Meu Amigo Doni: Uma Crônica de Amizade e Colecionismo (2024)

Meu Amigo Doni: Uma Crônica da Amizade e da Coleção

No fim dos anos 70, a vida era um turbilhão de descobertas e amizades. Entre os rostos que marcaram essa época, destaca-se Donato, apelidado carinhosamente de "Doni" por seu pai. Em sua casa, um verdadeiro paraíso para os amantes de quadrinhos, pacotes cinzentos chegavam a cada quinze dias, trazendo consigo as aventuras da Turma da Mônica e dos personagens da Disney. Doni, um colecionador nato, nutria uma paixão especial por essas histórias, com exceção dos super-heróis, que considerava banais.

Lembro-me de uma ocasião em que ele me mostrou uma revista da Rio Gráfica Editora, algo que eu ainda não tinha tido a oportunidade de ler. Seus olhos brilhavam com a empolgação de quem sabe ter encontrado um tesouro. "Se o Mário está interessado, essa revista deve valer algo", pensou ele. E não estava errado.

Trinta anos se passaram, e a vida seguiu seu curso. Um dia, Doni me procurou com um pedido inusitado: queria que eu subisse até o depósito empoeirado em cima de seu quarto e resgatasse caixas pesadas recheadas com as suas revistas. A missão era árdua: limpar, catalogar e vender cada exemplar. Minha resposta foi um "depois a gente vê isso", dita com um tom de desinteresse. Na verdade, meus pensamentos já estavam ocupados com a possibilidade de Donato, mesmo após a venda, questionar a totalidade do valor arrecadado.

Doni, devo admitir, é um cara bacana. Mas, em suas ações, sempre havia um certo cálculo, um jogo próprio que ele dominava com maestria. Uma vez, pedi-lhe para comprar um disco para mim. Ele sequer deu atenção ao meu pedido. Da mesma forma, quando ele me solicitou algo, minha resposta foi um silêncio ensurdecedor, o que o deixou visivelmente surpreso.

Donato tinha o hábito de pressionar as pessoas com discursos prontos e convincentes. Eu, porém, já não me deixava levar por suas palavras. Nem mesmo respondia mais às suas mensagens, cansado da insistência e da falta de reciprocidade. Me perguntava se ele realmente acreditava que essa estratégia funcionaria comigo. O que Donato dizia sobre os outros, muitas vezes, parecia refletir suas próprias ações. Chamá-lo de hipócrita seria pesado e desnecessário, mas "aproveitador", talvez, se encaixasse melhor.

Certo dia, ele apareceu em casa para assistir a um show. Contou que possuía o jornal da Rolling Stone, da edição americana da semana da morte de Jim Morrison. Prometeu me dar a revista como um presente. Em troca, presenteei-o com um livro que eu mesmo havia escrito.

Um dos amigos em comum, Souves, questionou minha atitude. "Por que você deu o livro para Donato, enquanto para mim você o vendeu?", perguntou ele. A resposta era simples: Donato, inscrito em programas de intercâmbio cultural, viajaria para a França e o Canadá para aperfeiçoar seu francês. Antes de sua partida para Quebec, pedi-lhe que procurasse por alguma edição da revista francesa "Hard Rock" e, se possível, algo sobre Jim Morrison. Revelei minha ingenuidade ao acreditar em suas promessas. Nunca mais se tocou no assunto, e a edição da Rolling Stone em memória de Jim Morrison nunca chegou às minhas mãos.

Ainda hoje, recebo chamadas de vídeo quando os amigos se reúnem para churrascos. Lá está Doni, sempre sorridente, recebendo um cumprimento e um joinha de minha parte. Mas a nossa amizade, outrora repleta de aventuras e confidências, se resume a isso. Uma lembrança agridoce de um passado que, por mais que eu tente, não consigo reviver.

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