um bloqueio ou uma promessa não me permitiram escrever uma única linha sobre Rogério Duarte. Seus óculos foram esquecidos no assoalho do meu carro e nunca foram devolvidos: – Fiquem como lembrança!
Com a ponta do dedo umedecida de saliva, Rogério Duarte recuperava cartazes e quadros quando diretor do MAB. Na visita presidencial, um contratempo, ou a colaboração dos mil erros, o transformou em amigo de Violeta Chamorro. Com a expressão de pulga atrás da orelha, Roriz olhou para Rogério Duarte e perguntou quem foi a personalidade que assinou o Livro de Personalidades antes de Violeta Chamorro. Rogério Duarte, que fala espanhol, explicou o mal-entendido a Violeta Chamorro, que o convidou a acompanhá-la nos dias restantes de sua estadia.
– Vamos subir, cara!
– Não agora, Mick.
No saguão do hotel, o inglês Mick o chamava para uma famosa sessão de fumaça. Mas Rogério Duarte se despediu do líder dos Rolling Stones, recusando o convite.
O Itamaraty, através de seu Departamento Cultural e de Informações (Divisão de Difusão Cultural), concedia bolsas de viagem, e Rogério Duarte renunciou à bolsa que o levaria, junto com Hélio Oiticica, para a Inglaterra.
Hélio Oiticica, assim como Torquato Neto, foi um grande amigo de Rogério Duarte. Quando Hélio Oiticica faleceu, Rogério Duarte perdeu a coleção de livros de arte que ele tinha emprestado, pois foram considerados parte do espólio de Hélio Oiticica. Rogério abriu mão dos livros.
Ao mencionarmos Zé do Caixão, Tom Zé e Agrippino de Paula, Rogério Duarte demonstrava preocupação, saudade e felicidade por alguns desses amigos estarem trabalhando e "fazendo sucesso".
Quanto ao plano de montar um museu em sua fazenda no interior da Bahia, Rogério já entrou em contato com os familiares, que concordaram em devolver ou doar as obras de sua autoria que estavam com eles. Rogério Duarte tem o nome do principal comprador de seus quadros e pretende entrar em contato com ele para um possível empréstimo das suas obras.
A lição mais importante: sua rebeldia se extinguiu com a morte do pai.
Falando sobre Glauber Rocha com Rogério Duarte, ele percebeu que eu nunca tinha conversado anteriormente com alguém que conhecera pessoalmente Glauber Rocha, e me encorajou a seguir colhendo depoimentos importantes.
Em 1978, Rogério Duarte se tornou rajneshiano, seguidor do Visva Dharma. Ao saber disso, Glauber Rocha convocou os amigos, dizendo que Rogério era muito importante e que não podiam perdê-lo para esse grupo, e traçaram um plano de sequestro... que nunca se concretizou.
Em 1980, na cena final, Glauber Rocha e Rogério Duarte chegaram juntos, no mesmo carro, enquanto dona Lúcia vinha em outro. Despediram-se no Aeroporto de Salvador, Glauber tirou um maço de dinheiro do bolso e entregou a Rogério, que recusou, mas Glauber o convenceu: - É para a edição do seu livro MUSICOR.
Vinte anos depois, eu estava organizando os arquivos de Rogério Duarte em Águas Lindas e vi os originais do ainda inédito MUSICOR, ao lado de slides, fotos, capas de livros, cartas, partituras. Esse material está sendo preparado para ser editado.
Cansado da UnB e com um novo interesse amoroso na Bahia, Rogério partiu e prometeu ligar...
Fui vítima de um dos muitos lapsos de memória de Rogério Duarte; lapsos que eu testemunhava quando algumas pessoas o procuravam pelo nome.
– Rogério! E ele perguntava: – Quem é você mesmo?
Quando estava dedicando o livro, ele me perguntou - Qual é o seu nome?
Mário. – Mário Pazcheco!
Ele respondeu: – Como pude me esquecer! Você ainda está vivo? Os grileiros não te mataram?
A Editora Papagaio teve a coragem de publicar o penúltimo livro de Rogério Duarte, dubiamente batizado de TROPICAOS. Com a ajuda do pesquisador Narlan Matos, Rogério organizou o que restou de sua produção nos anos 60 e 70 – a maior parte dela, incluindo uma peça de teatro e um romance inéditos, foi destruída na época por ele próprio, com medo de retaliações da ditadura. Uma das maiores alegrias de Rogério Duarte foi encontrar grande parte de sua obra preservada e guardada na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, que disponibilizou esses arquivos em CD-ROM para o artista. O livro TROPICAOS inclui o prefácio de Wally Salomão - um ensaio de 1965 sobre desenho industrial no Brasil – e a crônica A Grande Porta do Medo, sobre os tempos de prisão e tortura. "Esse relato foi a única coisa sobre meus problemas com a censura e a ditadura que escapou na época." Rogério recorreu ao psicanalista Hélio Pellegrino (falecido em 1988) para esconder o texto por mais de dez anos. "No mais, são páginas de gemidos, aforismos e reflexões."
Na Era do Desbunde, o último poeta visionário do Tropicalismo falou sobre sua barba: "Depois que eu deixei crescer a barba, as coisas continuaram igualmente confusas, exceto pela sua adição, que se associa ao antigo caos e revela nova fúria". Quando vi na Folha de S. Paulo uma foto recente dele com a barba branca, imediatamente pensei em seus planos de longevidade, dedilhando o seu Ramirez. A Contribuição Milionária dos Próprios Erros estava "perdida", e precedeu o próprio Rogério. Neste último texto, eu documentava meu recente encontro com o mestre. Houve outras oportunidades, como no show Tropicália Transcendental, e recentemente alguns alunos da UnB me procuraram para angariar material e informações sobre Rogério Duarte, então objeto de pesquisa deles... De tudo que rolou, e da minha constante prosa com Rogério Duarte, aprendi a ser forte e a dosar o gênio, em determinação, sem me escravizar, e a não dispensar os ensinamentos dos 1.000 erros diários.
(depoimento para Mário Pazcheco)
AMIGOS ARCAICOS: ROGÉRIO DUARTE & GLAUBER ROCHA
Mestres das adversidades. Rogério Duarte e Rogério Caos são a mesma pessoa, sendo o último um epíteto criado por Glauber Rocha. Um memorialista de primeira desordem, incessantemente acossado e incompreendido pela mídia, que sem pudores revela dados, nomes e situações auspiciosas conduzidas por Shiva.
Depoimento de Rogério Duarte
Não quero que a necrofilia atinja muito Glauber como fizeram com Raul. Já se falou demais sobre Glauber, para mim ele é um tema de reflexão muito profundo. Eu gostaria de escrever sobre Glauber. Depois que li o livro de João Carlos Teixeira Gomes, que é tão bonzinho, mas tão medíocre, porque ele não acompanhou o pique, foi um cara que sempre ficou na província, sempre teve cargos públicos, jornalista, professor, da Academia Bahiana de Letras, então ele não compreende, ele vê com os olhos do amigo, mas do amigo-parente, aquele primo querido, muito afeto, mas nenhuma comunhão, ou seja, ele não comungava da loucura de Glauber, do tempero, ou seja, ele via aquilo como meus primos, por exemplo, aquele primo que diz: – Puxa, você tá louco! Aqueles caras bem-intencionados diante de um artista alucinado. (...)
– A Cruz na Praça foi um documentário engraçado, vi uma cópia, uma única cópia. Saiu meio escura, passou no Cine Capri. Lembro, estavam Dorival Caymmi, Jorge Amado, foi o único filme que trabalhei como assistente de Glauber. Era experimental, as coisas que Glauber fazia nos intervalos entre as grandes produções. Ele fazia ensaios, digamos, radicais, e esse seria um. Luís Carlos Maciel, como ator; Sólon Barreto, Anatólio Oliveira, é um filme interessante sobre o problema da repressão do homossexualismo. Tem umas coisas muito engraçadas. Engraçado, a gente trabalhava com dois quadronizadores, eu com um e ele com outro.
Essa teoria dele da montagem dialética, eu não era propriamente um assistente, Glauber dizia o seguinte: – Vou me ater à minha história.
– Você já leu. O que você achar que possa enriquecer pra gente incluir na montagem, a gente filma também. Então eu desenhava o que queria que filmasse também para incorporar, e era filmado. Lembro, por exemplo, de um cara passando com a bandeja cheia de caranguejos, achei que aquilo tinha a ver com a história, então pedi pra fazer um plano daqueles caranguejos, e outros planos, que eram incorporados depois na montagem. Era um trabalho em que Glauber era muito na coisa da espontaneidade. Ele dizia: – Vamos dialogar. Vamos brincar, como em outros trabalhos que fizemos. Você filma o que quiser; eu filmo a minha história e depois na montagem a gente tenta juntar tudo... (...)
Havia uma relação muito amorosa, ele era muito adulto, Glauber era muito complexo. Ele reunia, por assim dizer, valores tradicionais. Ele não tinha muito do adolescente, inclusive era uma pessoa que amadureceu muito cedo. Glauber casou muito jovem e revelou-se um gênio muito cedo, como jornalista, escritor, como uma pessoa responsável, até como um empresário, inclusive, então ele não tinha conflitos. O pai dele teve um acidente, não exercia mais aquela autoridade brutal como pai, então ele não tinha nada do conflito adolescente. A coisa dele era mais em um plano social, no universal. Não havia muito a coisa do pessoal, do lírico. O lirismo de Glauber era das massas, ele se interessava pelas questões do mundo e não pelos pequenos problemas individuais. Ele não tinha muito essa coisa pequeno-burguesa. A coisa dele era em um salto mais universal, não era confessional, não era biográfico. A obra dele não tem muito de biografia, a não ser em Riverão Sussuarana. Glauber era daquelas pessoas que se identificavam com os arquétipos históricos. Não havia a preocupação intimista nele, era uma pessoa fundida com o social. Nele o individual e o social se sintetizavam. A vida dele pessoal já era história, ele era uma figura pública desde o início. Ele não tinha o negócio do pequeno mundo, da vida privada.
Glauber já era amigo de Ronaldo, meu irmão mais velho; João Carlos Teixeira narra isso no livro. Glauber e eu temos uma diferença de um mês, porque, embora eu tenha nascido em 10 de abril, todos os meus documentos estão como se fosse 15, então Glauber é de 15 de março e eu sou de 15 de abril. Ele era um mês mais velho do que eu, mas era amigo do meu irmão mais velho, tanto assim que o Joca me atribui ter uma coisa de ser muito mais jovem, mas ele morava na rua ao lado da minha. Eu já era apaixonado pela irmã dele desde criança, ela era minha paixão infantil já, e eu já olhava ele na rua. A gente já se dialogava, mas era na época das Jogralescas em 1956/57. A gente se encontrou de forma definitiva e selamos uma amizade eterna, muito afetuosa. Eu era namorado da irmã dele, a pedido inclusive dele inicialmente. Ele queria que eu namorasse a irmã dele.
"Não quero que a minha irmã namore playboy ou cafajeste. Quero que ela namore com intelectual."
E a gente sempre foi muito camarada, muito amigo. Tem muitas passagens biográficas e brigas de rua. Na Bahia, uma vez, vinha com Glauber numa de suas viagens, ele de barba, e uma turma na rua começou a xingar de "Fidel Castro". Ele estava de barba, aquela coisa provinciana... e eu resolvi encarar os caras na mão. Levei tapas como o diabo. Teve muitos lances desse tipo, então a gente é amigo arcaico. A terra dele, Conquista, é perto da minha terra. É uma coisa muito radical, não tem início meu relacionamento com Glauber, como também não tem fim. Glauber, eu sonho às vezes dialogando com ele. Ele é tão vivo que a morte não teve a força suficiente para apagar em mim a memória de um Glauber vivo, assim como eu tenho a memória do meu pai.
São pessoas que estão além do tempo, além dessa dimensão linear do passado, presente, futuro. Ele é, e esse ser do Glauber pra mim de certa maneira transcende a sua existência física. A imagem do Glauber, eu olho uma foto do Glauber, eu vejo. Ele entende, ele existe como éthos, como imagem, a ideia Glauber é mais viva do que o corpo.